No dia 13 de outubro de 2015, cinco meses depois da cheia extrema, foi decretada a situação de emergência em 12 municípios do Amazonas, incluindo-se aí Manaus, sendo o motivo agora as grandes extensões de queimadas registradas nos últimos meses, afetando a vida e a saúde de quase 3 milhões de pessoas e devastando milhares de hectares de florestas e sua biodiversidade.
O que aproxima estes extremos opostos são as reações que ambos causam, em geral tardias, relacionadas à resolução dos problemas enfrentados. Este ano, é verdade, tivemos um período considerado atípico causado pelo efeito El Niño, como destacado em diversos artigos aqui na Amazônia Real. No entanto, vale destacar que a cada ano que passa, vivenciamos também a falta de preparo das instituições públicas frente à sazonalidade climática regional e assim vemos os problemas serem enfrentados de forma quase que improvisada e quando já é tarde demais.
Não é preciso ser um expert em clima ou mesmo possuir o dom da premonição para saber que todos os anos passamos por períodos chuvosos e secos, de cheias e vazantes, tipicamente amazônicos que de alguma forma causam transtornos para a população humana que vive na Amazônia. Quem vive na Amazônia sabe disso, e em geral se prepara para estas mudanças, observando o ritmo das chuvas e dos níveis dos rios.
Porém, uma “novidade” alertada por cientistas e ambientalistas, a mudança no clima global, tem se mostrado real e na região amazônica aos poucos tem se mostrado evidente com os efeitos que temos observados nos últimos anos, extremos tanto nos períodos chuvosos quanto nos secos.
A estiagem que vivemos em 2015 agravou ainda um problema já recorrente na Amazônia nos últimos anos: as queimadas. Neste ano, a falta de chuvas possibilitou um aumento expressivo no número de queimadas no Amazonas, 15.068 focos até 23 de dezembro, segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), quase 40% de aumento em relação a 2014, com 9.322 focos registrados e até então recorde desde que se iniciou este monitoramento em 1998.
É certo que temos observado uma desaceleração do desmatamento na Amazônia desde o início deste século, como recentemente publicado pela RAISG (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada), mas não podemos comemorar, pois o desmatamento persiste e dá sinais de aumento a partir do biênio 2014/15 com 16% segundo o Prodes/INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Em seus estudos, a RAISG avaliou que no período de 2000 a 2013 o desmatamento na região atingiu 222.249 km2, uma área equivalente ao território do Reino Unido. É uma área bem expressiva e que demonstra que apesar dos esforços, ainda vemos que muito ainda precisa ser feito para que mudanças necessárias sejam feitas na forma como se pretende desenvolver a região nas próximas décadas.
O acordo firmado em Paris entre os países signatários da Convenção do Clima traz boas perspectivas futuras em relação à redução das emissões globais e em consequência, reduzir a expectativa de aumento da temperatura média global. No entanto, a prática precisa acompanhar o discurso político. O Brasil teve papel importante nas negociações por este acordo e a questão central que se coloca é como poderemos avançar?
Na contramão dos discursos, vivenciamos em 2015 cortes extremos nos orçamentos destinados às políticas socioambientais. No Amazonas, isto foi sentido de forma bastante aguda, e o reflexo disso foi justamente o que observamos mais fortemente no nosso último verão: instituições públicas sem efetivo e sem orçamento para fazer frente à tragédia ambiental que vivenciamos em todo o Estado.
Paradoxalmente, mesmo em tempos de crise econômica, vemos uma tendência no aumento de investimentos na expansão da pecuária e da mineração no estado, incentivando por sua vez o desmatamento e a degradação dos sistemas hídricos e sua biodiversidade.
Segmentos políticos ainda pressionam os governos a manterem seus investimentos em obras de infraestrutura que vão aos poucos transformando a Amazônia num extenso canteiro de obras e sem procedimentos claros referentes à redução e mitigação de seus impactos.
Para o Acordo de Paris ser efetivo, todas as instâncias governamentais e a sociedade globais têm seu papel. O Amazonas não fica de fora e deve fortalecer suas políticas de combate ao desmatamento e à degradação socioambiental, aparelhando melhor suas agências, executar ações preventivas e mitigatórias, investindo em infraestrutura de forma responsável, e ainda respeitando a legislação vigente que inclui a implementação e proteção das Áreas Protegidas existentes no estado.
Diante disso, é preciso mais do que nunca que a sociedade se mobilize e fique atenta para que os compromissos firmados em Paris norteiem de fato as políticas públicas para a região daqui para frente.
CARLOS DURIGAN
http://amazoniareal.com.br/mudanca-no-clima-o-amazonas-e-o-acordo-de-paris/
Carlos Durigan é geógrafo, mestre em Ecologia, vive e atua na Amazônia há 20 anos. Participa de pesquisas multidisciplinares envolvendo estudos e trabalhos de campo em biodiversidade e sociodiversidade para subsidiar ações em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Atualmente é Diretor da WCS Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre).
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