O Ministério do Meio Ambiente colocará em consulta pública este mês o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas. O anúncio foi feito pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em visita à FAPESP, na segunda-feira (31/08). A adaptação às mudanças climáticas está na pauta da proposta que o Brasil levará à 21ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 21), que ocorrerá em dezembro, em Paris, sem, no entanto, ganhar o mesmo destaque que o Brasil dará ao tema da mitigação.
Na ocasião, a ministra reuniu-se com dirigentes da FAPESP e coordenadores dos programas de pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA) e em Bioenergia (BIOEN), apoiados pela Fundação, para debater alguns pontos da agenda da COP 21.
O foco do encontro mundial, na França, será costurar um novo acordo entre os países para diminuir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), reduzindo o aquecimento global e limitando o aumento da temperatura mundial em 2 ºC até 2100.
Acompanhada por Carlos Klink, secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do ministério, a ministra foi recebida por Celso Lafer, presidente da FAPESP; Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente; e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação.
Também participaram da reunião José Goldemberg, conselheiro da FAPESP designado presidente da Fundação a partir de 8 de setembro; Carlos Eduardo Lins da Silva, consultor em Comunicação da FAPESP; e Fábio Feldman, ambientalista e consultor.
Durante o encontro, membros das coordenações dos programas PFPMCG (Reynaldo Luiz Victoria, Paulo Artaxo e Gilberto Câmara), BIOTA (Carlos Joly) e BIOEN (Glaucia Mendes Souza), apresentaram à ministra alguns dos avanços e principais subsídios das pesquisas realizadas no âmbito desses programas para auxiliar na formulação de políticas públicas relacionadas aos fatores que interferem nas mudanças do clima em todo o mundo.
A ministra destacou que, durante a COP 21, estarão em jogo os novos rumos da política mundial relacionada ao clima e que o papel do Brasil nesse cenário será determinante.
Na opinião dela, é hora de buscar um acordo baseado em uma nova estratégia de compromissos, visto que o tema das mudanças climáticas ganhou protagonismo político irreversível.
Do mesmo modo, Lafer observou, durante a reunião, que o momento é de dar aos insumos do conhecimento científico maior grau de importância, para a deliberação de políticas públicas.
Nesta entrevista à Agência FAPESP, a ministra explica quais serão os principais pontos da proposta de redução de GEE que o Brasil levará à COP 21, fundamentada no conhecimento científico.
Agência FAPESP – Sua visita à FAPESP faz parte da iniciativa do Ministério do Meio Ambiente de obter contribuições da comunidade científica e de outros setores da sociedade para apresentar a proposta brasileira na COP 21?
Izabella Teixeira – Esta foi minha segunda visita à FAPESP. A primeira foi, exatamente, quando começamos a construir a proposta da INDC [as metas de corte de emissão de gases de efeito estufa] brasileira à COP 21. Hoje, nesta segunda visita, estabelecemos uma conversa mais dirigida em torno de temas prioritários e do que a FAPESP está fazendo, particularmente, no âmbito de seus programas de mudanças climáticas, bioenergia e do BIOTA, que convergem para a agenda de desenvolvimento sustentável. Também tivemos a oportunidade de discutir um pouco sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [um conjunto de 17 objetivos e 169 metas para acabar, até 2030, com a pobreza e promover universalmente a prosperidade econômica, o desenvolvimento social e a proteção ambiental, estabelecidos durante a Rio+20, em 2012] e os desafios apresentados para a adoção formal desses objetivos pelos líderes mundiais, que deve ocorrer agora, em setembro, durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, em Nova York. A visita à FAPESP faz parte dessa estratégia, mas também de ter um diálogo mais próximo sobre os possíveis números, os vários trade-offs [escolha entre opções conflitantes] que a gente tem, olhando a experiência de São Paulo e os vários estudos que têm sido desenvolvidos com apoio da FAPESP nessa área de mudanças do clima.
Agência FAPESP – Os resultados das pesquisas apoiadas pela FAPESP relacionadas a mudanças do clima, bioenergia e biodiversidade devem contribuir para a fundamentação da proposta brasileira que será levada à COP 21?
Teixeira – Um dos resultados de projetos apoiados pela FAPESP que já utilizamos é um sistema de modelagem de uso da terra e cenários de emissão no Brasil a partir do Código Florestal, que está sendo desenvolvido no Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] sob a coordenação do professor Gilberto Câmara. Estamos usando esse sistema no governo, no Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Inpe, para discutir a trajetória do fim do desmatamento legal na Amazônia e de restauração florestal no Brasil. O país tem a ambição de deixar de ser um emissor para ser, na realidade, um sumidouro de carbono. Para isso, é preciso estimar a taxa de restauração florestal no Brasil, e um dos alicerces desse debate é, exatamente, essa modelagem de cenários de emissões no Brasil a partir do Código Florestal que está sendo desenvolvida no Inpe com apoio da FAPESP. Esses cenários dialogam muito com os atuais cenários que estão em prática e já foram pré-adotados na Política Nacional de Mudança do Clima, cuja primeira fase vai até 2020.
