Com o agravamento dos conflitos com os isolados Korubo, os Matis reivindicam junto à Funai a garantia da sua proteção e segurança territorial.
Na última terça-feira (19/01), um grupo de aproximadamente 60 indígenas do povo Matis ocupou a sede da Coordenação Regional do Vale do Javari da Fundação Nacional do Índio (CR/Funai) em Atalaia do Norte, extremo oeste do Amazonas. A ocupação foi motivada pela insatisfação dos Matis com relação à atuação do órgão indigenista frente aos recentes contatos e conflitos com isolados Korubo.
A Terra Indígena Vale do Javari é habitada pelos povos Marubo, Matsés (também conhecidos como Mayoruna), Kanamari, Matis, Kulina Pano, Korubo e Tsohom Djapá, pertencentes a duas famílias linguísticas – Pano e Katukina –, além de diferentes grupos isolados (dentre os quais, parte do povo Korubo), possivelmente falantes de línguas da família Pano.
Pela proximidade linguística, os Matis colaboraram com a Funai no contato estabelecido com um grupo Korubo em 1996 (após sucessivas tentativas fracassadas do órgão desde a década de 1970), tendo atuado como intérpretes da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPEVJ) na relação com este grupo. O contato de 1996 foi motivado pela situação de risco na qual vivia o grupo Korubo em questão, em um contexto de conflito com a população ribeirinha da região, com registro de mortes de ambos os lados.
No período que sucedeu este contato, os “Korubo da Mayá” – como ficaram conhecidos, em alusão ao nome da mulher mais velha e que exerce papel de liderança no grupo – se fixaram na margem esquerda do baixo rio Ituí, nas proximidades de uma base que a Funai havia instalado na confluência dos rios Itaquaí e Ituí. Também neste período foi concluído o processo de regularização fundiária da TI Vale do Javari.
Após pelo menos três décadas de conflitos com mortes e intensa presença de madeireiros, pescadores e caçadores em seus territórios, os Korubo (isolados e de recente contato) passaram a viver em relativa segurança.
Contudo, a redução das invasões nas bacias dos rios Ituí e Itaquaí, decorrente das ações de fiscalização e vigilância da FPE Vale do Javari, foi também acompanhada de reacomodações territoriais: grupos Korubo isolados passaram a ser avistados com frequência em determinados locais às margens dos rios Ituí e Itaquaí; os Matis se mudaram da beira do rio Ituí para três aldeias próximas a áreas ocupadas pelos Korubo nas bacias dos rios Branco e Coari; e também os Kanamari realizaram mudanças de aldeia que os aproximaram dos Korubo.
No bojo destas dinâmicas territoriais, quase duas décadas depois do contato com o “grupo da Mayá” ocorrem mais duas situações de contato: a primeira em setembro de 2014, envolvendo os Kanamari da aldeia Massapê, no rio Itaquaí, e a segunda poucos meses depois, mas dessa vez envolvendo os Matis.
As mudanças de aldeias realizadas pelos Matis nos últimos dez anos também foram acompanhadas de sucessivos encontros com os Korubo. Nesse processo de aproximação, em dezembro de 2014 dois Matis da aldeia Todowak são mortos pelos Korubo em um roçado próximo à aldeia, no rio Coari – o que motivou um revide por parte dos Matis. Como resultado do conflito, os Matis da aldeia Todowak se mudaram para o rio Branco.
Em setembro de 2015, novo contato dos Matis com um grupo Korubo ocorreu, em área próxima às suas aldeias atuais. A motivação dos Matis, segundo relato dos mesmos, era consolidar o contato a fim de cessar os conflitos.
Nesse contexto, a principal reivindicação dos Matis à Funai tem sido a garantia da sua segurança territorial, a ser realizada nos seus termos, o que se traduziria, na prática, que a Funai promovesse, junto com eles, o contato com os Korubo que permaneceram isolados na faixa territorial entre os rios Ituí e Itaquaí. Entretanto, a complexidade da situação é acentuada pelo fato de que esta demanda deve ser equacionada não apenas em relação ao desejo dos Korubo de recente contato com os quais se deu o conflito, como também com a premissa do não-contato que orienta a política da Funai para proteção dos povos isolados.
As dissonantes compreensões e estratégias para fazer frente ao conflito acarretaram os desgastes na relação entre a Funai e os Matis, que culminaram na ocupação da sede do órgão em Atalaia do Norte e na solicitação de afastamento de seu Coordenador Regional. Desde então, os Matis vêm manifestando recorrentemente sua insatisfação com o órgão indigenista, alegando que não lhes é permitido exercer seu protagonismo e autonomia na condução do contato com os Korubo. Eles argumentam ainda que a fragmentação dos Korubo entre “isolados” e “contatados” (estes sob permanente observação da Funai, como deve ser) leva os “isolados” a pensarem que seus parentes foram mortos e partam para a vingança, justamente sobre os Matis.
A questão central trazida à tona pela ocupação da Coordenação Regional da Funai em Atalaia do Norte, portanto, é justamente esta: de que forma garantir a proteção e segurança territorial de povos isolados e contatados em contextos de disputa territorial? Como fazer a transição da disputa para um efetivo compartilhamento territorial? Estas são questões que extrapolam o contexto do Vale do Javari e que podem se repetir em regiões como o Acre, a Calha Norte do Pará, o médio Purus. Dada sua urgência, elas revelam a exigência de que o contato (e sobretudo o pós-contato) seja pensado como parte da política indigenista oficial pautada pelo princípio do não-contato.
FONTE: CTI
http://trabalhoindigenista.org.br/noticia/nota-do-cti-sobre-reivindica%C3%A7%C3%A3o-matis
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