A nova versão do Estudo do Componente Indígena (ECI) incluído no projeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, aponta 14 impactos negativos à população indígena que vive na região que será afetada pela usina, sendo que seis deles são considerados irreversíveis por técnicos do governo que tiveram acesso ao material.
Além disso, o estudo de 309 páginas elaborado sob a coordenação da Eletrobras, ao qual o GLOBO teve acesso, indica que terras indígenas serão diretamente afetadas com o alagamento por consequência da barragem, o que tornaria o empreendimento inviável do ponto de vista ambiental, segundo esses técnicos.
A primeira versão do ECI apresentada à Funai, com apenas 121 páginas, foi recusada pela entidade indigenista poque “não respondia a questões primárias”. Um novo estudo foi elaborado, portanto, e entregue ao Ibama no dia 9 de setembro e, três dias depois, remetido à Funai, que deve apresentar uma análise preliminar desse material em breve. Procurada, a Funai informou que só irá se manifestar após a conclusão dessa avaliação preliminar.
Entre os impactos diretos aos índios apontados pelo estudo como de “alta magnitude” estão a perda de recursos alimentares, como caça e pesca, e possibilidade de aumento da incidência de doenças nas terras indígenas. Os dados preveem, ainda, aumento do fluxo migratório com interferência direta nas etnias e maior pressão sobre a extração de recursos naturais. No total, são seis as áreas indígenas que sofrerão impactos da obra e da operação da usina. A principal etnia afetada é a dos mundurukus.
O estudo do componente indígena aponta a necessidade de remoção de 85 a 200 pessoas de apenas uma área indígena chamada de Boa Fé, que sofrerá com os alagamentos. O levantamento justifica essa imprecisão alegando a “transitoriedade dos indígenas”.
Na avaliação de técnicos, esses pontos indicam que o reservatório da usina de São Luiz do Tapajós claramente está dentro das reservas indígenas, o que seria inconstitucional segundo o artigo 231, parágrafo 5º da Constituição Federal.
Esse parágrafo prevê que “é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ‘ad referendum’ (com aval) do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”. A construção da hidrelétrica, portanto, não está incluída nessas previsões.
Especialistas que tiveram acesso ao ECI também apontam que os índios afetados teriam sido ouvidos apenas fora das terras indígenas. O ECI informa que “as manifestações diretas dos mundurukus foram coletadas junto a indivíduos e lideranças da etnia que se propuseram a conversar e participar de entrevistas informais fora de suas terras e em locais sempre determinados por eles”. O texto ainda reconhece “restrições de acesso as áreas indígenas”.
Procurada, a Eletrobras informou que, enquanto coordenadora do Grupo de Estudos Tapajós, concluiu e encaminhou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) ao Ibama seguindo as orientações do órgão ambiental. “No momento, o documento e seus anexos estão em análise pelas instituições participantes do licenciamento e, por isso, a Eletrobras não vai se manifestar sobre a documentação em análise.”
O leilão da usina de São Luiz do Tapajós foi previsto para 15 de dezembro em portaria do Ministério de Minas e Energia do dia 12 de setembro, mas foi revogado na semana seguinte, exatamente para aperfeiçoamento dos estudos de impacto sobre as etnias indígenas. A usina seria a maior a ser leiloada no governo Dilma Rousseff, com previsão de orçamento de R$ 30,6 bilhões.
Na quarta-feira, em evento em Brasília, o diretor de geração da Eletrobras, Valter Luiz Cardeal, que está à frente dos estudos perante o Ibama, previu para o início de 2015 o leilão da usina de São Luiz do Tapajós.
Porém, um executivo de uma das nove empresas que fazem parte do Grupo de Estudos do Tapajós reconhece que as discussões socioambientais em torno do empreendimento devem ser feitas com cuidado, para evitar uma oposição mais forte de ambientalistas e das populações afetadas, como ocorreu em Belo Monte.
– O leilão só deve acontecer quando todos os estudos necessários estiverem prontos e aprovados – disse esse executivo.
Por: Danilo Fariello
Fonte: O Globo
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