Agência FAPESP – Há a expectativa de que a proposta brasileira para a COP 21 seja apresentada antes do início de outubro. Isso deve ocorrer?
Teixeira – Pela Convenção do Clima temos como data-limite de apresentação da proposta o dia 1º de outubro. A presidente Dilma anunciou durante a visita da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, em agosto, que fará o anúncio da INDC brasileira no final de setembro, durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, em Nova York.
Agência FAPESP – Quais serão os pilares da proposta brasileira?
Teixeira – A proposta brasileira já está definida. Estamos checando todos os modelos matemáticos e os números, por exemplo, de mudança do uso da terra, que não são, necessariamente, convergentes. Há quem diga, por exemplo, que faz desmatamento líquido zero. Em um cenário de várias modelagens que fazem sentido para o Brasil, não se consegue, nem em 2040, fazer desmatamento líquido zero. Mas o Brasil já indicou alguns caminhos [de redução das emissões de gases de efeito estufa]. Um deles é que pretende dobrar a participação de energia renovável – além da hídrica – na matriz energética brasileira até 2030. Isso é uma sinalização de uma trajetória de investimentos robustos em energia renovável, que vão além da energia hídrica. O país também indicou ter a meta de restaurar 12 milhões de hectares [de áreas de floresta degradadas]. Isso não é algo trivial de ser feito e, obviamente, significa que temos ambição de usar o Código Florestal, mas também começar a capturar carbono. O Brasil também sinalizou rotas para o fim do desmatamento legal até 2030. Nós estamos vendo quais são as condições, porque dependemos, por exemplo, das informações e da transparência dos estados que autorizam a supressão de vegetação em seus planos de manejo. Enquanto isso não for totalmente transparente, não se tenha acesso aos dados e a um modelo de governança que integre União e estados, não há como avançar. E o compromisso que será assumido em Paris será monitorado e verificado. Portanto, o compromisso terá que ter transparência total e precisamos ter robustez em todos os dados. Também estamos discutindo a segunda geração da agricultura de baixo carbono, como a gente chama, que compreende desde restauração de pastagens até um incremento nas técnicas de produção e a integração de lavoura e agropecuária. Outra discussão que estamos fazendo é sobre a questão de resíduos sólidos, mas isso não é expressivo no perfil de emissões de gases de efeito estufa do Brasil. E outra coisa que deverá aparecer na proposta brasileira é a degradação florestal, que é um tema que ninguém ainda encontrou solução para isso no mundo. Nós entendemos que se o Brasil ambiciona acabar com o desmatamento ilegal e restaurar florestas, o país também precisa lidar cientificamente e politicamente com a questão da degradação florestal. Isso também é uma contribuição que esperamos dar para a Convenção de Clima nessa nova trajetória em relação à ambição brasileira.
Agência FAPESP – Além de mitigação, a proposta brasileira também contemplará a agenda de adaptação às mudanças do clima?
Teixeira – O Brasil virá com uma agenda de mitigação e também deveremos indicar algumas coisas de adaptação. Lançaremos neste mês de setembro o Plano Nacional de Adaptação em consulta pública. Nós não temos dados nacionais completos sobre adaptação em diversas áreas. Temos dados apenas para a área de energia e de algumas outras áreas que têm apresentado bastante avanço, como saúde. A ideia do Plano Nacional de Adaptação é chamar vários setores para que possamos modelar e aprofundar as informações a respeito de alguns segmentos que são estratégicos em relação à adaptação como, por exemplo, as cidades, e com isso possamos formular e apresentar, quem sabe nos próximos anos, uma política robusta de adaptação. Mas na INDC brasileira temos a ambição, sim, de falar de mitigação e adaptação.
Agência FAPESP – A ideia é ampliar a discussão sobre adaptação às mudanças do clima no Brasil?
