Desde maio, quando o governo lançou o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), 458 mil propriedades rurais ou posses fizeram o seu cadastro ambiental, indicando em mapas georreferenciados (as propriedades podem ser vistas em imagens de satélite) suas áreas de produção, de proteção e suas Reservas Legais (vegetação nativa protegida).
Na semana passada, o Mato Grosso, que já tinha um sistema próprio de Cadastramento Ambiental Rural, aderiu ao SICAR e iniciou a migração dos 43 mil cadastros que já existem e foram realizados no Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (Sinlam), o CAR estadual. Outros estados com sistemas de CAR próprios devem seguir o exemplo e migrar suas bases de dados para o SICAR, que permitirá a gestão dos Programas estaduais de Regularização Ambiental dentro do sistema. O INCRA também iniciou o cadastramento dos primeiros 758 assentamentos de Reforma Agrária, de um total de mais de nove mil.
O diretor de Fomento e Inclusão Florestal do Serviço Florestal Brasileiro, Raimundo Deusdará Filho, explica que o mais difícil, até agora, foi criar o módulo de validação do CAR: “Foi muito mais complexo do que a gente imaginava”. Desde o ano passado, a sua equipe já treinou mais de oito mil técnicos e lançou um curso à distância sobre o CAR, que pretende capacitar outros 31 mil multiplicadores.
Em entrevista ao Observatório do Código Florestal, Deusdará Filho explica como a ferramenta foi desenvolvida e afirma que não dá mais para “jogar o CAR prá debaixo do tapete”. Para ele, a pressão da sociedade civil e os mecanismos de mercado é que vão tirar o CAR do papel e trazê-lo para a vida real.
Observatório do Código Florestal (OCF) – Como está o desenvolvimento do SiCAR?
Raimundo Deusdará Filho – Desenvolvemos o sistema em módulos, de acordo com a necessidade. Criamos o módulo de inscrição, de gestão do sistema,de auditagem e de análise das informações declaradas. Fizemos primeiro o módulo de inscrição, depois o de validação, as Cotas de Reserva Ambiental, o módulo do Programa de Regularização Ambiental… Fomos seguindo uma linha do tempo.(O módulo de inscrição foi lançado em 05 de maio, quando as inscrições do CAR foram iniciadas. Seguimos uma linha do tempo.
OCF – Mas o PRA não será feito pelos estados?
Deusdará – Entendemos que o PRA é responsabilidade dos estados, mas damos a possibilidade deles fazerem dentro do SICAR, se precisarem. Os estados nos dizem que o CAR está sendo um exemplo de relação federativa. Normalmente o que acontece é que o governo federal descentraliza a obrigação e deixa os estados sem assistência. Sabemos que os Programas de Regularização Ambiental são de competência estadual, mas estamos levando as ferramentas para os estados que tenham interesse.
OCF – Todos os estados usarão o SICAR ou ainda há estados que continuarão com sistema próprio?
Deusdará – Começamos com 12 estados. Entre os que tinham sistema próprio, Rondônia está migrando e integrando 35 mil cadastros ao SiCAR; Pará e Espírito Santo estão integrando e migrando, Tocantins tem sistema próprio, mas já está integrado – hoje você faz o CAR em Tocantins e já sai o recibo integrado. Minas Gerais já está integrado, Acre também. São Paulo está em integração e estamos subindo 43 mil cadastros de Mato Grosso a partir desta semana.
OCF – Como ficou a questão de Mato Grosso? O CAR do estado só tinha APPs…
Deusdará – Já resolvemos. Vamos subir os cadastros para não perder nada e aí vamos fazer uma busca dos dados incompletos. Vamos trabalhando por camadas nos campos obrigatórios que estes CARs não têm.
OCF – Quando o proprietário faz o CAR, ele recebe senha e recibo. Neste caso, como é o estado migrará a base de dados, como o proprietário de Mato Grosso receberá senha e recibo?
Deusdará – Na hora que subir para o sistema, o proprietário vai ser informado e receber o recibo.
OCF – Mas em Mato Grosso todos vão ficar com o CAR pendente por causa da falta de Reserva Legal? (Em MT, o CAR estadual cadastrava apenas APPs)
Deusdará – Não. A gente vai fazer uma análise e avisar ao proprietário que há campos obrigatórios que ele tem que preencher. Para você ter uma ideia, testamos 890 cadastros de Mato Grosso. Houve problemas em 12. Então, não são tantos problemas assim.
OCF – O senhor está preocupado com números, em ter quantidade para poder gerar análise?
