A questão indígena no Brasil tem servido a movimentos de esquerda e a certas ONGs como pretexto na luta contra o direito de propriedade, o que tem prejudicado os próprios indígenas. É uma das revelações que um índio narra nesta entrevista. Ele dá o exemplo da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, que se transformou — após sua demarcação e consequente expulsão dos antigos moradores — numa verdadeira “favela indígena”.
A mídia brasileira de modo geral tem ocultado as denúncias sobre o tribalismo indígena. Vezeira em noticiar alarmismos eco-ambientalistas, ela não o é quando se trata de denúncias sobre a ação criminosa de ONGs, por vezes ditas católicas, e organizações oficiais que manipulam os índios para investirem contra propriedades particulares. Só no Mato Grosso do Sul já foram invadidas mais de 90 fazendas.
Catolicismo foi pioneiro ao estampar em sua edição de novembro uma corajosa entrevista da deputada estadual Mara Caseiro, na qual ela anuncia a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul para investigar o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão vinculado à CNBB.
No mesmo sentido, em meio à despreocupação nacional e ao enigmático silêncio dos meios de comunicação, a Câmara dos Deputados instalou em novembro, sob a presidência do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), uma CPI para investigar a atuação da FUNAI e do INCRA em demarcações de terra.
A ele a deputada Mara Caseiro — que preside a CPI sul mato-grossense — entregou recentemente graves e importantes documentos comprovando as denúncias de que o CIMI teria financiado e incitado invasões de propriedades particulares por indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul. O deputado Alceu Moreira avaliou que há várias formas de influência na demarcação de terras indígenas: do CIMI, de parte da igreja, e da FUNAI. E completou: “Esse crime é de laboratório e feito a muitas mãos.”
Por seu turno, a sub-relatora sobre o INCRA na CPI da Câmara, deputada Tereza Cristina (PSB-MS), aponta a existência de provas de que integrantes do CIMI ligados à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) teriam instigado conflitos com produtores rurais em todo País.
“Os índios da Raposa/Serra do Sol estão vendendo tudo para se manter, para comprar arroz, açúcar, feijão, comprar de tudo, até a banana eles levam. É triste!”
Nossos correspondentes Paulo Henrique Chaves e Nelson Ramos Barretto — que estiveram na reserva indígena Raposa/Serra do Sol em 2008 — voltaram recentemente a Roraima para entrevistar in loco os habitantes injustamente expulsos de suas terras para dar lugar a mais uma “favela indígena”. (Roraima: cobiça internacional com novas perseguições aos produtores rurais).
Empenhado em continuar esclarecendo seus leitores sobre a grave “questão indígena” que assola o País, Catolicismo traz em primeira mão o depoimento que nossos correspondentes colheram de Silvestre Leocádio da Silva, 66, antigo tuxaua (cacique, na língua macuxi).
Catolicismo — O senhor é índio macuxi?
Silvestre — Sim, tenho duas etnias no meu sangue: meu pai é macuxi e minha mãe é ingaricó.
Catolicismo — Qual é a situação hoje da Raposa/Serra do Sol, depois da saída dos arrozeiros e dos senhores de lá?
Silvestre — Uma tragédia. Se não fosse essa tragédia, hoje os índios estariam muito bem, ganhando dinheiro, recebendo projetos do Governo Federal, do Governo do estado, na Raposa/Serra do Sol, com 1.750.000 hectares. Mas o Governo Federal simplesmente abandonou a população indígena. E não foi só a da Raposa/Serra do Sol não, foi em todo o estado de Roraima.
Catolicismo — E os ianomâmis, o senhor tem notícias deles?
Silvestre — Os ianomâmis estão aí ao léu, andando pelas ruas de Boa Vista com vassouras no ombro para trocar por um calção, por uma camisa, por vestidos para suas mulheres. Eles andam em grupos o dia todo aí pelas ruas da cidade. Então, cadê o dinheiro do Governo Federal? Demarcaram aquelas terras para os índios, ou para o Governo Federal ou para as ONGs?
