O cenário da Volta Grande do rio Xingu, em Altamira, oeste do Pará, é um deslumbrante labirinto de ilhas, praias, pedrais e floresta virgem, principalmente agora, no alto verão amazônico, quando o rio seca e as temperaturas sobem acima dos 35 graus. O que não se vê na paisagem – por enquanto – é a incerteza que paira sobre a região com a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte. Também não se enxerga a olho nu a disputa de bastidores travada por uma mineradora canadense, Belo Sun Mining Co., do grupo Forbes Manhattan, para acrescentar aos graves impactos da usina um projeto de exploração de ouro na Volta Grande, que pode complicar até a viabilidade ambiental da hidrelétrica.                                            

O licenciamento da mineração está sendo feito pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (Sema) e a empresa obteve a Licença Prévia, apesar das várias irregularidades apontadas pelo Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA). Entre elas, a falta de clareza sobre a acumulação de impactos na região da Volta Grande. É a região mais gravemente afetada por Belo Monte – são os 100 km do Xingu que terão a água desviada para mover as turbinas da usina – e que pode ter todos os ecossistemas comprometidos.

Considerada pelo Ministério do Meio Ambiente como uma região de alto interesse para a conservação da biodiversidade, com fauna e flora únicos, a Volta Grande será submetida a uma situação de estresse hídrico que pode decretar sua extinção. O próprio Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e a ANA (Agência Nacional de Águas) reconheceram a gravidade da situação da Volta Grande e estabeleceram um período de monitoramento de 6 anos, no qual pode ser necessário, por exemplo, desviar menos água para as turbinas para assegurar a sobrevivência do rio.

Mesmo com tamanha incerteza, a Sema ignorou os alertas do MPF/PA e concedeu a licença. Também ignorou a existência das comunidades indígenas, que vivem há gerações no delicado e rico ecossistema da Volta Grande. A secretaria emitiu a licença sem exigir estudos sobre os impacto aos índios. A Funai (Fundação Nacional do Índio) interveio no processo e determinou os estudos. Mas os índios das Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande querem ser consultados sobre o projeto antes de qualquer nova etapa do licenciamento.

Nos dias 15 e 16 de julho, os moradores da Paquiçamba, da etnia Yudjá, também conhecidos como Juruna, se reuniram na aldeia Mïratu, na margem da Volta Grande, para debater a situação de duplo impacto a que podem se ver submetidos. Diante de representantes da Funai, do MPF/PA e da Universidade Federal do Pará, eles decidiram que vão exigir, antes de qualquer estudo sobre a mineradora, que seja finalmente garantido o direito à consulta prévia, previsto na legislação, mas nunca assegurado em Belo Monte. E iniciaram a construção de um protocolo para a consulta, seguindo o exemplo de outros povos afetados por empreendimentos que estão reivindicando o direito nunca respeitado pelo estado brasileiro, como os Munduruku do Pará e os Wajapi do Amapá.

Uma das preocupações dos índios e da Funai é com o risco de contaminação do rio pela mineração da Belo Sun. A extração de ouro industrial que a empresa propõe vai exigir a extração de toneladas de terra e rocha. Para cada tonelada de material, 1 grama de ouro será retirado. O problema é que o processo vai expor o arsênio contido na rocha, que, em caso de vazamento para o rio, pode ter consequências mortais para as comunidades indígenas que vivem das águas do Xingu. Para o mesmo 1 grama de ouro, são liberados até 7 quilos de arsênio, que é altamente tóxico.

O técnico Rodrigo Bulhões, da Coordenação Geral de Licenciamento da Funai, que acompanha o licenciamento, cita o exemplo da mina de ouro Kinross, também canadense, instalada em Paracatu, Minas Gerais, onde a contaminação por arsênio provocou doenças graves na população. A contaminação pode vir das duas pilhas de rejeito que a mineração vai produzir, de 75 e 85 metros (equivalentes a prédios de 23 e 28 andares), cheias de arsênio que será, de acordo com o projeto, mantido em uma bacia de contenção. A piscina de rejeitos ficaria, caso instalada a mina, a apenas 1200 metros do curso do Xingu.

Para a Funai, a incerteza sobre o futuro da Volta Grande não permite que os estudos feitos pela Belo Sun sejam conclusivos a respeito dos impactos no rio. Por isso, já recomendou à Sema que adie em seis anos o projeto, até que acabe o período determinado pelo Ibama para o monitoramento dos impactos de Belo Monte. Antes de qualquer estudo, dizem os Yudjá, a consulta a eles tem que ser feita pela empresa canadense. “É o nosso futuro, a nossa permanência nessa terra que está em jogo. Nós precisamos dizer o que pensamos”, disse Leiliane Pereira, jovem liderança da aldeia Mïratu.

Os Yudjá são conhecidos como Juruna, nome que significa boca preta e que foi dado por povos indígenas vizinhos a eles. Yudjá significa dono do rio e é como reivindicam serem chamados. Além deles, são afetados por Belo Monte e por Belo Sun os índios Arara da Volta Grande e a população de indígenas em isolamento voluntário que vive na área Ituna-Itatá, protegida pela Funai.

Enquanto a situação da Volta Grande é de incerteza sobre o futuro, a do projeto Belo Sun é de pressão para a implantação. A pedido do MPF/PA, uma sentença do juiz federal em Altamira anulou a licença prévia do empreendimento, em 2014. O MPF/PA entrou com uma segunda ação judicial, reivindicando que o licenciamento seja feito pelo Ibama. Em decisão liminar a Justiça Federal determinou que o Ibama intervenha em todos os atos desse processo. A empresa recorreu e aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região, em Brasília. Enquanto os processos aguardam julgamento, as duas decisões das Justiça Federal em Altamira encontram-se suspensas.
 

FONTE:   Ministério Público Federal no Pará   /    Assessoria de Comunicação