Desde que a derrubada de árvores na Amazônia Legal atingiu o pico de 27,7 mil km2, em 2004, e colocou o país no centro da pressão ambientalista, os números da destruição da floresta caíram ano a ano e contribuíram para uma posição confortável do governo nas negociações climáticas globais. Mas os últimos dados oficiais de satélite consolidados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) confirmaram uma suspeita já levantada mensalmente pelo sistema em tempo real: a retomada do desmatamento na região.
Entre 2012 e 2013, a taxa da devastação subiu 29%, no total de 5,9 mil km2, área equivalente a quatro vezes o território da capital paulista. Com um alerta: segundo analistas, uma inversão da tendência de queda verificada na última década poderá comprometer futuras metas da política brasileira sobre mudança do clima.
Para compensar o aumento dos gases do efeito-estufa resultantes da degradação da floresta, o arrocho para o corte de carbono poderá recair sobre a indústria e a geração e uso de energia, na perspectiva de um novo acordo climático global pós-2015, com compromissos obrigatórios também para os países emergentes. Os últimos dados científicos que apontam um recorde de emissões de carbono no planeta mobilizam pressões para objetivos mais ambiciosos e abrangentes. Graças principalmente ao declínio do desmatamento, o Brasil já cumpriu dois terços da meta voluntária de reduzir gases estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020, em relação ao que emitiria se nada fosse feito.
“A retomada do desmatamento não tem apenas um vilão; é fruto de várias dinâmicas que ocorrem na região”, analisa Mario Monzoni, diretor do Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. A saída, segundo ele, está nas mudanças produtivas na agropecuária, com recuperação de pastagens e outras áreas degradadas a partir do Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), monitorado pela instituição, com apoio da Climate and Land Use Alliance (Clua).
Há 15 milhões de hectares de áreas já degradadas que podem ser reutilizadas na Amazônia, sem necessidade de derrubar mais árvores. “Mas hoje 70% do crédito liberado com essa finalidade se destina a outras regiões do país, como Sudeste e Centro-Oeste”, adverte Monzoni, para quem o país deve se preparar porque as cobranças globais sobre emissões de carbono “ficarão sérias a partir de 2020″.
Até o fim da década, a meta voluntária brasileira é a redução do desmatamento em 80%, em relação à média entre 1996 e 2005, conforme estabelece o Decreto 7390/2010, que regulamentou a Política Nacional sobre Mudança do Clima. O objetivo já foi superado, mas a atual virada dos números mostra que o futuro é incerto.
“A política de controle passará pelo grande teste dos impactos de megaprojetos, como hidrelétricas e portos para escoar produção de minérios e grãos por rios amazônicos com menor custo de logística”, prevê Monzoni.
Os recentes números da perda florestal expõem a complexidade do tema e acendem o debate sobre o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDAm), criado pelo governo federal em 2004 como resposta ao quadro alarmante da época. A primeira etapa priorizou o comando e a vigilância, com operações policiais de grande porte, avanço no sistema de monitoramento por satélite e uma lista negra dos municípios que mais desmatam, sujeitos a embargos comerciais e restrições de acesso a recursos.
Em 2008, o Banco Central condicionou a regularidade ambiental e fundiária ao financiamento agropecuário no bioma Amazônia. Na atual fase do plano, a terceira e última, prevista para terminar em 2015, o alvo é a melhoria do controle e o fomento a atividades produtivas sustentáveis, ainda pontuais e de pequena escala, incapazes de competir com modelos predatórios.
“Os pontos positivos são inegáveis, mas os ganhos na redução do desmatamento são frágeis, porque as ações no contexto social e econômico ligado à conservação da floresta têm sido pouco eficientes para inverter a lógica da degradação”, avalia Marco Lentini, coordenador do Programa Amazônia do WWF-Brasil. Ele ressalta que avanços como a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) pelas propriedades, como determina o Código Florestal, não devem ser efetivados no curto prazo devido às mudanças de gestão nos governos estaduais.
“A redução do desmatamento em determinado território, como medida única, não significa o direcionamento rumo a um contexto de sustentabilidade”, pontua o consultor Guilherme Abdala, ex-coordenador de monitoramento do Ibama, em documento encomendado pelo WWF para subsidiar a replicação da política brasileira nos demais países amazônicos. “Apesar dos bons resultados, não há garantia de que a curva de decida do desmatamento seja retomada, nem que haja proteção definitiva da floresta por meio de atividades econômicas sustentáveis”, ressalta Abdala.
Para ele, “as metas do PPCDAm são vulneráveis a movimentos, inclusive dentro do governo, para flexibilizar o Código Florestal, diminuir unidades de conservação e terras indígenas, alterar a legislação sobre exploração mineral e ainda estimular projetos de grande impacto, como hidrelétricas”.
Em resposta, Juliana Simões, gerente de projetos do departamento de políticas para o combate ao desmatamento, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), alega que “após a drástica redução dos números, há menos gordura a cortar e a oscilação da taxa já era esperada quando chegássemos ao atual patamar”. A proposta é prorrogar o plano, com uma agenda positiva de incentivos para dar escala à economia florestal.
O Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES com dinheiro da Noruega, tem hoje R$ 860 milhões de recursos comprometidos para 55 projetos, dos quais R$ 262 milhões – equivalentes a 0,07% do PIB regional- foram efetivamente desembolsados.
Até o fim do ano, informa Juliana, o MMA deverá criar uma alternativa de governança em substituição à moratória da soja. O mecanismo original de controle, criado em 2006 pela associação das empresas do setor com apoio de ONGs para restringir o comércio de grãos oriundos de áreas desmatadas, será encerrado em dezembro.
Para Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, não bastam medidas emergenciais de comando e controle. São necessárias ações estruturantes, como regularização fundiária e combate à grilagem de terras públicas, principal nó do desmatamento. “A insegurança sobre posse de terras afasta investimentos”, explica Barreto, ao reforçar que “não adianta fomentar atividades sustentáveis se o ambiente para negócios está ruim”.
Em sua opinião, a especulação fundiária é protegida pelo governo, que vende terras públicas a grileiros abaixo do valor de mercado. O baixo custo induz o produtor à exploração ineficiente e predatória, até esgotar o solo e partir para a abertura de novas frentes. Segundo Barreto, a arrecadação de Imposto Territorial Rural (ITR) no Pará foi de R$ 5 milhões, em 2011. Mas o potencial de receita seria de pelo menos R$ 271 milhões, se considerado o valor de mercado dos imóveis – conta conservadora, pois abrange amostra de apenas um terço das propriedades cadastráveis no CAR.
O avanço da degradação não está associado ao comportamento do mercado de commodities, como ocorria antes. Pela análise de Barreto, a partir de 2005 o valor da produção agropecuária, em curva crescente, se descolou dos números do desmatamento, em queda. Mas a tendência, enfatiza o pesquisador, não elimina a necessidade de controle do gado em toda a cadeia produtiva.
Após o pacto entre Ministério Público Federal, pecuaristas e empresas para reduzir o desmatamento, o BNDES estabeleceu regras para liberar crédito ao setor. A partir de julho de 2014, no mínimo 75% do gado comprado por frigoríficos deverá apresentar garantia de que foi rastreado por três anos. A medida permite controlar a adoção de práticas sustentáveis, com obediência às leis ambientais, nas fazendas de engorda.
Por: Sergio Adeodato
Fonte: Valor Econômico
VER MAIS EM: amazonia.org.br (disponível em: setembro 2014)
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