Como índio, eu queria ter o prazer de hoje dar uma entrevista e dizer que o índio está muito bem com as terras demarcadas, que o índio está ganhando dinheiro, que o índio está na tecnologia, que o índio está participando do progresso brasileiro, do progresso de Roraima. O que se passa é o contrário. Os índios estão abandonados, e não são só os da Raposa/Serra do Sol. É triste quando você vê os ianomâmis aí passando fome, passando necessidade, sem remédio e sem educação.
“Os cabeças do CIR estão todos empregados na Secretaria do Índio, do INCRA, com bons salários, eles sempre viveram por trás da população indígena”
Catolicismo — E as ONGs não têm feito nada por eles? Pois, além do Governo Federal, através da FUNAI havia ONGs fazendo muito barulho…
Silvestre — Eu não conheço vocês e vocês não me conhecem… A gente está aqui conversando, mas se vocês pegarem um avião e forem a Santa Rosa ou ao Maracá, lá em cima, de onde eles tiraram os garimpeiros por duas ou três vezes, lá está um grupo de americanos, instalado lá com casa, rádio, televisão, tem de tudo. Eles estão lá, mas os brasileiros não podem se instalar lá. Há um grupo lá que se diz missionário…
Os índios da Raposa/Serra do Sol estão todos aí pedindo educação, pedindo saúde, pedindo estrada, porque eles não têm estrada, não têm pontes; eu os vi fazendo essa reivindicação para a governadora daqui do estado. Com um monte de papel na mão, fazendo pedido: querem estrada, querem ponte, não têm dinheiro.
E quem criou o problema com a demarcação foi o Governo Federal. Agora, por que o Governo Federal não aperta as ONGs, os padres, os missionários? Cadê o dinheiro que eles trouxeram para demarcar e por que não continuam aplicando esse dinheiro lá dentro? Porque lá dá de tudo! Se plantar, dá! Mas como é que o índio vai plantar se não tem apoio? Se não tem maquinário? Se não tem técnica? O índio está lá abandonado!
O governo federal simplesmente demarcou e abandonou! Aqui no município de Alta Alegre, próximo de Boa Vista, nós temos 11 comunidades com terras demarcadas em ilhas, não tem nada dado pelo Governo Federal para que esse povo tenha dias melhores, para que esse povo tenha um bom relacionamento, que não tem.
Catolicismo — Tivemos informações de que na Raposa/Serra do Sol — talvez o senhor conheça mais especialmente o assunto — o Conselho Indigenista de Roraima, ligado à CNBB, estaria ajudando os índios. O senhor sabe como vão funcionando as coisas por lá?
Silvestre — Na verdade é assim: quem tem, tem, quem não tem, não vai ter. Há um gado que foi doado pela Igreja Católica, que na época ficou para poucas comunidades, para algumas comunidades. E a maioria ficou sem nada. O Governo do estado, na ocasião também doou um pouco para cada um, mas hoje eles estão vendendo tudo para se manter, para comprar arroz, açúcar, feijão, comprar de tudo. Eu vejo eles vindo aqui na cidade; vão aí nesses mercados, e têm que comprar de tudo, até a banana eles levam. É triste!
Catolicismo — Extrativismo eles não fazem mais? Extrativismo, caça, pesca…
Silvestre — Olha, não tem mais nada lá. Tem para aqueles que moram perto do rio, aqui próximo de Boa Vista. Porque esses rios lá em cima são rios de cachoeira, não têm peixe. E a caça não existe mais, acabou. Existe muito pouquinho. Eles têm de comprar aqui. No Uiramutã, por exemplo, os marreteiros levam de tudo daqui para vender para eles lá. Levam peixe, levam galeto e eles são obrigados a pagar um preço absurdo. Aqui na capital já está tudo caro. O marreteiro que sai daqui pra vender lá, só pode vender caro. Então, agora está difícil a vida para os índios de lá.
“Há uma grande cachoeira possibilitando a construção de uma hidrelétrica para abastecer Roraima e outros estados e outros países, mas a luz aqui vem da Venezuela”.
Catolicismo — Como vem sendo a atuação do Conselho Indígena de Roraima (CIR) lá na Raposa/Serra do Sol?
