O Brasil chega ao encontro que pretende definir um plano de ação para resguardar o futuro climático do mundo, a COP21, em Paris, como uma proposta considerada forte por analistas, mas sob o impacto de um fracasso em sua principal aposta para reduzir o aquecimento global, a queda do desmatamento na Amazônia.

Três dias antes do início da COP21, a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Ministério do Meio Ambiente anunciou um aumento de 16% no desmatamento dos Estados da Amazônia entre agosto de 2014 e julho de 2015. A área de florestas suprimidas, de 5800 km², equivale a cinco cidades do tamanho de São Paulo.

O anúncio reverte a tendência de queda; entre 2001 e 2012, a taxa anual de desmatamento foi reduzida em 70% na Amazônia brasileira e em 40% no Brasil como um todo.

A principal estratégia do Brasil para diminuir sua emissão de gases de efeito estufa é a redução do desmatamento. O plano que o Brasil apresentará na convenção inclui as metas de cortar emissões de gás causadores do efeito estufa em 43% até 2030 – na comparação com 2005 – e zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.

Coração da proposta

A entidade de defesa do meio ambiente Greenpeace vê a notícia do aumento do desmatamento como um fator que pode por em dúvida as propostas que o governo brasileiro leva para a reunião.

“O aumento do desmatamento impacta a imagem do país, porque toda nossa estratégia de redução de emissões e propostas para as metas de 2030 estão baseadas na diminuição da derrubada de florestas”, afirma Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace no Brasil.

“O Brasil vem dizendo que isso está sob controle e que tem cada vez mais mecanismos para gerenciar e diminuir o desmatamento. Então, este aumento atinge em cheio o coração da proposta brasileira.”

O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse, no entanto, que os novos dados sobre desmatamento não afetam o discurso do país na Cop.

“Os dados globais são muito favoráveis para o Brasil. Isso não afeta”, afirmou ele em Paris.

De 2004 a 2014, houve uma queda de 82% na taxa de desmatamento na Amazônia, de acordo com o governo.

Carlos Eduardo Young, pesquisador sobre biodiversidade e recursos naturais e culturais do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, também não vê ameaça à posição do Brasil da conferência pelos avanços do país no desmatamento no médio prazo.

“Não acho que o aumento no último do desmatamento fragiliza o Brasil na COP21, porque, se olharmos a curva ao longo do tempo, tivemos uma forte tendência de queda entre 2005 e 2010 e, agora, está estabilizada e não retornou ao patamares anteriores, o que significa que ao menos estancamos o problema”, afirma.

Prioridades

Astrini, do Greenpeace, ressalta que os objetivos elaborados pelo governo federal para a COP-21 têm entre seus méritos metas concretas e a sugestão de que elas sejam revistos a cada cinco anos. Mas critica a “falta de ousadia” nessas metas.

“Hoje, o Brasil emite 1,5 bilhões de toneladas de carbono e sugere chegar a 1,3 bilhões em 15 anos. É muito pouco. Seria bem mais razoável reduzir para 1 bilhão”, afirma Astrini.

“Ao dizer que vai acabar com o desmatamento ilegal até 2030, o Brasil sinaliza que vamos conviver com isso até lá. Isso passa um recado de que acabar com este problema não é uma prioridade.”

Para o especialista, no entanto, o Brasil pode ter um papel de peso para ajudar a avançar propostas de ações globais contra o aquecimento por ter um corpo diplomático habilidoso formado por bons negociadores, opinião compartilhada por Rodrigo Medeiros, vice-presidente da ONG Conservação Internacional no Brasil.

“O Brasil não chega fragilizado, porque a diplomacia brasileira tem atuado de uma forma muito boa nos últimos 20 anos e isso ajuda na hora de sentar na mesa de negociações e debater propostas”, afirma Medeiros.

“Também contribui o fato de o país chegar à conferência com propostas melhores do que de outros países, como China e Estados Unidos, que poderiam fazer mais do que já sugeriram até o momento.”