Deusdará – Me preocupo com a fertilização do CAR para povoar a base de dados. O número de imóveis nem sempre é uma referência, já a área pode ser uma boa referência. Por exemplo, Acrelândia tem poucos cadastros, mas já preencheu uma área significativa da superfície do município. A Bahia está subindo agora seus cadastros: 35% da área agricultável da Bahia já está no CAR, mas a Bahia tem quantos mil imóveis? A área agricultável que nos interessa ver, já tem 35% na base.
OCF – O CAR está em vigor desde 5 de maio deste ano e até hoje não houve balanço. As informações são escassas, esparsas e até hoje o MMA não havia divulgado nenhum número. O que se sabe veio através das Secretarias de Meio Ambiente estaduais. Por que?
Deusdará – Estávamos esperando esta integração e migração dos estados. Tínhamos dois desafios que são pedras fundamentais do CAR: Mato Grosso e Pará. Foram pioneiros e pagaram o custo do pioneirismo. Estávamos num processo de conquistar a credibilidade de nossa ferramenta, de valorizar o que os estados fizeram, sem perder o que já havia sido feito. Acho que agora estamos no momento de poder fazer isto. Vamos divulgar o primeiro balanço na segunda quinzena de outubro.
OCF – Mas seria possível confirmar alguns números? 10% seria uma percentagem correta de cadastros já feitos?
Deusdará – Sim, 10% de imóveis já fizeram o CAR e mais da metade são pequenos com áreas de até 50 hectares. Posso falar por estados.: No Maranhão, por exemplo, as grandes propriedades estão vindo para o cadastro. Diferentemente de Minas, que tem um volume grande de cadastros de pequenas propriedades. Cada estado tem sua estratégia de implementação: o Rio de Janeiro está usando os comitês de Bacia Hidrográfica, o Acre está usando os postos do Instituto do Meio Ambiente do Acre e o CAR móvel – uma salinha para o CAR nas regionais do Acre. Em Acrelândia, passamos de carro com alto falante avisando que tinha uma equipe do ministério que estava fazendo o CAR. Fizemos 650 CARs debaixo de chuva, numa escola pública.
OCF – Numa escala de um a dez, como o senhor avaliaria a qualidade dos cadastros que já estão dentro da base do SICAR?
Deusdará – É difícil falar no geral. Por exemplo, um conceito que é novo e estamos massificando agora é o de área consolidada, que não existia. Conceito de Reserva Legal existe desde 1934. Todo mundo sabe o que é uma APP (Área de Preservação Permanente), minha filha de oito anos sabe o que é uma APP*. Topo de morro, pantanal… Agora o conceito de área consolidada, que é um ponto nevrálgico – criar este corte atemporal, já que a lei fala de julho de 2008 – é que tem sido problema, porque não houve assimilação do conceito criado pela pela. Não houve absorção. É um conceito complexo também. O que é área consolidada? Este ponto estamos tentando massificar e explicar.* Mas são cadastros de altíssima qualidade. E estamos satisfeitos com a adesão. Tínhamos duas curvas previstas: uma tipo corcova de camelo, que subiria e voltaria a cair ou uma curva que iria subindo e, próximo ao final do prazo, haveria uma explosão. Era esta que a gente queria e é a que estamos vendo. Estamos conseguindo gerenciar o crescimento sem ter problemas de hardware. O Acre, por exemplo, toda sexta-feira, sobe 350 cadastros entre 19h e 23h. Temos uma porta de entrada específica para o Acre. Estamos evitando problemas com o hardware, porque são arquivos pesados Mas a grande sacada foi o off-line, que foi um pedido da ministra Izabella (Teixeira), que disse que não queria depender de Internet. Isto tem ajudado muito. Você chega em Brasiléia faz o cadastro, recebe o protocolo de preenchimento, gera um (arquivo) ponto CAR naquela máquina e quando o proprietário ou posseiro vai à cidade, passa numa lan house, espeta um pen drive recebido pelo técnico no computador e obtém o recibo. Num país em que o celular tem problema, internet tem problema, este sistema off line, que nenhum sistema estadual tem, foi uma grande sacada.
OCF – Ainda há muitos produtores que encaram o CAR como um pedaço de papel e talvez seja por isto que os pequenos estão mais interessados em se cadastrar…
Deusdará – Não tem como jogar o CAR para debaixo do tapete – 99,9% da agricultura brasileira tem algum subsídio. Ou para comprar algum equipamento agrícola, ou para comprar uma enxada ou para comprar um adubo. Na hora que as instituições financeiras e vocês (entidades do OCF) como controle social entrarem cobrando o CAR, ele acontecerá. Está na lei. Em 2017*** haverá suspensão de crédito para quem não tiver o CAR.