Teixeira – Vamos ampliar essa discussão e, mais do que isso, construir uma capacidade tecnocientífica em mitigação no Brasil, que tem um grande espectro. É importante que a ciência esteja cada vez mais próxima, gerando conhecimento dirigido para os processos estratégicos de tomada de decisão do nosso desenvolvimento. Eu não acredito em distanciamento de decisão política da ciência. Pelo contrário. Eu acho que o clima se revela uma agenda importante do ponto de vista político porque se soube trazer para as discussões climáticas o conhecimento tecnocientífico. Há 25 anos, as pessoas colocavam em dúvida as mudanças climáticas. Hoje os questionamentos vêm de uma pequena parcela da sociedade. Há um convencimento político de que é preciso enfrentar o problema e de que há uma diversidade de situações. Para dar conta dessa diversidade de situações, é preciso que trajetórias tecnológicas e sociais sejam assumidas pelos países para reduzir suas emissões e cumprir o compromisso global de limitar em, no máximo, 2 ºC o aumento da temperatura neste século. No caso do Brasil, mesmo com a política voluntária internacionalmente, mas compulsória nacionalmente, o país é um campeão de redução de emissões na área de uso da terra, mas precisa dotar ainda de eficiência outros processos produtivos para assegurar uma transição robusta para a economia de baixo carbono. É preciso fazer mais na indústria e em setores como de combustíveis, embora já tenhamos a matriz energética que é a mais renovável do planeta. Mas o Brasil pode ambicionar ser o único país do mundo que tenha condições em menor espaço de tempo – até 2040 ou 2050, por exemplo – de atingir uma matriz equilibrada entre fóssil e renovável. Mas, para isso, tem que fazer opções tecnológicas, investimentos, ter conhecimento e, mais do que isso, tem que dialogar com a segurança energética do sistema nacional, com combustíveis baratos e com o caminho de desenvolvimento pelo qual a sociedade vai optar. E isso não pode ser feito trancado em uma sala com quatro paredes. É preciso dialogar e construir essas soluções e usá-las para minimizar as assimetrias de desenvolvimento regional que o país tem.
Agência FAPESP – E em relação às assimetrias internacionais?
Teixeira – Um dos debates no mundo hoje, por exemplo, é como vamos definir um mecanismo de diferenciação entre países que têm contribuições históricas com a questão de carbono na atmosfera. O carbono da evolução industrial está lá. Mas o carbono também do desmatamento das florestas na Europa e no Brasil também está lá. Então, é importante saber como é que vamos diferenciar isso do ponto de vista da ambição. Nós somos um país ainda em desenvolvimento. A infraestrutura do país ainda não está consolidada. Na Europa a infraestrutura está consolidada, já se tem um perfil de emissão. É óbvio que se precisa entender no tempo quais são as trajetórias tecnológicas, onde se pode ganhar tempo e assegurar desenvolvimento com custos competitivos. Ou seja, vai custar gerar novos empregos no Brasil em uma economia de baixo carbono. Isso tem que ser competitivo para o país. E, obviamente, nos interessa que essa discussão seja acompanhada de inclusão social e de minimizar desigualdades regionais que temos no país. O Brasil não se resume a São Paulo e Rio de Janeiro. As assimetrias são muito gritantes no país. É preciso entender que trajetórias são essas e como é que se ganha tempo para resolver problemas estruturais ou estruturantes da nossa agenda de desenvolvimento, já resolvendo uma equação de baixo carbono. Daí a oportunidade de se discutir clima não como ameaça, mas como uma solução, um caminho para que se possa ter um desenvolvimento com mais qualidade e bem-estar.
Agência FAPESP – O contexto da COP 21 é mais favorável para se chegar, de fato, a um acordo global sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa no planeta?
Teixeira – A COP 21 está sendo muito bem estruturada do ponto de vista da participação dos países. Fazia muito tempo que eu não via uma COP com tanta gente que entende de clima e em posição de tomada de decisão. Eu acho que isso também tem muito a ver com o movimento da sociedade. A sociedade globalmente está se movimentando cada vez mais para ter uma solução em relação ao clima. As passeatas pelo clima que aconteceram em Nova York no ano passado foram muito representativas do engajamento popular, no mundo todo, em relação a esse tema. Agora, precisamos ter universidades e instituições de pesquisa dedicadas a isso e aprofundar o conhecimento sobre as mudanças do clima em países como o Brasil. Já temos grande conhecimento e precisamos fazer mais.
Agência FAPESP – Qual deverá ser a principal contribuição da COP 21 para as discussões sobre o clima no mundo?
Teixeira – Na COP 21 todo mundo irá assumir compromissos em caráter compulsório e, portanto, será sujeito à verificação e terá que ser transparente para suas sociedades. E, mais do que isso: eu acho que as soluções não estão circunscritas aos estados, aos governos. As sociedades nacionais estão caminhando para as opções de desenvolvimento que incluam a solução de carbono. Eu acho que isso é que Paris deixará como mensagem. As INDCs representam as novas trajetórias de cada sociedade nacional em busca de soluções sobre o clima. Será a primeira vez que teremos isso no mundo. Todos estarão olhando de maneira convergente porque eles são parte da solução e, não necessariamente, um mundo dividido em que alguns são responsáveis pelo problema e outros não. Você muda a orientação política indicando que todos são parte da solução. Estão aí as migrações no mundo mostrando que as coisas não estão corretas. O mundo está tendo redefinições de limites territoriais. Não adianta achar que é possível se isolar em uma redoma. Está tudo visível, acontecendo. A questão do clima tem que oferecer soluções. Eu acho que esse será o ativo político de Paris.
Elton Alisson e Samuel Antenor | Agência FAPESP
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