O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) conseguiu na Justiça a determinação do bloqueio de R$ 500 mil em bens e valores da empresa L. C. Morais Rocha Comercial (Irajá Fibras Naturais da Amazônia) e de seu proprietário, o empresário Luiz Cláudio Morais Rocha. Ele é alvo de ação civil pública pelos danos causados a comunidades indígenas e ribeirinhas do Município de Barcelos (a 399 quilômetros de Manaus), por meio da contratação irregular e exploração de trabalho em condições semelhantes às de escravidão na extração da fibra da piaçava.                               

Na decisão liminar, a Justiça reconhece a existência de “fortes indícios de irregularidades” cometidas pelos processados, “ligadas à saúde, segurança e meio ambiente do trabalho, na exploração do corte de piaçava nas comunidades indígenas e ribeirinhas, submetendo-os a condições degradantes de trabalho e vida”. Ao conceder o pedido de bloqueio feito pelo MPF/AM, o documento afirma ainda que o empresário e sua empresa “preocupam-se unicamente com a ideia de superproduzir e obter superlucro, empobrecendo a ancestralidade e a dignidade dos povos vítimas de exploração”.

Investigações realizadas pelo MPF/AM e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) que culminaram em operação de resgate de 13 trabalhadores, entre abril e maio de 2014, reuniram depoimentos e constataram in loco o funcionamento de uma cadeia de exploração de trabalho escravo comandada pelo empresário e sua empresa, por meio de aviamento. O processo demonstra que os empregados e empregadas eram mantidos/as em condições extremamente precárias de trabalho, submetidos/as a uma relação de servidão por dívida, sem qualquer vínculo formal e garantias de direitos trabalhistas.

A decisão proferida pela juíza federal Jaiza Fraxe determina a comunicação aos cartórios de registro de imóveis de Manaus, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro e à Capitania dos Portos de Manaus, para que bloqueiem quaisquer bens em nome da empresa e de seu proprietário. O processo segue em tramitação na 3ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 14847-20.2015.4.01.3200. Cabe recurso da decisão liminar.

Reparação de danos – Como pedidos finais da ação, que ainda deverão ser analisados e decididos por meio de sentença, o MPF/AM requer à Justiça que determine aos processados a abstenção da exploração do trabalho e comercialização da piaçava baseados no regime de aviamento e cobrança de dívidas e a formulação e ampla divulgação durante três meses seguidos de pedido de desculpas aos povos tradicionais da região pela situação degradante as quais seus integrantes foram submetidos.

Para evitar que outros/as empresários/as mantenham a mesma prática ilegal em seus negócios, a ação pede também que os responsáveis sejam obrigados a elaborar comunicado a todos aqueles com quem Luiz Cláudio e sua empresa mantém relações comerciais informando sobre a ação de resgate de trabalhadores/as e a existência de ações penais, trabalhistas e civis em andamento contra a prática de trabalho escravo na região e, ainda, que financiem publicação de material didático sobre os males do trabalho escravo contemporâneo a partir de conteúdo a ser elaborado pelas associações de indígenas da região, com apoio das universidades públicas do Amazonas e entidades não-governamentais.

Regularização da cadeia produtiva da piaçava – O fim da exploração dos povos tradicionais na extração da piaçava pode ganhar reforço ainda maior, caso a Justiça atenda a um dos pedidos finais da ação civil pública ajuizada pelo MPF. O órgão pede que os processados nesse caso sejam obrigados a financiar medidas regulares de combate ao trabalho escravo nas regiões do Alto e Médio Rio Negro, mediante projeto a ser submetido à oitiva dos povos tradicionais, na forma da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho, como forma de estimular o empoderamento dos povos tradicionais da região.

Para o MPF/AM, caso se concretize na sentença, a medida deverá auxiliar na regularização da cadeia produtiva da piaçava. Em maio de 2014, o MPF/AM entregou recomendação a representantes de órgãos e autarquias estaduais e federais que atuam nas áreas de meio ambiente, produção rural, trabalho e emprego e política fundiária no Amazonas, para que assumissem compromissos formais, com prazos definidos, no sentido de efetivar a regularização.

Entre as medidas apontadas na recomendação estavam a implementação de obrigações previstas no acordo de cooperação técnica e no plano de trabalho já elaborados e referendados por diversos órgãos relacionados ao setor extrativista no Estado, com a participação efetiva de piaçaveiros/as, e a concretização da regulamentação do decreto de subvenção da piaçava.

O MPF recomendou ainda a realização de ações permanentes de formação e capacitação dos piaçaveiros, inclusive em relação à conscientização quanto às condições de trabalho nos piaçavais, e a exclusão dos patrões que exploram a piaçava sob o regime de aviamento das tratativas de regularização da cadeia, para não legitimar essa prática ilegal. Algumas reuniões chegaram a ser realizadas ainda em 2014 na região de Barcelos e Santa Izabel do Rio Negro, mas as discussões não avançaram e encontram-se paradas há mais de um ano, sem qualquer avanço significativo.

Em meados de 2015 houve nova reunião do MPF, MPT e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com os órgãos governamentais responsáveis pela regularização da cadeia da piaçava, que apresentaram cronograma de atuação para implementação de medidas de estruturação da cadeia produtiva e combate ao trabalho escravo. No entanto, segundo o MPF, até o momento não há quaisquer informações sobre o cumprimento do cronograma.

Nos próximos dias 10 e 11 de dezembro será realizado um seminário em Manaus, a partir de parceria entre o MPF e o MPT, para trazer o tema novamente para a pauta de prioridades e cobrar dos órgãos recomendados satisfações em relação às medidas que já deveriam estar em funcionamento para evitar que a prática volte a dominar as relações de trabalho no extrativismo da piaçava no Amazonas. O evento ocorrerá no auditório da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região.

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Amazonas