O maior laboratório a céu aberto do mundo – é assim que pesquisadores da área de química orgânica veem o potencial da variedade molecular da biodiversidade brasileira para síntese de moléculas bioativas isoladas de fontes naturais. Tal potencial e os últimos avanços na investigação da síntese orgânica foram discutidos por especialistas no seminário internacional Avanços recentes na síntese de metabólitos naturais bioativos, realizado na FAPESP, no dia 12 de novembro.
“O Brasil possui uma biodiversidade fantástica, representando a biblioteca de estruturas químicas mais fascinante e perfeita que há, resultante da enorme diversidade de organismos que biossintetizam substâncias de estruturas inusitadas. A natureza não produz esse arsenal químico para curar o câncer ou diabetes – ela o faz para manutenção de processos vitais, regulação celular, adaptação e defesa que foram desenvolvidos ao longo da evolução da vida. Mas as estruturas moleculares dos produtos naturais podem ser imitadas, copiadas ou até melhoradas pelo homem, para uso em seu benefício”, disse Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da coordenação do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA) da FAPESP.
Bolzani abriu o seminário lembrando que o Nobel de Medicina e Fisiologia deste ano foi entregue à chinesa Youyou Tu, que trabalhou com produtos naturais e medicamentos planejados a partir da artemisinina, isolada da Artemisia annua, uma planta tradicional da medicina chinesa para tratamento de malária, a William Campbell, da Irlanda, e a Satoshi Omura, do Japão, que descobriram a avermectina, isolada a partir da fermentação de Streptomyces avermitilis, para tratamento de parasitoses como a oncocercose – todas essas pesquisas voltadas a doenças negligenciadas.
“A artemisinina e seus derivados são o que há de mais eficiente no tratamento da malária até hoje. Isso dá a dimensão da importância da área de produtos naturais para a descoberta de medicamentos e, acredito, servirá de incentivo às novas gerações de pesquisadores que prospectem na natureza novos modelos moleculares”, afirmou a pesquisadora, para quem “o Brasil tem uma massa crítica de pesquisadores sintéticos aptos a construírem substâncias complexas, mas que ainda é muito pequena para explorar melhor o potencial da nossa rica biodiversidade”.
Para Roberto Gomes de Souza Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), também membro da coordenação do BIOTA e coordenador do seminário, o desenvolvimento da área no Brasil é estratégico para o país.
“É preciso desenvolver a área de síntese orgânica no Brasil de diferentes maneiras, para a exploração de novas estratégias de síntese de moléculas orgânicas ou para sintetizar moléculas que sejam de interesse biológico para diversos objetivos, como agroquímicos, moduladores biológicos e novos fármacos”, disse (veja mais no vídeo).
https://www.youtube.com/watch?v=7Ug1uzGbagA&feature=player_embedded#t=0
Avanços
Luiz Carlos Dias, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP, apresentou no seminário avanços na síntese química de uma variedade de moléculas isoladas de fontes naturais e as metodologias empregadas no processo.
“Cada uma dessas moléculas tem um potencial de atividade biológica bastante interessante como anti-inflamatório, antitumoral, antibiótico. Elas são isoladas em quantidades muito pequenas e, para se ter uma quantidade maior de um produto natural suficiente para testes de atividade, seria necessário sacrificar muito da fonte de onde se obtém o produto natural. Nosso trabalho no laboratório é preparar essas moléculas em quantidades maiores e essa é a importância da área de síntese orgânica”, explicou.
Dessa forma, no laboratório são preparadas moléculas idênticas às que são isoladas de fontes naturais, mas na quantidade adequada aos estudos biológicos. “Seriam necessários muitos quilogramas de folhas de plantas ou de esponjas marinhas, por exemplo, para isolar poucos miligramas, o que seria inviável do ponto de vista ambiental”, disse.
Entre as moléculas sintetizadas por Dias e seus colaboradores está a goniotrionina, isolada das folhas da Goniothalamus giganteus, uma planta da família Annonaceae, de distribuição tropical em todo o mundo.
“Essa molécula tem atividade antitumoral para câncer de mama mais potente que vários antitumorais usados nos testes, mas é muito complexa do ponto de vista estrutural – então, o que tentamos é simplificá-la para obter mais rapidamente moléculas que sejam mais acessíveis e realizar os testes de atividade”, contou.
Além da síntese total de variedades de produtos naturais bioativos, Dias trabalha em dois consórcios capitaneados por organizações internacionais sem fins lucrativos que financiam as etapas mais caras do desenvolvimento de novos fármacos, a descoberta de moléculas e os testes pré-clínicos e de toxicidade, realizados em universidades e instituições de pesquisa em diferentes países, incluindo o Brasil: a Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi) e a Medicines for Malaria Venture (MMV).
Os pesquisadores brasileiros já identificaram moléculas com grande potencial contra o parasita Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, e sintetizaram duas em especial promissoras para o tratamento da malária, sendo uma delas ativa contra oito tipos de cepas resistentes aos parasitas causadores da doença (leia mais em agencia.fapesp.br/21091).
Além de Dias, apresentaram resultados de pesquisa em síntese orgânica e áreas afins Carlos Roque Correia, também do IQ-Unicamp, Luiz Fernando da Silva Junior e Antonio Carlos Bender Burtoloso, do Instituto de Química (IQ) da USP, James Morken, do Boston College, e Daniel Romo, da Baylor University Waco.
Mais informações em www.fapesp.br/eventos/metabolites.
Diego Freire | Agência FAPESP
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