Voltada a preparar o terreno para a próxima Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP) a de Paris, onde se pretende que um novo acordo mundial contra as mudanças climáticas seja apresentado, a COP-20, encerrada no último dia 12 de dezembro, em Lina, no Peru, teve um saldo positivo, segundo Tiago Reis, pesquisador de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Para o especialista em política ambiental, o discurso dos países está mudando e suas posturas já são diferentes, o que traz esperança em um acordo, no final de 2015, que garanta um aumento de temperatura de até 2º C ao planeta.
Clima e Floresta – A COP-20 cumpriu seu papel de preparar o caminho para o novo acordo global sobre mudança do clima?
Tiago Reis – A COP-20 terminou com salto positivo, considerando que as negociações foram difíceis, por conta do velho embate entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. A questão é que, apesar de ser um tratado sobre clima, envolve transformar o paradigma econômico do mundo, pois pressupõe mudar a matriz energética baseada em combustíveis fósseis. Mas a conferência cumpriu seu papel de criar um plano de ação para 2015, para que os países cheguem à COP-21, em Paris, no final do ano, com seus planos de metas para reduzir as emissões e um esboço dos elementos principais do novo acordo mundial. Isso não significa que não há críticas. O documento final não incluiu, por exemplo, muitas das posições dos países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas. Essas são questões que ainda precisam ser aprofundadas.
Clima e Floresta – O Brasil teve uma participação relevante nas negociações?
Reis – A posição do Brasil foi interessante, com o Ministério das Relações Exteriores sendo propositivo, mesmo em um contexto onde a presidência da República pareça não se importar o suficiente com o tema. Em um cenário complicado de negociação, onde os ricos não aceitam que países emergentes não se comprometam com redução de emissões e os emergentes não querem se comprometer com metas, o Brasil trouxe uma proposta na qual, ao invés de dividir os países entre Anexo 1 (com obrigações de redução de emissão) e Anexo 2 (sem obrigação nenhuma), cria uma nova forma de diferenciar os países, sem romper a estrutura de responsabilidades diferenciadas. A proposta brasileira foi bem recebida, embora não tenha sido incorporada no documento de Lima. Uma coisa que o Brasil conseguiu foi colocar no documento a ideia de que as Intenções de Contribuição Nacionalmente Definida (INDC, na sigla em inglês) – que são o que cada país vai ofertar para a Convenção do Clima, em termos de ação -, incluam também ações de adaptação e financiamento. A partir da INDC, cada país vai dizer o que pode fazer pelas mudanças climáticas. Acontece que alguns países industrializados, principalmente Estados Unidos e Canadá, queriam mais ações voltadas para mitigação. O Brasil, junto com outros países pobres e vulneráveis, que também precisam fazer planos de adaptação às mudanças, vinha argumentando que, no contexto atual, com 0,85º C de aquecimento a partir do nível pré-revolução industrial, é preciso garantir também os meios para implementar as ações. Segundo o documento final, os INDC deverão trazer ações de mitigação, adaptação e financiamento, onde os pobres colocam o que precisam e os ricos o que podem fazer para ajudar. O ponto negativo foi que o Brasil se recusou a fazer aporte ao Fundo Verde do Clima, que foi criado justamente para financiar as ações em países pobres e vulneráveis. A posição brasileira é de que já contribui com ações bilaterais ‘sul-sul’, o que é verdade. No entanto, países c
Clima e Floresta – A questão das emissões do desmatamento é muito importante para o Brasil, que tem metas voluntárias de redução. Quais foram as principais discussões em relação ao tema?
Reis – Não houve nada de muito novo em relação ao tema florestas na COP-20, principalmente porque o marco sobre Redução das Emissões oriundas de Desmatamento e Degradação florestal (REDD+) já havia sido aprovado na COP-19, em Varsóvia. O problema de REDD+ é a falta de recursos, já que o Fundo Verde do Clima, que deveria ser a fonte de financiamento, precisa de aporte para isso. A expectativa é que, em Paris, se consiga regulamentar os aportes ao Fundo. Além disso, o Brasil conseguiu aprovação técnica, com algumas sugestões de aperfeiçoamento, para a submissão do nível de referência de emissões florestais, apresentada em junho, na Conferência de Bonn, Alemanha. Durante a COP, mais quatro países apresentaram seus níveis: Indonésia, Malásia, Colômbia e México. Esses níveis de referência são fundamentais para que o país seja remunerado pela implantação de projetos de REDD+.
Clima e Floresta – Qual a participação do IPAM na COP-20?
Reis – Um dos principais trabalhos do IPAM durante as COPs é o empoderamento dos representantes dos povos indígenas. Damos apoio, sobretudo, como tradutores, tanto em relação à língua, quando ao explicar o que está acontecendo. Nesta COP, a delegação brasileira participou de várias ações junto com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coica). Depois de idas e vindas, com protestos realizados, conseguiram incluir o respeito aos povos indígenas no documento final.
Clima e Floresta – Muitos especialistas disseram que o documento de Lima é fraco. Qual sua opinião sobre essa proposta e sobre o acordo como um todo?
Reis – Muito tem se falado que o documento aprovado é vago, negativo e insuficiente, mas ainda há muito chão até Paris. Os países têm um prazo para apresentar suas INDC (os industrializados até março e os demais até junho) e até outubro o Secretariado da Convenção vai avaliar se o que os países indicaram é suficiente para, conforme indicou o IPCC, reduzir entre 40% a 70% de emissões até 2050, a partir dos níveis de 2005. Isso é o que precisamos para ter alguma chance de manter o planeta com um aumento de temperatura de até 2º C. Se o que os países indicarem for suficiente para tanto, as negociações tendem a ser mais fáceis. Na verdade, o discurso dos países está mudando, as posturas já são diferentes. A China, que nunca aceitou se comprometer com nada, fez o acordo bilateral com os Estados Unidos de ter um pico de emissões até 2030. É pouco para o clima, mas politicamente importante. Além disso, anunciou que a INDC do país terá metas específicas de redução, embora não se saiba quanto. Os Estados Unidos dizem que reduzirão entre 26% e 28% até 2025. A União Europeia já se comprometeu em reduzir 40% até 2030 e pode aumentar sua meta se os demais também aumentarem. A mensagem é de esperança e mobilização, para cobrar propostas robustas dos governos.
Por: Maura Campanili
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