Entre setembro e outubro foram realizadas sete oficinas para a construção dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) dos territórios indígenas do Rio Negro.
Produzidas em parceria pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Socioambiental e pesquisadores colaboradores, as oficinas tiveram como objetivo socializar com as comunidades, associações e lideranças indígenas do Rio Negro os eixos, as diretrizes e ferramentas da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI). Foram organizadas de acordo com as cinco sub-regiões do movimento indígena rionegrino, além de duas oficinas específicas para povos de recente contato, as oficinas propiciaram momentos de debates sobre a PNGATI e possibilitaram trabalhos focados em sua principal ferramenta, os PGTAs.
Com participação de 200 pessoas em média em cada oficina, foram realizados exercícios de diagnóstico sobre os principais problemas existentes, etnomapeamento, atualização de bases cartográficas, história de ocupação e territorialidades tradicionais, modos de governança, descrição de fauna e flora, censos e definição de temas prioritários para a elaboração dos PGTAs nos próximos dois anos.
As Terras Indígenas do Rio Negro são multiétnicas, plurilinguísticas, de ampla extensão geográfica, com histórias de contato variadas e ainda delimitadas pelas fronteiras nacionais (Brasil, Colômbia e Venezuela). Por isso a realização das oficinas em diferentes localidades e com ampla presença dos moradores das comunidades foi o meio encontrado para divulgar a política governamental (PNGATI), que é de 2012, e definir os passos necessários para a elaboração de PGTAs participativos e representativos.
Material de apoio resgatou 40 anos de história do movimento indígena As apresentações sobre a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial foram feitas por lideranças indígenas, jovens cursistas de gestão territorial, técnicos da CRRN e assessores.
O restante do trabalho foi organizado de acordo com grupos definidos pelos participantes, seguindo seus próprios critérios territoriais, étnicos e associativistas. Estes grupos de trabalho se debruçaram sobre questões focadas em territorialidade, diagnóstico das comunidades, governança, manejo ambiental e planejamento.
Como material de apoio cada oficina contou com cadernos previamente elaborados que reuniram documentos, pesquisas e propostas que os indígenas, com a colaboração de parceiros, construíram em 40 anos de movimento indígena. Ou seja, mesmo antes da PNGATI, o movimento indígena rionegrino e parceiros realizavam pesquisas e ações de gestão territorial e ambiental nas sub-regiões.
Veja abaixo os destaques de cada uma das oficinas, cinco delas organizadas de acordo com as regiões de abrangência da Foirn – Alto Rio Negro e Xié; Içana e Afluentes; Baixo Uaupés e Tiquié; Médio e Baixo Rio Negro e; Médio e Alto Uaupés – e mais duas oficinas específicas realizadas com os povos Hupd’äh e Yuhupdeh, considerados de recente contato que também participaram das oficinas organizadas conforme as regionais da Foirn. Veja o mapa da Bacia do Rio Negro.
Alto Rio Negro, Xié e afluentes
Realizada na comunidade de Juruti, os momentos de apresentação foram traduzidos em nhengatu, língua indígena mais falada na região e os grupos de trabalho seguiram a divisão das associações indígenas existentes na região. São ao total sete associações que os indígenas esperam ver fortalecidas por meio de ações relacionadas à gestão territorial.
Alguns temas sublinhados foram a BR-07 que corta a Terra Indígena do Balaio, a demarcação da Terra Indígena Cué Cué Marabitanas que aguarda a demarcação física, a falta de apoio à saúde e educação indígena, a regularização de suas associações, a geração de renda por meio de produtos da floresta, o cumprimento dos direitos indígenas e a autonomia e poder de decisão sobre o território pelos povos indígenas. As principais fontes de conflito mencionadas foram o desrespeito às áreas comunitárias para a retirada de bens como madeira, peixes e caça. Foram apontadas comunidades estratégicas para as próximas oficinas e foi reafirmada a importância da participação das associações indígenas da região.
Médio e Alto Rio Uaupés, Rio Papuri e afluentes
A oficina foi realizada em fins de outubro, no povoado de Iauaretê, Médio Uaupés, com a participação de mais de 200 pessoas provenientes de comunidades do Alto Uaupés, Médio Uaupés, Rio Papuri, Rio Japu e moradores do próprio povoado. Discutiram temas, problemas e demandas referentes aos diferentes contextos da região: desde os territórios ocupados por comunidades menores e dispersas pelos rios Uaupés e Papuri num modelo de ocupação mais tradicional e transfronteiriço; passando pelas especificidades do território hupd’äh; até as particularidades do povoado de Iauaretê, onde vivem mais de 2 500 pessoas de diferentes grupos étnicos.
A oficina contou ainda com a participação de lideranças indígenas colombianas da Asociación de Capitanes y Autoridades de Zona Unión Indígena del Papuri. Essas lideranças fizeram uma apresentação aprofundada do Plano de Vida do seu território, elaborado entre 2008 e 2010 e reconhecido pelo governo colombiano.