Para ele, porém, o aumento do desmatamento – assim como outros desastres ambientais recentes, como a queimada na Chapada Diamantina e o rompimento de barragens em Mariana (MG) – mancham a imagem do país, apesar de não comprometê-la.

“É inegável o avanço que o país teve nos últimos 20 anos ao criar um sistema de monitoramento da Amazônia legal, que permitiu atingirmos o patamar de hoje. O que precisamos fazer é expandir isso para outros biomas, como o cerrado, onde hoje o desmatamento é mais intenso que na Amazônia.”

Já Young, do INCT, acha que o Brasil perde peso ao concentrar suas propostas no combate ao desmatamento.

“O que fragiliza o Brasil é o aumento de emissões em todas as outras áreas, principalmente no setor de energia. Não podemos ter uma estratégia de redução de emissões só baseada na queda do desmatamento. Os números mostram que ela parou de funcionar, e não há outra para colocar no lugar.”

Falta de comprometimento

Além do aumento no desmatamento, o Brasil chega à COP combalido por duas tragédias ambientais: o rompimento de barragens em Mariana e uma queimada gigantesca na Chapada Diamantina, na Bahia.

No início de novembro, o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco – controlada pela Vale a pela anglo-australiana BHP Billiton – em Mariana, em Minas Gerais, liberou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos que se espalharam pela região, percorrendo o rio Doce até chegar à sua foz no litoral do Espírito Santo.

Ao mesmo tempo, na Bahia, focos de incêndios consumiram mais de 30 mil hectares da Chapada Diamantina por um mês e só foram apagados com as chuvas que caíram no último fim da semana.

O governo, no entanto, acredita que os dois casos não arranham a imagem do Brasil em Paris.

“Não vamos confundir as situações. Mariana foi um acidente trágico, mas não tem qualquer relação com o clima”, afirmou o embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho, subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Itamaraty e negociador-chefe do Brasil em Paris, em entrevista coletiva realizada na última quinta-feira em Brasília.

“Uma COP21 de sucesso é termos um acordo robusto, justo equilibrado e ambicioso. Esse é o nosso objetivo.”

Metas contra o aquecimento

Até 11 de dezembro, serão discutidas em Paris as mudanças no clima do planeta e propostas para reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa para desta forma combater o aquecimento global.

Participam delegações de 195 países, e mais de 130 chefes de Estado e de governo confirmaram presença. A reunião ocorrerá sob forte esquema de segurança, apenas duas semanas após os atentados que deixaram 130 vítimas na capital francesa.

O principal objetivo do encontro é fazer com que todos os países se comprometam com metas para reduzir o aquecimento global. Cada país irá apresentar seu projeto para isso – até agora, não se chegou ao índice desejado de limitar o aumento da temperatura a 2ºC em relação à era pré-Revolução Industrial, mas negociadores dizem que este índice poderá ser atingido em revisões futuras das metas.

Há um impasse, porém, quanto à obrigatoriedade de cumprimento das metas: alguns países, como os europeus, defendem um acordo “juridicamente vinculante” – ou seja, obrigatório por lei -, mas os Estados Unidos se opõem, porque isso teria de ser aprovado pelo Congresso do país, que já barrou diversos acordos internacionais.

Acredita-se, porém, que haja mais chances de se chegar a um acordo agora – em 2009, a conferência de Copenhague fracassou no objetivo de traçar um rumo comum para os países após 2020, quando chega ao fim o acordo do Protocolo de Kyoto.

Um dos motivos é que, segundo analistas, as consequências das mudanças climáticas estão mais claras neste momento.

Por: Rafael Barifouse
Colaborou Luiza Bandeira
Fonte: BBC Brasil

VER MAIS EM: AMAZONIA.ORG.BR (DISPONÍVEL EM: NOVEMBRO 2015)