Durante o último dia da I Conferência Nacional de Política Indigenista (17), as propostas discutidas e aprovadas durante a semana foram apresentadas na plenária final. Essas propostas se consolidarão como as diretrizes da política indigenista do Estado brasileiro, marcando a perspectiva de mudança na relação entre os povos indígenas, a sociedade nacional e o Estado sob o horizonte da descolonização.
Elas contemplam as dimensões do território, e a consequente necessidade de se dar continuidade aos procedimentos de demarcação e de gestão das terras indígenas; da autodeterminação, participação social e do direito à consulta; do respeito e fomento às concepções próprias de desenvolvimento dos povos indígenas; da afirmação da cidadania, da pluralidade étnica e do direito à memória e à verdade. Do total das 1009 propostas sistematizadas após um processo que envolveu cerca de 30 mil representantes indígenas, foram aprovadas 866, das quais 216 foram acolhidas como propostas urgentes.
A partir desse momento, a expectativa é de que as iniciativas e políticas públicas executadas pelo Estado que afetem ou digam respeito aos povos indígenas sejam pautadas pelas propostas construídas e consolidadas durante esse longo processo de discussão, que objetivou, justamente, avaliar a atuação da ação indigenista do Estado, reafirmar as garantias reconhecidas aos povos indígenas do país e propor as diretrizes para a construção e consolidação da política nacional indigenista.
Para Sonia Guajajara (Apib), a Conferência representou a pactuação de um compromisso entre os povos indígenas e o Estado brasileiro que poderá trazer, se respeitada, uma verdadeira mudança nessa relação: “A relação do Estado brasileiro com os povos indígenas precisa ser mudada. E estamos aqui pra dizer isso. Estamos aqui pra pactuar um novo rumo, um novo caminho de respeito, de aliança, no sentido de cumprir aquilo que nós estamos pactuando aqui. (…) Agora nós vamos começar nossa plenária para que a gente possa, juntos, estar pactuando aqui, nós, povos indígenas, o nosso compromisso de dar conta de monitorar, acompanhar e pressionar para que as propostas elaboradas nessa Conferência sejam respeitadas e cumpridas pelo governo federal”.
Apesar das amplas tentativas de se reduzir e desmoralizar a atuação da Funai, por meio da ação de setores conservadores da sociedade, a consolidação das propostas demonstrou, na prática, uma atitude de aliança entre os povos indígenas e o órgão indigenista oficial. Nesse sentido, os povos indígenas foram enfáticos na exigência de que a instituição seja fortalecida em seu papel de executora e coordenadora da política indigenista, com foco em sua autonomia política, descentralização administrativa e aprimoramento de seus mecanismos de gestão compartilhada junto aos povos indígenas.
As propostas apresentadas deixaram claro, também, a intencionalidade de não apenas estabelecer diretrizes genéricas para a construção de políticas públicas, mas também de aprofundar as especificidades advindas da necessidade de cada povo indígena. O recado deixado, portanto, é o de rejeição a políticas generalizantes, que desconsiderem os modos próprios de organização social das populações indígenas e que não tenham como princípio a construção coletiva a partir das demandas dos seus beneficiários. Nesse sentido, pode-se destacar, como exemplo, a proposta que prevê a revisão e redefinição do conceito de pobreza utilizado pelo Estado brasileiro para a inserção dos povos indígenas em diferentes políticas públicas, em especial as de assistência e desenvolvimento social.
Conselho Nacional de Política Indigenista
No segundo dia do encontro, a presidenta Dilma anunciou a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. Essa é uma antiga reivindicação do movimento indígena junto ao legislativo, que encontra no PL 3571/08 o seu teor. Segundo o representante do Ministério da Justiça, a criação do Conselho por meio de decreto do poder executivo traz como limitação sua caracterização como consultivo, pois a criação de um Conselho deliberativo só é possível por meio de lei. Para os representantes indígenas, entretanto, não é interessante aprovar a criação de um Conselho que não possua plena autonomia.
Dessa forma, a criação do Conselho por meio de ato do poder executivo foi rejeitada em votação. Os indígenas optaram pela apresentação de uma carta à presidenta Dilma solicitando que ela articule com sua base de apoio os meios para se aprovar a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista que seja, por definição, deliberativo e autônomo.
Ao final da plenária, foram aprovadas ainda duas propostas que geraram dissenso nos grupos de trabalho. A primeira delas prevê a revogação das Unidades de Conservação em sobreposição com Terras Indígenas. A segunda propõe a revisão da Instrução Normativa 60/2015, que estabelece os procedimentos administrativos a serem observados pela Funai em suas manifestações durante processos de licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam povos e Terras Indígenas. A previsão é a de que o componente indígena tenha validade também quando o empreendimento atingir áreas em processo de regularização fundiária, e que as organizações indígenas participem em todas as etapas de revisão desse marco regulatório.
O encerramento da plenária foi marcado por um forte ritual do povo Guarani Kaiowá, do qual participaram os organizadores da Conferência e o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa. A mesa pacto para o futuro encerrou a I Conferência Nacional de Política Indigenista, com a participação de representantes indígenas de todas as regiões do país, do presidente da Funai e dos representantes do Ministério da Justiça e do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
Texto: Mônica Carneiro/ASCOM
FONTE: FUNAI
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