Proposta que transfere demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional será votada pelo Plenário da Câmara. Pelo texto, só serão demarcadas terras ocupadas pelos indígenas até 5 de outubro de 88, data de promulgação da Constituição. E os índios podem explorar economicamente suas terras e até arrendá-las para agricultores. A proposta é o tema da reportagem especial desta semana, em cinco capítulos.                         

Confira agora o primeiro, com Antônio Vital.

Está pronta para ser votada no Plenário da Câmara uma mudança na Constituição (PEC 215/00) que tira da Funai o poder de demarcar terras indígenas. Se aprovada na Câmara e, depois, no Senado, a demarcação passará a ser feita por meio de um projeto de lei que terá de ser aprovado pelo Congresso Nacional depois de apresentado pelo Poder Executivo. Mas a proposta muda muito mais a legislação sobre terras indígenas.

A principal delas: só serão demarcadas terras que estavam ocupadas pelos índios no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Isso vale também para áreas de antigos quilombos.

O ano de 1988 passa a ser referência também para as demarcações já em andamento, grande parte delas embasada em laudos antropológicos que simplesmente atestam que aquela terra um dia foi habitada por índios. E ficarão proibidas as expansões de terras já demarcadas.

Além disso, a mudança vai permitir que os índios arrendem suas terras para agricultores. Ou que troquem a área demarcada por outra, o que é proibido hoje. E os agricultores que forem retirados de terras transformadas em reservas serão indenizados, o que hoje também é proibido.

A proposta de emenda à Constituição, ou PEC, já foi aprovada em uma comissão especial da Câmara e provocou polêmica. Para o deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, ela fere as atribuições do Executivo:

“Ela é uma atividade que é inerente ao Poder Executivo e ela não pode ser transferida para o Poder Legislativo. Acho que isso fere a harmonia entre os Poderes, a independência entre os Poderes, né?”

Já para o deputado Alessandro Molon, da Rede do Rio de Janeiro, a PEC é inconstitucional:

“A PEC é inconstitucional, ela afronta cláusulas pétreas, afronta a separação de Poderes, é uma usurpação de uma atividade do Executivo pelo Legislativo, porque demarcação de terras não é ato legislativo. É ato executivo. É um ato meramente administrativo, uma declaração de quais terras já pertencem aos indígenas. E ela afronta direitos e garantias fundamentais. Essa data de 5 de outubro, que só tem direito às terras aqueles que no dia 5 de outubro estavam lá, essa exigência não há na Constituição hoje em dia.”

Os agricultores que disputam com os índios terras em fase de demarcação defendem a proposta. Na cidade maranhense de Amarante, por exemplo, 1.500 pequenos agricultores correm o risco de perder suas terras, sem indenização. O município tem três áreas indígenas: Araribóia, dos índios Guajá e Guajajara; Governador, dos índios Gavião; e Krikati, dos índios do mesmo nome.

O presidente do sindicato dos agricultores locais, Emanuel Oliveira, defende as mudanças:

“O país precisa disso. Não é possível que esteja sendo feito, simplesmente uma canetada de um antropólogo, que um laudo antropológico vale muito mais do que uma matrícula que tem 200 anos. Título da União, título do estado, escrituras antiguíssimas, são simplesmente canceladas.”

Os defensores da PEC apontam outro benefício da emenda: permitir aos índios explorar economicamente suas terras e até arrendá-las para agricultores. O deputado Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, que é produtor rural, defende a parceria. Segundo ele, na região Sul os índios não querem viver isolados, como seus antepassados, e atualmente são impedidos de extrair renda das terras:

“Lá, em Santa Catarina, as áreas que estão sendo arrendadas, o que é proibido pela Constituição, que os indígenas estão arrendando para os agricultores, o Ministério Público foi lá e disse não, não pode mais. Tirou os agricultores de lá. De 15 mil hectares, 6 mil hectares plantados, que é a sobrevivência dos indígenas. Proibiu e os indígenas entraram em greve, fecharam a rodovia porque eles querem que os agricultores continuem plantando, que não é da cultura deles plantar, mas eles tinham uma renda.”

Outra crítica feita por quem é contra a proposta é de que as demarcações serão paralisadas, caso o Congresso tenha que aprovar os projetos de lei. Para evitar isso, o relator da PEC na comissão especial, deputado Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná, estabeleceu um prazo máximo de tramitação, 90 dias, como acontece com as medidas provisórias:

“Então, tirante as medidas provisórias, o projeto de lei que se reportar à criação de reservas indígenas trancará a pauta e forçará que se decida e, portanto, não é um instrumento, respondendo ao que muito se diz e muito se escreve, não é um instrumento para impedir que se crie reservas indígenas.”

O prazo não diminuiu as críticas. O deputado Sarney Filho, do PV do Maranhão, acha que o Congresso não tem condições técnicas de analisar laudos antropológicos e pede mais discussão:

“Essa PEC 215 a gente devia esquecer ela e partir para uma discussão muito mais profunda. Porque que o índio que mora no Sul, que tem problemas hoje urbanos graves, prostituição, alcoolismo, drogas, qual é a saída que nós temos para eles, não simplesmente retirar da Funai, retirar do Executivo, a prerrogativa de poder com seu corpo técnico, que a Câmara não tem.”

Com a PEC 215, alguns artigos desaparecem do texto constitucional. Como os que dizem que só o Congresso Nacional pode autorizar a exploração dos recursos hídricos e minerais nas reservas, assim como a remoção dos índios nos casos de catástrofe, epidemia ou interesse nacional.

Outros pontos que deixam de fazer parte da Constituição são o que proíbe a venda das terras indígenas e o que anula todos os títulos e autorizações de exploração mineral das áreas, que ficariam sem direito a indenização.

Confira, no segundo capitulo da Reportagem Especial: proposta que muda demarcação de terras indígenas também prevê indenização aos produtores rurais que tiverem que abandonar as reservas.

 

Reportagem – Antônio Vital
Edição – Mauro Ceccherini
Trabalhos técnicos – Ribamar Guimarães 

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