O ferro é o minério mais produzido, comercializado e usado pelo homem. O preço de referência no mercado internacional é medido pelo teor de hematita, que é o ferro puro. O índice é de 62% de pureza. Os compradores pagam prêmios pelo minério que tem teor acima desse valor e descontam no preço quando a mercadoria está abaixo.
A antiga Companhia Vale do Rio Doce, estatal privatizada em 1997, sempre ganha prêmios porque a média de hematita contida no minério que vende é de 64%. Os ganhos, em média, têm sido de 3,50 dólares por tonelada (US$ 1,75 por cada acréscimo de 1%). A principal garantia dessa qualidade por longo prazo é dada pela província mineral de Carajás, no Pará. Quando a lavra foi iniciada, em fevereiro de 1985, os depósitos de minério eram calculados em 18 bilhões de toneladas da maior concentração de minério de ferro de alto teor do planeta, com 67%.
A Vale não informa quanto dessa jazida já foi extraído. Seu objetivo é extrair cada vez mais. Passando da mina situada ao norte da serra de Carajás, onde operou até agora, a empresa vai iniciar, no próximo ano, a lavra no depósito ao sul. Agregará 90 milhões de toneladas à produção atual, de 130 milhões de toneladas de minério de ferro, quase integralmente destinado à exportação. Significa que a cada cinco anos exportará um bilhão de toneladas, deixando quase 300 milhões de toneladas de rejeito. Em meio século, irá chegar próximo da exaustão do minério de ferro sem igual no mundo.
Esse é um dado chocante: a Vale está disposta a sacrificar tal patrimônio – inigualável e não renovável – para manter sua posição de liderança no mercado transoceânico de minério de ferro. Estará no topo, Independentemente da ação dos competidores e das flutuações, instabilidades e crises no mercado, porque tem Carajás. Mas condenará o Brasil a continuar a ser um mero exportador dessa commodity. Sua posição de líder em mineração de ferro contrastará com sua condição secundária no mercado siderúrgico. Excelente vendedor de minério e péssimo produtor de aço – graças, principalmente, ao poder da Vale.
Na semana retrasada a empresa promoveu uma sessão de marketing na sua sede, no Rio de Janeiro, para anunciar sua disposição de ir além dos prêmios regulares pagos pelos compradores internacionais pelo teor de hematita na rocha. A Vale quer agora estabelecer um índice específico para o minério de Carajás, justificado por sua pureza sem paralelo. Esse índice, de 65%, poderia conviver com o que já é adotado há muitos anos, de 62%, embora este seja um grande desafio para quem age na ponta menos forte da linha, apesar de todos os seus títulos de mineradora.
Se for bem sucedida, a Vale acrescentará alguns bilhões de dólares ao seu faturamento. Essa tem sido uma busca obsessiva para a empresa, que tem tido problemas de liquidez e vê seu valor despencar, junto com a depreciação das suas ações. É o efeito da megalomania que a assolou durante boa parte do decênio em que esteve sob o comando de Roger Agnelli. Ele expandiu como nunca a área física e a multiplicidade de iniciativas da companhia pelos cinco continentes. O custo dessa estrutura alongada está sendo cobrado.
É por causa dessa nova diretriz que a empresa estabeleceu que a partir de 2018 o seu produto deverá atingir um teor de ferro de 65% diante dos 64% atuais. Esse enriquecimento será possível graças à entrada em operações de Serra Sul de Carajás e a uma nova jazida em Minas Gerais, que incrementará a produção em 26 milhões de toneladas por ano. Esse acréscimo de um ponto percentual no teor poderia se traduzir em US$ 1 bilhão adicional de lucro operacional.
Carajás possibilita a produção de minério a até 67%, mas chegar a esse índice seria supina insensatez. Pelo contrário: o recomendável é a redução e não a elevação do teor de hematita. Essa medida poderia acarretar ganhos menores e dificuldades a curto ou mesmo médio prazo, mas seria uma iniciativa de grande significado a longo prazo. Principalmente se uma política de governo rompesse o círculo vicioso estabelecido pela Vale, de não se estender ao aço.
A tendência dominante no mercado é da redução do teor das minas em atividade, que exauriram seus melhores veios ou se utilizam depósitos pobres. É uma direção contrária às exigências mundiais de melhor qualidade do minério para evitar poluição e consumo de energia. A Vale é das raras mineradoras que se manterá imune a esses efeitos negativos.
Carajás é fator de tal peso na economia mineral do mundo que a Vale está fazendo em Serra Sul o maior investimento de toda a história da mineração, em dimensão que supera o projeto original. Mesmo aplicando 30 bilhões de dólares, o retorno do capital é garantido e será célere. O custo de produção do minério embarcado no porto da ponta da Madeira, em São Luiz do Maranhão, abaixo de US$ 22 e deverá continuar a cair por uma combinação de fatores, desde a amortização dos investimentos até melhoria tecnológica e escala de produção. O valor equivale ao custo do frete até a China, onde é desembarcado a custo que corresponde à metade do valor pago pelo comprador. Também o peso do frete poderá ser reduzido com a livre operação dos maiores navios graneleiros do mundo, da frota da Vale, os Valemax. Lucro de mais 50%, portanto.
Lucro ainda maior tem a China. Responsável por 30% da produção siderúrgica mundial e com seu consumo ainda em expansão, a China voltou a pagar 100 dólares pela tonelada de minério de ferro não só para manter seu suprimento como, certamente, para formar reservas estratégicas do filé mignon mineral. Como aconteceu com o manganês do Amapá, acumulado ao longo dos anos para ser misturado com o minério de menor teor, mantendo uma média aceitável para o detentor desses depósitos nos Estados Unidos, montanhas de ferro de Carajás surgirão na China graças a essa política colonial de exportação imoderada de minério rico.
A China vai ganhar muito na sucessiva transformação da matéria prima até aços especiais e outros produtos finais de maior valor agregado. Graças à pureza de Carajás, seus altos fornos consumirão menos carvão como redutor e necessitarão de menos energia.
O carvão mineral é responsável por mais de dois terços da energia gerada na China, causando grave poluição, que já se espalha além das fronteiras nacionais. Está se tornando um problema diplomático cada vez mais complicado. A alternativa hidrelétrica não se tem desenvolvido na medida das necessidades do país. Uma das soluções é ir buscar uma fonte energética, materializada na forma de minério, a mais de 20 mil quilômetros de distância, na colônia paraense. Até quando?
POR: LÚCIO FLÁVIO PINTO
Lúcio Flávio Pinto é jornalista, sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém/PA desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras.
FONTE : http://amazoniareal.com.br/carajas-orgia-mineral-empobrece-o-para/
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