Eu tive uma reunião com dois mil arquitetos e engenheiros da Caixa Econômica. A Caixa nos próximos três anos vai passar a ser a terceira maior financiadora de crédito rural do Brasil. São R$ 17 bilhões. E a Caixa já está colocando o CAR como item obrigatório na análise de risco. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) não está deixando de dar crédito, mas está colocando quem tem CAR com um “pontinho” a mais para receber crédito. As empresas de seguro estão reduzindo o deságio para quem tem CAR. Se você não tem CAR, paga um pouco mais de seguro. Estes mecanismos de mercado, muito mais do que a gente – como Estado regulador – vão fazer o CAR acontecer.
OCF – Sobre o controle social, a posição do Observatório do Código Florestal é a de garantir a transparência das informações e a possibilidade de acesso público a informações mais detalhadas. Qual a posição do governo em relação a isto?
Deusdará – A preocupação que eu tenho é garantir a qualquer cidadão a transparência e salvaguarda das informações declaradas. Como servidor público é que posso ser penalizado criminalmente e administrativamente, se revelar informações classificadas como sigilosas. Mas com relação à possibilidade de acesso e à qualificação da informação, temos que saber que tipo de informação e reduzir este efeito perverso de querer muitas coisas e se perder na quantidade de informações. O SICAR foi concebido para ser transparente e possui mecanismos de consulta amplos.
OCF – O problema é político ou técnico? Vocês de fato vão bancar a possibilidade de acesso a informações específicas?
Deusdará – A questão é técnica. Sim, vamos bancar porque é legal.
OCF – Podemos afirmar então que a sociedade brasileira vai ter o maior acesso possível às informações relativas ao CAR? E a Instrução Normativa que está para sair?
Deusdará – Acesso será para a sociedade brasileira, para a parte afetada e para a parte interessada, para Confederações e Cooperativas. A gente quer que isto aconteça, sempre respeitando as informações classificadas como sigilosas.
OCF – Como você vê o monitoramento da sociedade civil da implementação do CAR nos estados?
Deusdará – Apoiamos as iniciativas, mas não queremos só a observação. Queremos participação. A observação com a solidariedade de construção, respeitando os nossos limites, que são os limites impostos pela administração pública.
OCF – Mas o senhor concorda que aumentando a transparência para a sociedade civil esta participação consequentemente avança?
Deusdará – Não só para a sociedade civil, mas para instituições bancárias, cartórios, confederações. A ferramenta pode ser maravilhosa, mas não pode ser só para controle e fiscalização. Precisa ser uma ferramenta de formulação de políticas públicas. Já pensou com esta quantidade de informações? É possível usá-la para fazer uma política pública para conectividade de corredores de vegetação nativa, para nascentes. Você pode ter políticas públicas federais e estaduais com base neste cadastro. Quando isto foi para a área de fomento, a preocupação da ministra era garantir várias utilizações de cadastro e não somente o chicote.
OCF – Como funciona o processo de validação do CAR?
Deusdará – Já está na Instrução Normativa. Como no Imposto de Renda, você pode declarar informações de má fé e correr o risco de cair na malha fina. Você vai receber uma notificação, ser multado ou ter que fazer uma retificação. Todo mundo vai ter CAR. E eles serão ativos, pendentes ou cancelados.
A diferença é que na Receita o crime de sonegação fiscal prescreve em cinco anos. No caso do CAR, não há prazo para pegar.
OCF – Pensando em termos de Amazônia, a demanda para análise será enorme, não?
Deusdará – Foi por isto que desenvolvemos um módulo de análise, que é 99,9% automatizado.
OCF – Então vai ser possível negar o CAR de alguém que tente cadastrar uma propriedade 100% dentro de uma terra indígena, já que o sistema vai saber disto na hora?
Deusdará – Só vamos saber que você existe, quando você subir o seu CAR no sistema. Você precisa fazer o CAR, nós precisamos te ver. Você pode até saber que está na terra indígena, mas e se não souber? E se já estivesse na Unidade de Conservação quando ela foi criada? Precisamos que o proprietário ou posseiro venha para a base e na hora que vierem serão submetidos aos filtros automáticos.
OCF – Mesmo automatizado e mesmo tendo técnicos capazes de ver o problema, a responsabilidade de cancelar o CAR ainda é dos estados, não é?
Deusdará – Sim, estamos ofertando esta ferramenta para que no final ele só tenha que dizer: concordo com a localização da Reserva Legal. Na medida que se automatiza, a responsabilidade é tirada do técnico. Tudo tem que ser padronizado, até a análise técnica. E alguns estados pediram para que haja um extrato na qual será possível identificar que técnico foi responsável por cada parte da análise. Até isto o sistema faz.
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* Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
* *área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica (pelo homem) preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;
* **O Código Florestal estipula que proprietários só poderão receber crédito rural a partir de 2017 – cinco anos após a sanção do novo Código Florestal, se tiveram CAR.
Fonte: Observatório do Código Floresta
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