“O Rio de Janeiro só elegeu índios, cantores e locutores de rádio”, bradava, em abril de 1983, o general João Baptista Figueiredo, último ditador, ao repetir a velha crítica de que o brasileiro “votava mal” e não estava “preparado” para as eleições diretas. Naquele ano, o cacique xavante Mário Juruna tomara posse como deputado federal pelo PDT fluminense. Desde quando Juruna, ridicularizado pelo governo e pela mídia, deixou o Congresso, no fim de 1986, nunca mais o Brasil teve um índio no Parlamento.
Talvez a história mude neste ano. Em março, reunidos em assembleia na reserva de Raposa Serra do Sol, em Roraima, os tuxaua (caciques) das diversas etnias da região (macuxi, wapichana, taurepang, ingarikó, wai-wai, ianomâmi, patamona, sapará e yekuana) deram a ordem: índio vota em índio. A estratégia é eleger dois representantes: um deputado federal e um estadual. “Os políticos dizem representar a população de Roraima, mas só representam os povos não índios”, critica Aldenir Wapichana, candidato à Câmara Federal pelo PT. O outro indígena em campanha ungido pelos caciques, Mário Nicácio Wapichana, sairá a deputado estadual pelo PcdoB. Com 49,6 mil moradores que se declaram indígenas entre os seus 450 mil habitantes, de acordo com o último Censo do IBGE, Roraima é proporcionalmente o estado com a maior população indígena no País.
Na última eleição, um candidato indígena, Eliésio Cavalcante (PT), virou prefeito em Uiramutã. Para conseguir uma vaga na Câmara Federal, é preciso, porém, que Aldenir Wapichana obtenha ao menos 14 mil de um total estimado de 22 mil eleitores indígenas. A maior dificuldade, diz, é conseguir chegar às comunidades para fazer campanha. “Às vezes não tem carro, às vezes falta combustível.”
As eleições deste ano são as primeiras em que se disponibilizou o perfil étnico dos candidatos, e assim se constata a absoluta maioria de brancos em busca de um cargo público, em proporção superior à da população. Segundo os dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, dos 25.366 inscritos para concorrer aos cargos de presidente e vice, governador e vice-governador, senador, suplentes e deputados federais e estaduais, 13.958 (ou 55,03%) declararam-se brancos. Os negros somam 9,24%, os amarelos 0,46% e os índios, 0,32%.
Roraima tem apenas 1,1% de candidatos indígenas ante 37,83% de brancos. De qualquer forma, esta parece ser a eleição com um maior número de índios candidatos desde a volta das eleições livres. Ao todo, dos 79 candidatos autodeclarados indígenas, 29 concorrem a vagas no Congresso. Até mesmo São Paulo possui um, Kaká Werá, que disputa um posto no Senado pelo PV.
Há uma tentativa de se criar cotas para indígenas no Congresso por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e prestes a ser apreciada pelo plenário da Câmara. A PEC cria quatro vagas de deputados federais a serem preenchidas exclusivamente por índios. “No nosso sistema político, com a prevalência do poder econômico e de regras como o cociente eleitoral, eles jamais terão condição de vir ao Congresso como representantes eleitos”, afirma o deputado petista Nilmário Miranda, autor da proposta.
Os índios decidiram, no entanto, não esperar e resolveram desafiar por conta própria o vaticínio. “Não acho que os índios deixaram de se candidatar ao Congresso por desinteresse. Eles nunca tiveram no foco da tensão como agora e nunca estiveram tão organizados”, opina o antropólogo Henyo Barretto Filho, diretor do Instituto Internacional de Educação do Brasil. “Mário Juruna foi eleito pelo Rio de Janeiro e fundamentalmente por causa do apoio do PDT de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Hoje nenhum dos candidatos indígenas goza de forte apoio partidário, mas, por outro lado, contam com os votos dos próprios índios e de brancos que entenderam que esta causa não é só dos índios”, aposta.
O perfil dos candidatos se diferencia do pioneiro Juruna. Enquanto ele mal sabia se comunicar em português, Aldenir Wapichana possui o ensino médio completo e se especializou em redes sociais. O cacique guarani-caiová Ládio Veron, candidato a deputado federal pelo PSOL de Mato Grosso do Sul, estudou História na Universidade Federal da Grande Dourados. Mas a principal diferença, concordam, é o apoio que passaram a ter. “Juruna trabalhava muito só. Hoje a gente tem aliados”, diz Veron.
A possibilidade de ter um novo ou novos Jurunas no Congresso, à primeira vista, aponta para a possibilidade de eles servirem como contraponto ao forte lobby ruralista. Mas os candidatos surpreendentemente não elegem o setor como seu principal adversário. O alvo é o governo petista.
“O PT decepcionou os índios”, critica Veron. “Esperávamos muito porque a promessa era grande.” Os guarani-caiová sofreram diversos ataques de fazendeiros durante o governo Dilma Rousseff – o próprio Veron foi ameaçado de morte –, mas a presidenta só recebeu representantes das etnias após os protestos de junho de 2013. Até o petista Aldenir Wapichana tem críticas. “O governo ficou um pouco a desejar, faltou conversa.” Se reeleita, Dilma que se cuide, as flechas partirão na direção do Palácio do Planalto. E se a estratégia indígena der certo, virão de bem perto.
* Reportagem publicada originalmente na edição 815 de CartaCapital, com título “Na grande taba”
Por: Cynara Menezes
Fonte: Carta Capital
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