Fazer com que a floresta tenha mais valor em pé do que desmatada é o grande desafio de quem planeja o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Na prática, não é fácil romper com o ciclo predatório que começa com a grilagem de terras públicas e continua com o desmatamento e a ocupação por monoculturas ou gado.
Mas há boas notícias. Movido pelo legado do ex-líder seringueiro Chico Mendes, o Estado do Acre tem se tornado um laboratório para políticas públicas que fornecem incentivos para a manutenção da floresta, como o pagamento por serviços ambientais, subsídios para produtos amazônicos, como a borracha, o açaí e o pirarucu e a negociação, no mercado internacional, de créditos de carbono oriundos de programas de REDD (sigla em inglês para redução das emissões por desmatamento e degradação florestal).
Segundo o conceito do REDD, que foi apresentado durante a Cúpula do Clima da ONU em Milão, em 2003, os países em desenvolvimento com florestas tropicais que conseguissem reduzir suas emissões de gases de efeito-estufa decorrentes do desmatamento poderiam receber compensações financeiras correspondentes às emissões evitadas. Após ter elaborado um arcabouço legal ao longo da última década, o Acre firmou os primeiros contratos de venda de crédito de carbono em 2012, com o banco de desenvolvimento alemão KfW. No total, serão € 25 milhões em desembolsos ao longo de quatro anos, e os recursos começaram a ser pagos no ano passado. Hoje, esse dinheiro responde por uma parte do pagamento de subsídios aos seringueiros – uma forma de o Estado incentivar culturas tradicionais como a da borracha, que perdeu terreno, nos últimos anos, para a pecuária extensiva, com forte pressão sobre a floresta.
“Estamos fazendo a transição do modelo econômico tradicional de gado e monocultura na Amazônia para uma lógica que enxerga a floresta como produtiva e provedora de serviços ambientais, imprescindíveis para quem vive no campo e nas cidades”, diz Alberto Tavares, diretor presidente da Companhia de Desenvolvimento de Serviços Ambientais do Acre (CDSA), empresa de natureza público-privada que administra os ativos ambientais do Estado.
O caminho, contudo, ainda é cheio de dificuldades. Embora tenha hoje 89% de seu território com cobertura florestal, sendo 49% resguardados em áreas protegidas por lei (como unidades de conservação, reservas extrativistas e terras indígenas), o Acre ainda sofre com a grilagem de terras e se esforça para intensificar as práticas de agricultura e pecuária na parcela de 13% do território que hoje é composto por terras já degradadas. A recente ampliação e o asfaltamento do trecho acreano da BR-364, que ligará a capital Rio Branco ao município de Cruzeiro do Sul, no extremo Norte do Estado, acendeu o sinal de alerta para o avanço sobre a floresta.
“Na Amazônia, quando se abre uma estrada, o desmatamento vem logo em seguida, e depois o gado. No Acre há ainda o agravante de que os movimentos sociais são pouco atuantes e os bancos não possuem políticas de crédito voltadas para o segmento agroflorestal”, diz Ricardo Mello, coordenador adjunto do Programa Amazônia do WWF-Brasil.
A ONG, em um trabalho conjunto com o governo do Estado, tem apoiado várias cadeias produtivas sustentáveis na região, como o açaí e a borracha, e ajudado a trazer parceiros externos para financiar as iniciativas de proteção da floresta. Uma delas é com a rede de TV a cabo britânica Sky, que destinou R$ 3,8 milhões, a maioria de doações de seus assinantes, para um programa no raio de influência da BR-364 que pretende proteger um bilhão de árvores.
Na prática, foi criado o projeto de certificação de propriedade sustentável que paga às famílias benefícios entre R$ 500 e R$ 600 por ano para que não desmatem suas propriedades, nem utilizem fogo nos roçados, ajudando a prevenir os incêndios florestais tão comuns na região. Até o ano passado, 1.239 famílias estavam inscritas no programa, que conta também com serviços de extensão rural e assistência técnica aos produtores, prestados pela Secretaria Estadual de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar do Acre (Seaprof).
Os agricultores da floresta, que utilizam suas terras para produzir itens de subsistência como mandioca, milho, feijão e frutas, aprendem técnicas como o uso da mucuna, uma leguminosa que fornece nutrientes e evita a degradação do solo. E são convencidos a tirar proveito dos recursos naturais já disponíveis nas áreas em que vivem, como os açaizeiros, as seringueiras e os açudes coalhados de peixes amazônicos, como o pirarucu e o tambaqui.
“Nossa abordagem é para convencer os produtores de que podem tirar seu sustento não só dos roçados e do gado, mas também dos recursos que a floresta oferece. Ao mesmo tempo, eles se comprometem a recuperar nascentes e as áreas desmatadas”, explica Edvilson Gomes, técnico da Seaprof no município de Feijó, a 350 km de Rio Branco. “As pessoas querem voltar para o seringal e tirar o látex, querem achar um comprador para o açaí e se orgulham de ter mata em suas terras”, diz.
Por: Andrea Vialli
Fonte: Valor Econômico
http://amazonia.org.br/2014/10/acre-testa-politicas-de-uso-sustentavel-da-floresta/
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