Uma ação civil pública apresentada pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) esta semana requereu à Justiça a suspensão imediata de quaisquer intervenções que estejam sendo realizadas no trecho central da rodovia BR-319. Relatório de inspeção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) encaminhado ao órgão demonstrou a realização de obras com graves danos ambientais no trecho entre os quilômetros 250 e 655 da rodovia, trecho esse que ainda não recebeu licenciamento ambiental do órgão para ser reconstruído.
Em fevereiro deste ano, o Ibama informou ao MPF que as obras dos três trechos da rodovia haviam sido autorizadas após assinatura de termo de compromisso entre o órgão e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela obra. Em relação ao trecho central, no entanto, foi solicitada elaboração de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Pelo termo de compromisso, o estudo deveria ser aprovado antes de qualquer obra no referido trecho, mas não foi o que o Ibama constatou na prática.
Relatório de vistoria do Ibama datado de 25 de agosto deste ano constatou desmatamento de uma grande área de vegetação ao longo dos 405,7 quilômetros do trecho central da BR-319. Os técnicos do órgão apontam no documento que a vegetação encontrava-se em estágio avançado de regeneração e a pista com largura de cinco metros. As obras detectadas na área abrangem largura que varia de 12 a 18 metros da pista. Aterramento de cursos d’água, depósito de solo no leito de igarapés, retirada de solos para uso na obra sem reparação do local e despejo de dejetos e resíduos de máquinas no solo são apenas algumas das várias irregularidades praticadas pelas empresas contratadas pelo Dnit para execução da obra.
Na ação, o MPF/AM pede que a Justiça estabeleça audiência de conciliação entre as partes para determinar as medidas compensatórias pelos danos ambientais já praticados e irreversíveis. São processados o Dnit, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e as empresas Tescon Engenharia Ltda., Construtora Meirelles Mascarenhas Ltda., Ipê Construtora e Construtora Zequimlima Ltda. – ME. Caso não haja acordo, a ação requer a apresentação de plano de recuperação de área degradada com cronograma de execução, assinado por profissional habilitado, no prazo de 30 dias. O documento deve conter medidas para corrigir todos os danos ambientais apontados no relatório do Ibama.
Licença irregular – Contrariando toda a legislação sobre licenciamento ambiental, o Ipaam expediu a Licença Ambiental Única em 15 de agosto, tendo como interessado a Superintendência Regional do Dnit, para a atividade de manutenção/recuperação de rodovia, para quatro trechos. Segundo o MPF, a licença não foi precedida de licença prévia, nem tem natureza de instalação. “Trata-se de uma licença única que, de uma vez só, substitui as três fases sucessivas e complementares do procedimento de licenciamento ambiental”, cita trecho da ação.
Para o MPF/AM, o licenciamento ambiental estava sendo regularmente realizado pelo Ibama, na fase de apresentação de EIA/RIMA, e não houve nenhuma delegação para que o Estado do Amazonas, por meio do Ipaam, assumisse essa tarefa. Além disso, o órgão sustenta que o trecho do meio não é uma rodovia pavimentada, por isso não se submete à portaria mencionada pelo Ipaam como justificativa para sua licença ambiental.
Indenizações – Como pedidos finais da ação, o MPF requer ainda que a Justiça condene os processados ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados, em valor não inferior a R$ 315.160,00. O valor preciso ainda deverá ser apurado durante a tramitação da ação. Há ainda pedido de condenação dos responsáveis ao pagamento de indenização de, no mínimo, R$ 10 milhões, por danos morais coletivos causados à sociedade a partir da agressão a um bem ambiental tão importante como a floresta amazônica, seu solo e seus cursos d’água.
Projeto nunca concluído – A rodovia BR-319 tem 877 km e liga Porto Velho/RO a Manaus/AM. Foi construída entre o final da década de 1960 e início da década de 1970. Fazia parte do projeto de expansão e ocupação da Amazônia pelo regime militar, que via essa região como “desabitada”, uma “terra sem homens” e propagava o lema “integrar para não entregar”, vislumbrando uma fantasiosa investida internacional sobre a soberania do Brasil na Amazônia.
A BR-319 foi inaugurada oficialmente em 1976, no governo Ernesto Geisel. Porém, nunca foi concluída integralmente. Nas décadas de 1980 e 1990, a manutenção da estrada foi abandonada pelo poder público. Somente na década de 2000, as obras de pavimentação foram retomadas com o asfaltamento das duas pontas da rodovia, com base na Portaria Interministerial n. 288/2013, que dispensou do licenciamento ambiental as obras de mera pavimentação de rodovias já existentes. O trecho do meio, no entanto, não foi contemplado pela portaria, pois não se trata de mera pavimentação e sim de verdadeira “reconstrução” da estrada.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Amazonas
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