Silvestre — O CIR sempre atuou, mas para desmoronar. Os cabeças da entidade estão todos empregados na Secretaria do Índio, do INCRA, com bons salários, eles sempre viveram assim, sempre viveram por trás da população indígena que está lá sofrendo.
Catolicismo — Essa Secretaria do Índio é do Governo do Estado ou do Governo Federal?
Silvestre — É do Governo do Estado, embora não seja da competência dele. O estado vem se obrigando a fazer coisas que seriam da competência do Governo Federal. A Secretaria do Índio ajuda um aqui, outro ali, porque não dá pra ajudar todo mundo.
No caso da energia elétrica, numa recente entrevista eu até citei o senador Romero Jucá. Ele vai à televisão e fala assim: “A luz para todos em Roraima está consumada, a luz para todos atingiu todo mundo em Roraima”. Apesar de dizer “energia para todos”, a 100 km daqui, no Boqueirão, onde eu morei, eles negociaram para a luz passar dentro de Guri e descer 15 km com a rede, pois hoje estão lá 19 pais de família sem energia. A luz foi colocada só no centro da comunidade e o resto ficou sem nada. Eles estão falando que vão colocar.
Catolicismo — E na Raposa/Serra do Sol, não tem energia?
Silvestre — Alguns têm, porque o governo deu um motor de luz pra eles lá. Ou aqueles que têm uma condiçãozinha para comprar um motorzinho. Mas os outros estão lá sem energia! É brincadeira…
Catolicismo — Para a Raposa/Serra do Sol não vai energia?
Silvestre — Para lá não vai.E temos lá uma grande cachoeira possibilitando a construção de uma hidrelétrica para abastecer Roraima e outros estados, até outros países, mas a luz aqui vem da Venezuela. Pode parecer que eu estou mentindo, mas vá lá para ver… Se fizerem a hidrelétrica ali, vai ser a vida para as comunidades indígenas, vai gerar dinheiro, vai gerar luz, vai gerar tudo de bom para aquelas comunidades.
Eu me lembro de um ex-governador que já se foi. Ele dizia: “O desenvolvimento do Estado e do País chama-se estrada e energia”. As terras eram plantadas com arroz, do Genor Faccio, do Paulo César Quartiero, daqueles arrozeiros todos que foram retirados de lá. Num dia desses o Dr. Juiz Hélder Girão Barreto me perguntou: “Silvestre, me diga uma coisa, como é que está a Raposa/Serra do Sol?”. Eu respondi: “Está abandonado, doutor.” Aí ele disse: “A gente sabia. Eu estou fora disso agora.” Ele disse desse jeito pra mim! Mas na época ele foi a favor da demarcação… Hoje o índio deveria estar plantando, colhendo, ganhando dinheiro e abastecendo o Estado.
“O Quartiero tinha 5.000 funcionários trabalhando na empresa de arroz dele. Ele foi retirado, e então essas 5.000 pessoas estão aí hoje quase todas desempregadas”
Catolicismo — Parece que o Estado perdeu 4% do PIB com a saída dos arrozeiros de lá. É isso mesmo?
Silvestre — Só o Paulo César tinha 5.000 funcionários trabalhando na empresa de arroz dele. Ele foi retirado, e então essas 5.000 pessoas estão aí hoje quase todas desempregadas, porque o desemprego é grande aqui. O índio continua abandonado mesmo!
Catolicismo — Qual é a sua formação escolar?
Silvestre — Eu só tenho o ensino fundamental. Vou relatar o que aconteceu recentemente comigo e com a minha família. Os garimpeiros sobem para a mina Santa Rosa — como hoje está tudo difícil, então muita gente está aí desempregada e vai atrás de dinheiro seja onde for —, os garimpeiros estão sempre entrando no Santa Rosa para tirar ouro e diamante.
