A seca na região Sudeste do Brasil não está associada ao desmatamento da Floresta Amazônica e nem é um indicador de uma mudança climática. A afirmação foi feita por José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), durante coletiva de imprensa organizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), quinta-feira, 12 de fevereiro, sobre a crise hídrica.  

No evento, cinco cientistas debateram a crise hídrica e as perspectivas sob o ponto de vista de mudanças climáticas, energia e saúde pública. O acadêmico José Galizia Tundisi, pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IIE) e especialista em recursos hídricos, coordenou o evento e contextualizou a situação da seca no Brasil e no mundo.

Tundisi apresentou a “Carta de São Paulo”, um documento sobre a situação dos recursos hídricos no SE, com um panorama sobre desdobramentos relacionados a segurança, impactos e riscos. O documento foi entregue aos governantes dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas, segundo Tundisi, a ABC não obteve resposta, ainda.

Também participaram da coletiva o acadêmico Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ); Sandra Azevedo, diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), e o engenheiro Paulo Canedo, chefe do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ.

Segundo Marengo, os climatologistas aprendem com o passado, para entenderem o presente e, depois, projetarem o futuro. A análise de mudanças de clima pode ser algo que de certa forma, no longo prazo, ajuda a entender que fenômeno. “Mas dizer que este evento já é um indicador de mudança de clima e consequência de interferências humanas é um pouco temerário. Um evento isolado não pode ser atribuído a um processo de longo prazo”, destaca o pesquisador.

Na opinião de Marengo, situações como essa, de períodos com redução de chuvas, vão se repetir no futuro. Porém, o cientista afirma que, quando há um bom gerenciamento dos recursos hídricos,  e os tomadores de decisão do Governo consideram esses impactos em seus planejamentos, é possível reduzir os impactos de um longo período de seca.

“Eventos como esse podem acontecer com frequência, não só em São Paulo, mas em outras regiões do mundo. A contribuição humana é se preparar para eventos extremos. Por exemplo, uma obra bem feita com relação à transposição do Rio Paraíba do Sul poderia minimizar os impactos em um período futuro de anomalia de chuvas”, detalha.

Reuniões ministeriais

O pesquisador diz que foi criado um grupo de trabalho, com a participação de representantes do Cemaden/MCTI, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Esses pesquisadores realizam reuniões semanais com os setores associados à energia, como Ministério de Minas e Energia e Operador Nacional do Sistema Elétrico. Marengo diz que, nessas reuniões semanais, os representantes dos setores associados à energia são atualizados sobre a previsão do tempo.

“Não cabe aos pesquisadores de clima tomar decisões sobre gerenciamento hídrico. Tomada de decisão não compete aos órgãos que estudam a meteorologia. Nosso papel é informar sobre as previsões climáticas”, afirma Marengo.

Rodízio prejudica saúde pública

Fazer rodízio, durante a crise hídrica, pode ser ainda mais prejudicial para população. Para a diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), Sandra Azevedo, o sistema de rodízio aumenta a vulnerabilidade da população no que diz respeito à contaminação e à exposição a doenças.

A pesquisadora explica que, ao estabelecer o rodízio, a pressão da água nas tubulações sofre muitas variações. Nos momentos em que essa pressão diminui, aumentam os níveis de contaminação da água que abastece a população.

De acordo com Sandra, em todo sistema de abastecimento, há microfissuras nos canos. “Sempre existem pontos de infiltração, porque, nas regiões metropolitanas no Brasil, temos redes muito antigas. Quando a pressão diminui, há uma infiltração e, consequentemente, a contaminação, porque essas tubulações estão próximas a redes de esgoto e outros focos de água contaminada”, detalha.

Além disso, Sandra alerta que o rodízio sempre vai favorecer uma determinada fatia da população.  “Quem está no meio da rede e tem condições, armazena água. Então, ela nunca chega pra quem está na ponta do sistema.”  Para a pesquisadora, é flagrante que os governantes, sobretudo, no sudeste, vêm adotando  “política de avestruz”, pois não são transparentes com a população e negam o problema, que é real.

“Economizar água não é mais discurso de ‘ecochato’, mas questão de sobrevivência”, alerta Sandra.

(Suzana Liskauskas, especial para o Jornal da Ciência)

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