Também os representantes Kootiria e Kubeo do Alto Uaupés apresentaram sua experiência na elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental para a área de abrangência de seus territórios, com apoio de um projeto financiado pelo Projetos Demonstrativos de Povos Indígenas – PDPI. Os demais dias de oficina foram dedicados às discussões e exercícios de etnomapeamento e diagnósticos de acordo com Grupos de Trabalho organizados conforme as micro-regiões: Rio Papuri, Alto Uaupés, Médio Uaupés, Rio Japu (povos Hupd’äh) e povoado de Iauaretê.
Rio Içana e afluentes
Com o objetivo de pensar toda a região da Bacia do Rio Içana, o encontro de Tunuí Cachoeira organizou cinco Gts por microrregiões: Baixo Içana (território Dzawinai); Médio Içana I (território Dzawinai e Walipere), Médio Içana II (território Dzawinai e Walipere), Ayari (território Hohodene) e Alto Içana (território Coripaco).
A questão central dos grupos de trabalho “O que os Baniwa e Coripaco precisam para Viver e Estar bem no Mundo” é também o mote da série que vem sendo produzida em parceria de pesquisadores Baniwa e Coripaco com o ISA desde 2010. Os Baniwa e Coripaco realizaram o levantamento de desafios enfrentados e o mapeamento das territorialidades de cada comunidade.
Os temas prioritários definidos no encontro foram: manejo de recursos florestais e pesqueiros; lixo e poluição; saúde; patrimônios culturais; transporte e meios de comunicação; economia indígena e geração de renda; proteção e promoção dos patrimônios culturais dos conhecimentos indígenas associados à biodiversidade e organização social e religiosa
Oficinas Hupd’äh e Yuhupdëh
Realizadas em setembro, nas comunidades de Tat Dëh (Taracuá Igarapé) e Yuyudëh (Barreira Alta) na região do Rio Tiquié, e em outubro na região do igarapé Cunuri (São Felipe e São Martinho), e do igarapé Ira (Guadalupe), as oficinas destacaram o fortalecimento da gestão de seus próprios territórios com ações de etnomapeamento, etnozoneamento, controle social em saúde, manejo de recursos faunísticos, frutíferos, pesqueiros e de caça, melhorias no atendimento de saúde e das escolas especiais Hupd’äh e Yuhupdëh. Isso, como forma de conter um processo de migração para o centro urbano, indesejado por essas comunidades.
É importante mencionar também que, conforme foi apontado, os Territórios Tradicionais dos Hupd’äh e Yuhupdëh vêm sendo questionados por outras etnias e são também alvo de projetos como a estrada Iauaretê-Pari Cachoeira, ou as especulações sobre a mineração em Terras Indígenas, por meio das quais lideranças de outras etnias e mineradoras vislumbram a possibilidade de explorar porções do território tradicional dos Hupd’äh e Yuhupdëh sem consultá-los previamente.
Baixo e Médio Rio Negro
Em Santa Isabel do Rio Negro os participantes definiram que os PGTAs deverão ser elaborados considerando a organização das comunidades, por meio de suas associações indígenas, respeitando suas especificidades e questões próprias. A agenda de trabalho prevê o aprofundamento dos temas ao nível das associações para depois consolidar um PGTA para as Terras Indígenas Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II e Téa.
Alguns trabalhos conjuntos entre as associações já foram desenvolvidos, especialmente etnozoneamentos e planos de manejo, operantes ou não, que deverão ser revisados. As ações serão coordenadas pelas lideranças e realizadas com apoio de uma equipe de jovens pesquisadores indígenas que já estão realizando levantamentos preliminares em suas comunidades. As questões prioritárias definidas pela oficina foram: saúde, geração de renda, infraestrutura das comunidades, turismo, cultura, manejo dos recursos naturais, educação, fiscalização, e governança.
Baixo Uaupés, Tiquié e afluentes
A oficina foi realizada no povoado de Taracuá. Foram discutidos os principais eixos, diretrizes e perspectivas da PNGATI, com debates e perguntas dos participantes. Muitos nunca tinham ouvido falar da política e no que consiste um plano de gestão. Depois de esclarecimentos, os participantes se dividiram em grupos conforme suas dinâmicas territoriais e étnicas. Levantaram e revisaram informações importantes sobre cada região (dados populacionais, histórico de ocupação, recursos naturais, lugares sagrados), juntamente com exercícios de etnomapeamento e revisão de bases cartográficas. Um dos pontos ressaltados nos debates e discussões foi a necessidade de se respeitar as especificidades de cada micro-região.
A decisão foi pela divisão em quatro territórios/componentes para o PGTA dessa região: Baixo Uaupés e Baixo Tiquié; Médio Tiquié; Alto Tiquié e territórios Hupd’äh Yuhupdeh. Ainda foi destacado o fato de existirem dois povoados maiores com cerca de 400 a 600 habitantes (Taracuá e Pari-Cachoeira, respectivamente), apresentando problemas e demandas próprios.
Por: Renato Martelli Soares
Fonte: ISA
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Nota Ecoamazônia:
No texto é citado BR-07 (parágrafo 10) – trata-se da rodovia federal BR-307 que liga São Gabriel da Cachoeira a Cucui/AM, na região da tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Venezuela.
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