O grupo de indígenas isolados é composto por 21 pessoas, entre adultos e crianças, da etnia Korubo. O contato foi estabelecido após indivíduos do povo Matis abordarem o grupo Korubo, enquanto este atravessava o rio Branco, em área próxima às aldeias matis, na Terra Indígena Vale do Javari, estado do Amazonas. O contato ocorreu no fim do mês de setembro.
Os isolados Korubo recém-contatados foram, em um primeiro momento, acompanhados por equipes da Funai e Sesai, em acampamento montado no local do contato visando a segurança e a proteção epidemiológica do grupo. Diante da situação, foi colocado em curso um Plano de Contingência para situações de contato com grupos isolados.
Tal Plano de Contingência consiste em minimizar os impactos negativos do processo inicial de contato por meio da implementação, de forma articulada, de ações de proteção à saúde e a promoção do diálogo intercultural. Nesse sentido, são mantidas, de forma permanente no local, equipes formadas por profissionais de saúde e indigenistas.
Os Matis empreenderam o contato ao se sentirem ameaçados com a presença dos isolados em áreas próximas à sua aldeia. Tal receio decorre das consequências de um encontro estabelecido em novembro de 2014, quando indígenas isolados Korubo do rio Coari se aproximaram das roças da aldeia matis Todowak e se estabeleceu um conflito entre eles, resultando na morte de dois indígenas Matis.
“A relação entre os Matis e os Korubo é marcada historicamente por disputas territoriais e pelo registo de conflitos interétnicos. Para evitar futuros conflitos entre esses grupos, a Funai acredita na intermediação e no diálogo. A Funai vem trabalhando nesse sentido ao realizar o monitoramento do território dos isolados e atuar com todos os esforços para garantir um bom atendimento aos índios recém contatados”, explica Carlos Travassos, coordenador geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Funai.
Com a possibilidade de um agravamento da situação, após o confronto registrado em novembro de 2014, a Funai realizou uma reunião com os Matis, em fevereiro de 2015, com o objetivo de acordar condutas e nivelar entendimentos sobre estratégias de ação para evitar novas confrontações. Os Matis deixaram clara sua visão de que a Funai deveria realizar o contato com os Korubo isolados.
No entanto, a Funai, em razão de suas diretrizes de atuação com os indígenas isolados, compreende que a opção de se estabelecer o contato não pode ser definida por uma visão unilateral. A própria reação violenta dos Korubo frente aos Matis, no episódio de 2014, sinaliza, por parte dos isolados, uma rejeição quanto a uma aproximação de outros grupos ao seu território.
A política da Funai para os povos indígenas isolados respeita a vontade de isolamento dos povos nessa situação, uma vez que a Constituição de 1988 reconhece a organização social, os costumes, as línguas, as tradições, ou seja as diferenças culturais dos povos indígenas, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade e modo de ser. Dessa forma, a Funai entende que é dever do Estado brasileiro garantir a sua proteção e o respeito ao seu isolamento voluntário.
Trabalho da Funai na região
Para prestar assistência e acompanhamento às demandas dos povos da região, a Funai possui duas unidades descentralizadas no Vale do Javari: a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari e a Coordenação Regional Vale do Javari, sediadas no município de Atalaia do Norte. No interior da terra indígena, ainda atuam cinco Coordenações Técnicas Locais e quatro Serviços de Proteção Etnoambiental, que se estabelecem em três Bases Avançadas de Proteção Etnoambiental distribuídas em locais estratégicos do território.
Apesar de inúmeras dificuldades logísticas, financeiras e de pessoal, em decorrência da amplitude e complexidade do território, a presença da Funai na região tem resultado na proteção da área evitando a invasão em larga escala de madeireiros, caçadores e pescadores, como ocorria no passado, e o assédio de terceiros às populações indígenas que vivem no território. A instalação de uma Base de Proteção Etnoambiental, no interflúvio dos rios Ituí e Itaquaí, permite o monitoramento do acesso 24 horas por dia. Tal controle é realizado por uma equipe de funcionários da Funai, e por indígenas representantes das cinco etnias de contato mais antigo do Vale do Javari.
Sobre os Korubo
Atualmente, há três grupos ou subgrupos Korubo contatados pela Funai.
Em setembro de 2014, outro grupo Korubo, formado por seis pessoas, foi contatado por indígenas Kanamari, próximo à aldeia Massapê. Os Kanamari decidiram levar os isolados para esta aldeia, após verificar que uma indígena possuía uma ferida decorrente de uma picada de serpente.
O grupo recebeu os primeiros atendimentos naquela aldeia e, em seguida, a Funai apoiou seu deslocamento para a região onde se localizam as aldeias do grupo da Mayá, após reconhecer relações de parentesco entre os dois grupos. Outros 15 indivíduos daquele grupo foram encontrados posteriormente e se juntaram ao restante contatados anteriormente. Os indígenas eram registrados pela Funai como os isolados do Igarapé Tronqueira. Após o contato, eles passaram ser conhecidos como “grupo do Visa e do Pino”.