Então, minha filha que mora lá na comunidade do Boqueirão — os garimpeiros passam lá na ida e na volta — ela vende comida para eles. Ela vende comida lá e vive disso. Depois a Polícia Federal foi lá prendê-la juntamente com o marido. Em seguida, veio aqui na minha casa me prender. Só não me prendeu porque eu não me encontrava no momento. E sabe qual a razão? Alegava que eu estava apoiando os garimpeiros, estava comprando arma, estava dando todo o apoio aos garimpeiros. E minha filha, os estava alimentando quando eles passavam pelo Boqueirão… E eu nem conheço esses tipos…
Minha filha tem um telefone rural. O delegado disse para mim que ela não pode ter telefone, porque ele é via satélite. Eu disse para ele: “Sr. delegado, isso aqui é um telefone! Eu sou índio, será que não posso ter um telefone?” Ele respondeu: “Telefone que custa R$ 1.300,00, ela não pode ter..”. Mas o que é isso!?
A Polícia Federal prendeu minha filha e foi preciso pagar um advogado para soltá-la. A PF foi bater na penitenciária, porque disse que ela e seu marido estavam traficando gasolina, traficando ouro. É triste, hoje as comunidades não podem ter nada, eles querem os índios lá andando nus, pedindo as coisas. É complicado! Eu discordo disso aí, eu como indígena discordo.
Eu acho que nós indígenas temos que acompanhar o progresso do Brasil e de todo o mundo, temos que acompanhar o branco, o preto, temos que acompanhar a política brasileira, a política estrangeira, tudo nós temos que ter conhecimento. Se não, para onde nós vamos?
Eu trabalhei com os padres durante 20 anos. Por isso, eu aprendi muita coisa, estudei. Era para eu ter ido à Itália me formar; mas então eu não quis. É por isso que não sou formado. Eu comprei muito gado pra Igreja Católica distribuir às comunidades indígenas no município de Alto Alegre. Depois eu saí fora, porque chegou um momento em que eu entendi que não era o que eu queria, era o que os padres queriam. Depois fui para a SODIUR [Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima], tornei-me presidente dela e nos colocamos contra a demarcação da Raposa/Serra do Sol.
Catolicismo — A SODIUR ainda existe?
Silvestre — Existe. Hoje a FUNAI mudou um pouco. Numa época anterior a FUNAI não me considerava como índio porque eu estava na cidade. Eu não tinha direito a fazer um registro indígena, minha mulher não tinha o direito de fazer o “salário maternidade”, minha família não tinha direito de tirar o registro indígena, porque já estávamos na cidade. A discriminação é grande!
“A FUNAI abandona o índio. Já ficou claro que a Raposa/Serra do Sol foi demarcada para acabar com os índios, pois os índios estão vindo pra cidade!”
A discriminação vem da política, vem da FUNAI, vem das ONGs, vem de todo mundo, é muito triste. E quando falo dessa maneira, as pessoas falam assim: “Você fala demais”. Eu falo a verdade, a dor quem sente sou eu, não posso ser discriminado. Se eu não aprender como o branco procede, ele vai passar por cima de mim, tenho de aprender, tenho de me defender.
Se tivéssemos uma FUNAI que nos desse condições para evoluir, hoje não estaríamos sendo tão discriminados. Contrariamente, a FUNAI existe para ganhar dinheiro em nome do índio, só isso. A FUNAI me dizia: “Aqui na FUNAI não tem coisa para os índios aculturados, só tem para os ianomâmis, eles estão lá isolados.”
A FUNAI tinha que ir à Raposa/Serra do Sol e, juntamente com o Governo Estadual e o Federal, fazer escola, fazer posto médico, fazer hospital, fazer estrada, fazer uma agricultura com tecnologia. Penso que a FUNAI existe para isso. Mas ela quer isolar o índio. Se não fosse o governo do estado de Roraima, os índios morreriam de indigência. A FUNAI abandona o índio. Já ficou claro que a Raposa/Serra do Sol foi demarcada para acabar com os índios, pois os índios estão vindo pra cidade!
VER MAIS EM: catolicismo.com.br (disponível em: março 2016)
Verde: a cor nova do comunismo: Tribalismo comuno-missionário na Amazônia
http://ecologia-clima-aquecimento.blogspot.com.br/2016/03/quando-um-cacique-fala-toda-verdade.html
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