A Justiça Federal no Mato Grosso suspendeu novamente o licenciamento da usina São Manoel, no rio Teles Pires, a pedido do Ministério Público Federal (MPF) dessa vez pelo descumprimento da obrigação da consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A ordem judicial dá prazo de 90 dias para que o governo realize a consulta, que deve abranger os povos indígenas Kayabi, Apiaká e Munduruku, todos afetados diretamente pelo empreendimento. A barragem de São Manoel está planejada para menos de um quilômetro dos limites da Terra Indígena Kayabi, vai afetar as aldeias Munduruku do Teles Pires e são previstos impactos severos sobre populações de Apiaká em isolamento voluntário. Para o MPF, o licenciamento tem graves irregularidades.


Essa é a quinta vez que usina é paralisada por desrespeitar direitos das populações atingidas. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) chegou a informar à Justiça, erradamente, que tinha sido feita consulta prévia para São Manoel. “A mera divulgação da decisão de realizar a a obra aos povos afetados não se confunde com o direito de consulta previsto na Convenção 169 da OIT. Houve violação do direito fundamental de consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas afetados pela UHE São Manoel”, afastou o juiz Ilan Presser da 1ª Vara Federal de Mato Grosso.

O juiz afirmou que, com a liminar, “impede-se que as questões discutidas nos presentes autos se resolvam em futuras compensações meramente patrimoniais, diante da irreversibilidade da construção do empreendimento, com a consumação de um etnocídio, culminando-se em crônica de uma tragédia anunciada”.

O direito das comunidades indígenas de serem consultadas quanto ao aproveitamento dos recursos hídricos em suas terras também tem previsão constitucional, no artigo 231 da Constituição Brasileira. A mesma previsão consta na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, nos seus artigos 19 e 32, em que é reiterada a necessidade do consentimento livre, prévio e informado dos povos antes de os Estados tomarem decisões que possam afetar seus interesses.

A liminar cita a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em diversos casos, reafirma a necessidade de materializar os direitos de consulta e participação dos indígenas mediante consentimento prévio e informado. Para o juiz, o sentido da Convenção 169 e da Constituição brasileira é de, a partir do exercício do direito de consulta, seja permitida a preservação e fomento do multiculturalismo; e não a produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos povos indígenas.

“O Estado brasileiro decidiu construir a UHE São Manoel. O Ibama já concedeu a licença. E, antes dessa decisão, manifestamente relevante para as comunidades afetadas, não houve a observância do direito de consulta. Do cotejo do comportamento do Brasil com a jurisprudência da CIDH, fica autorizada a conclusão de que o descumprimento do direito de consulta livre, prévia e informada pode, inclusive, gerar a condenação da República Federativa do Brasil em instâncias internacionais”, diz a liminar.

Processo nº 0014123-48.2013.4.01.3600
Íntegra da Liminar
Íntegra da ação

FONTE:
Ministério Público Federal no Pará  /  Assessoria de Comunicação

Ministério Público Federal no Mato Grosso  /  Assessoria de Comunicação