Segundo foi apurado pelas equipes da Funai na região, os dois grupos “Mayá” e “Visa e Pino” são aparentados e se separaram antes do contato da Funai com o grupo da Mayá, em 1996. Atualmente, os grupos se estabeleceram em localidades separadas, apesar de próximas, dentro do território tradicional Korubo.
Além desses grupos contatados, há referências de outros grupos Korubo que permanecem em situação de isolamento e são monitorados pela Funai.
Sobre os Matis
O povo Matis teve contato estabelecido entre 1975 e 1976, pelo sertanista Pedro Coelho. Na ocasião, o grupo sofreu grande despopulação devido a doenças contraídas, que causaram a morte de cerca de dois terços do povo. Os sobreviventes foram aldeados às margens do rio Ituí.
Entre 2010 e 2012, os Matis iniciaram um processo buscando a reocupação de seu território tradicional. Realizaram a mudança de suas aldeias do rio Ituí para o rio Coari (aldeia Todowak) e rio Branco (aldeias Tawaya e Bukuak), deixando a margem esquerda do Ituí. Os locais escolhidos para as novas aldeias se sobrepuseram ao território de ocupação tradicional de grupos Korubo isolados, especialmente os Korubo do Coari.
Ao mesmo tempo em que preparavam a mudança para o rio Coari, havia um receio de parte dos Matis quanto ao fato de lá ser um território muito próximo de onde vivia um grupo isolado Korubo. A Funai atuou nesse processo, buscando dissuadir os Matis a não se fixarem em áreas tão próximas aos Korubo, no entanto, havia um entendimento de outra parte dos Matis de que o contato poderia ser feito por eles de forma pacífica. Dessa forma, os Matis decidiram manter o local da aldeia Todowak, próxima à área dos isolados.
Segundo relatório elaborado pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, de outubro de 2014, a maioria das informações históricas referentes ao grupo Korubo do rio Itaquaí refere-se a situações de conflitos. A década de 1960 é o período em que se iniciam tais situações de forma mais recorrente e grande parte das situações de conflito registradas envolve indivíduos Korubo e não indígenas.
No entanto, a relação histórica entre Korubo e Matis também revela situações de conflito. Para os Matis, a relação com os Korubo que vivem na confluência do Ituí e Itaquaí é um elemento fundamental na definição do território tradicional Matis. Os Matis usariam a autodenominação dëxan nikitbo (“gente de rio acima”) justamente para se diferenciarem dos Korubo. De acordo com as concepções matis, os Korubo seriam os que viveram sempre rio abaixo em relação aos Matis.
Um diagnóstico produzido a pedido da Funai pela antropóloga Beatriz de Almeida Matos aponta que os Korubo e os Matis se enfrentavam frequentemente no começo do século XX, e que, após cerca de cinquenta anos, os últimos renunciaram às hostilidades e foram progressivamente se dirigindo ao sul.
Segundo ela, o único conflito contra os Korubo que lhe foi narrado pelos Matis, durante sua estadia nas aldeias Tawaya e Bukuak, em abril de 2015, teria ocorrido nas primeiras décadas do século XX. Foi durante esse ataque que os Matis capturaram duas meninas Korubo que depois se casaram com homens Matis e das quais descende a maioria dos Matis atuais. Atualmente, os descendentes dessas meninas Korubo também se declaram Korubo em certos contextos.
Trabalho da Funai com os isolados
Hoje, no Brasil, há 97 registros de grupos indígenas isolados, como são chamados aqueles que não estabeleceram contatos frequentes ou intensos com segmentos da sociedade nacional. Desses registros, 26 grupos foram localizados e recebem algum grau de proteção. Para confirmar esses registros, são utilizadas diversas formas de obtenção de informações, entre elas: entrevistas, imagens de satélite e georreferenciamento, observação de vestígios, documentação histórica, expedições terrestres, dentre outras.
Ao identificar esses grupos, a Funai inicia o processo de regularização fundiária (nos casos em que são localizados fora de terras indígenas), desenvolve ações continuadas de estudos sobre esses povos (a que etnia pertencem, características culturais, territoriais, língua), ações de controle de acesso, vigilância e fiscalização, além de buscar um diálogo da política de proteção aos indígenas isolados junto às comunidades indígenas e não indígenas habitantes do entorno de seus territórios.
A proteção de seus territórios é um dos alicerces da política de proteção aos povos indígenas isolados, considerando ser este o principal elemento necessário à reprodução física e cultural dessas populações. Para garantir esse direito, a Funai conta com 12 Frentes de Proteção Etnoambiental que trabalham exclusivamente com indígenas isolados e recém-contatados. Essas frentes estão localizadas nos estados do Mato Grosso, Maranhão, Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. As equipes lotadas nessas unidades realizam atividades de pesquisa de campo e levantamentos etno-históricos para dimensionar e identificar o território, além de ações de proteção, vigilância e fiscalização das terras indígenas.
Texto: Clarissa Tavares/Ascom – Informações: CGIIRC/Funai
PUBLICADO POR: FUNAI
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