Nada de escritores. Foi um xamã e líder ianomâmi o protagonista da mesa “Marcados” na tarde desta sexta-feira (1) na 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Davi Kopenawa dividiu cena com Claudia Andujar, que é fotógrafa. Falaram sobre a questão indígena e Amazônia. O pajé criticou garimpeiros, fazendeiros e trabalhadores rurais. Pediu apoio à causa, culpou o governo federal e disse estar trabalhando “para não morrer outra vez o nosso povo”. Segundo a mediadora do encontro, a jornalista Eliane Brum, Kopenawa tem recebido ameaças de morte. “Chegaram avisos de que ele não alcançará vivo o final deste ano”, afirmou.

O líder Yanomami Davi Kopenawa – Foto: Hélio Carlos Mello – INTERNET

Os aplausos foram mais intensos antes do princípio do que após o término do encontro. Quando Kopenawa chegou ao palco, foi muito bem recebido. Durante as palmas iniciais, três mulheres se levantaram. A empolgação, no entanto, diminuiu pouco a pouco. Não ajudou muito a primeira proposta da mediadora. Ela pediu ao xamã que contasse a história do mito indígena da “queda do céu” (o fim do mundo, em resumo). E que contasse, primeiro, em ianomâmi; depois, em português. Ele obedeceu.

Em outro momento, Claudia Andujar exibiu um vídeo com imagens feitas em tribos. Durou 17 minutos – e menos de cinco após o começo, 20 pessoas já haviam deixado a tenda dos autores.

Mas, em seguida, o debate passou a render mais aprovação. Foi quando a mediadora perguntou o que “os não índios” podem fazer para ajudar a evitar “uma nova queda do céu”. “Agora é a hora de vocês, não índios, nos ajudarem. Ajudar a defender, ajudar a preservar a natureza, a fonte do rio, as águas”, começou Kopenawa, falando em português com pouco sotaque.

“Quero que vocês pensem na tristeza que acontece nos povos indígenas do Brasil. Chegaram aqui, mataram, derrubaram nossa floresta, destruíram, fizeram a casa, fizeram a cidade e rasparam a pele da terra, estragaram os nossos rios, nossas águas, vieram as doenças, gripe, tuberculose, sarampo, câncer agora está chegando…”

Por fim, concluiu: “Nós, indígenas, somos poucos. Quero que vocês deem apoio para nós, para não deixar acontecer como aconteceu. Quem estragou? Foi o governo federal. Vamos cobrar o erro do governo brasileiro, para não fazer mais o mal da gente”.

Morte no holocausto

Depois disso, Claudia também teve o seu momento, cerca de uma hora após o início da mesa. Ao responder uma pergunta sobre o porquê de seu interesse pelos ianomâmis (ela já viveu com eles durante muito tempo), fez quase um resumo de seu passado.

“Durante toda a minha vida, procurei uma identidade. Quando eu tinha 13 anos, morava na Transilvânia, que na época era Hungria, hoje é Romênia. Vi a entrada dos nazistas e a morte de todos os meus parentes, com a exceção da minha mãe, que nã era judia”, explicou.

“Quando se formaram os guetos, mandaram todos os judeus para os campos de concentração. Me escondi na casa da minha mãe. Isso deixou um trauma muito grande na minha vida. Porque todas as pessoas que eu conhecia, que eu gostava, meus amigos morreram, dentro de dois meses.”

Claudia contou que chegou a morar na Suíça e nos Estados Unidos, antes de chegar ao Brasil. “Fiquei aqui, porque eu me senti em casa.” Conheceu os ianomâmis ao fazer um trabalho para a revista “Realidade”, em 1970. “Deixei São Paulo, deixei tudo, fui viver entre os índios ianomâmi. Eu me encontrei lá. Entre os ianomâmis, não tinha a dominação, como sempre tem entre a população não indígena, os brancos, um querendo dominar o outro. Tudo isso mexeu muito comigo. Me encontrei como pessoa.”

TEXTO COMPLETO EM : G1 – Após ‘ameaça de morte’, líder indígena fala na Flip sobre Amazônia – notícias em Flip 2014 (globo.com)