São 350 quilômetros – aproximadamente seis horas partindo de Manaus – de ônibus, barco e camionete até chegar à Estação Científica do Uatumã, onde pesquisadores receberam oficialmente, no último sábado, o Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO). Com 325 metros de altura, a torre é o mais novo e maior instrumento do mundo para estudos de mudanças climáticas.
A cooperação foi acordada em 2009 para a construção na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, cuja densa floresta tropical com pouca intervenção humana e diferentes tipos de vegetação e relevo (planícies, declives e enormes platôs) impuseram grandes desafios para a conclusão do projeto. Mas, vencidas todas as dificuldades, o resultado da parceria entre o Brasil e a Alemanha, por meio do Experimento de Grande Escala de Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), marca um momento histórico para a ciência e para o planeta.
Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o físico Paulo Artaxo adiantou que a torre irá alavancar a ciência na Amazônia de uma “maneira espetacular”. “Há três anos fazemos estudos na torre de 85 metros (próxima à ATTO), mas agora será muito mais ampliado com a torre de 325 metros. Vamos poder fazer coisas que a gente nunca conseguiu fazer antes. Agora teremos um ar muito mais misturado lá em cima”.
De acordo com o cientista, as pesquisas tentam elucidar o papel das emissões das plantas para a atmosfera. “São informações preciosas sobre o funcionamento do ecossistema amazônico, como estudos de como as plantas acabam controlando o clima da região através de emissões que ajudam a nuclear nuvens e a realimentar fortemente o sistema hidrológico da Amazônia”.
O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) são parceiros do Instituto Max Planck de Química (MPIC) na coordenação do projeto. No total, foram R$ 28 milhões, sendo R$ 13 milhões aportados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e a outra metade pelo governo alemão.
Para o diretor do Inpa, Luís Renato França, a Amazônia se tornou, definitivamente, a grande protagonista no cenário de estudos de mudanças climáticas. “É um momento esplendoroso para a Amazônia, para o Brasil e para o planeta. Nós não sabemos pra onde a gente vai, mas sabemos que estamos no caminho certo e vamos adiante”.
Atualmente, cerca 300 cientistas de todo o mundo coletam dados nas torres do Programa LBA. O ministro de ciência e tecnologia, Aldo Rebelo, sinalizou novas parcerias entre os países. “O Brasil e a Alemanha celebram uma conquista importante, que não será de uso só dos dois países, pois as informações serão partilhadas com pesquisadores de todo mundo. Temos conversado e eu disse que precisávamos da mesma ousadia e ambição em futuras cooperações”.
Parcerias entre institutos e UEA
Os alunos dos cursos de meteorologia e engenharia química da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) já podem se considerar privilegiados. Além de terem oportunidade de viver na Amazônia, agora poderão produzir ciência de alto nível, conforme define o reitor Cleinaldo Costa.
“Para os alunos da UEA é um momento muito importante. Somos uma universidade de apenas 15 anos e já estamos participando de um projeto de volume de qualidade científica mundial. Sobretudo, tendo a oportunidade de ter nossos pesquisadores e alunos inseridos numa oportunidade ímpar como essa”, declarou.
Vice-presidente do Instituto Max Planck de Química (MPIC), da Alemanha, Ferdi Schuth, acredita que os ‘insights’ (ideias) dos cientistas ajudarão a proteger, futuramente, o clima do planeta Terra. “Este é um momento para agradecer a todos que deram seu suor para que a torre se tornasse realidade e aos cientistas que tiveram ideia de construir e desenvolver os conceitos. Está claro que os s dados coletados pelos pesquisadores ajudarão a entender o clima e a Amazônia, que é um grande tesouro do Brasil e da humanidade”.
Estrutura
A grande questão que os pesquisadores da ATTO pretendem responder é como a Amazônia influencia e é influenciada pelos processos de interação biosfera-atmosfera, além das mudanças do clima.
A torre tem uma estrutura estaiada, presa por cabos, completamente vazada para ecoar o ar com pouca distorção. Com 325 metros, é possível monitorar uma área atmosférica de mil quilômetros quadrados.
Análise: Paulo Artaxo – Pesquisador sobre mudanças climáticas e membro do IPCC
“Fantástico laboratório”
Durante as pesquisas nós tentamos, por exemplo, elucidar o papel das emissões das plantas para a atmosfera e como as plantas acabam controlando o clima da região através de emissões que ajudam a nuclear nuvens e a realimentar fortemente o sistema hidrológico da Amazônia.
Essa torre é a única em qualquer região tropical que possui essas características. Existem torres similares, sendo uma na Sibéria e outra similar no meio dos Estudos Unidos, mas não como a ATTO, que nos dará uma vantagem estratégica nas pesquisas que estamos realizando. Dados coletados nas torres de 80 e 50 metros já estão sendo apresentados em várias conferências científicas. O que estamos descobrindo de coisas novas são alimentados nos modelos climáticos globais e a ATTO vai ajudar a aprimorar esse modelo. Por exemplo, uma coisa que os modelos erram muito é em relação a precipitação das regiões tropicais, porque os processos de formação de nuvens e chuvas em regiões tropicais não são bem conhecidos. A torre ajudará a ciência a desvendar esses novos mistérios que estão aparecendo. Temos que mobilizar a comunidade científica para usar da melhor maneira possível esse fantástico laboratório atmosférico.
LUANA CARVALHO – FONTE: A Crítica (disponível em: agosto 2015)
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