Na região do Alto Envira na fronteira com o Peru, os três grupos de índios isolados avistados em 30 anos de pesquisas foram denominados pela Funai como o povo da cabeceireira do Riozinho, o povo do Rio Xinane e o povo do Rio Humaitá. Há um quarto grupo isolado no Acre que é denominado de Mashco-Piro. Com o contato na aldeia Simpatia, a fundação tenta qualificar os índios desconhecidos por meio de interpretes para que haja maior conhecimento do grupo e sua língua.
A Funai diz que a Politica de Proteção aos Índios Isolados tem como premissa não fazer o contato para respeitar a autodeterminação dos povos. O objetivo é realizar o trabalho de proteção territorial com a presença deles. No entanto, é previsto ações de intervenção – como planos de contingência – quando o grupo indígena isolado procura estabelecer o contato.
Na aldeia Simpatia, onde ocorreu o contato, vivem ao menos 70 índios Ashaninka, sendo a maioria mulheres e crianças. A comunidade está localizada na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, regularizada pela Funai com 232.795 hectares. Na reserva existem seis aldeias Ashaninka onde moram 420 índios da etnia. Os indígenas Ashaninka pertencem a família lingüística Aruak (ou Arawak).
Proteção aos índios isolados é “desfalcada” de recursos
Leia a entrevista exclusiva com Leonardo Lenin, o coordenador substituto da Coordenação-Geral de Índios Isolados da Funai.
Qual o provável motivo para o povo indígena isolado se aproximar da aldeia Simpatia dos índios Ashaninka?
Essa região do Acre na fronteira com o Peru, conhecida como Paralelo 10, é formada por unidades de conservação como áreas indígenas. O que acontece é que do lado brasileiro a Funai está conseguindo fazer um trabalho de proteção daquela região. Do lado peruano, tem muitos informes sobre abertura de estradas, ocupação por extração de madeira e áreas de uso irregular. O que pode estar havendo é uma intensificação do lado do Brasil, por estar um pouco mais protegida, desses grupos de índios isolados.Isso pressiona esses grupos que já existem do lado brasileiro, inclusive de isolados também. O que a gente tem tentado é que, uma vez que não se trata somente de índios isolados do lado brasileiro, é buscarmos aumentar a interlocução com o governo peruano para discutir essa situação.
Do lado brasileiro, qual é a situação das terras dos índios isolados?
Na região do Acre, fora a do Alto Tarauaca que é de uso exclusivo dos índios isolados, tem as outras áreas que chamamos de uso compartilhado com índios isolados e outros grupos, por exemplo os Ashaninka. Na região do Acre temos uma região para fazer um estudo de reedição de uso para a proteção desses grupos, área que está sendo analisada pela Funai.
São terras indígenas no Acre: o Alto Tarauacá, Ponta Isolada do Rio Envira, Terra Indígena do Riozinho do Alto Envira e Kaxinawá do Rio Humaitá. Essas terras estão com o processo de regularização concluso. Essa região do Riozinho, na divisa com Alto Envira com Alto Tarauacá, é que temos a notícia da presença dos índios isolados na aldeia Simpatia, que é a última aldeia indígena do lado brasileiro.
A Funai relatou que o povo indígena isolado apareceu por volta do dia 10 de junho na aldeia Simpatia. O que aconteceu que assustou os Ashaninka?
Não temos como confirmar quantos índios apaceram na aldeia Simpatia. Com a ajuda do sertanista José Carlos Meirelles, da Assessoria Indígena do Governo do Estado do Acre, que é parceira nossa, a equipe fez um sobrevoo de helicóptero à região. Obviamente não foi avistado o grupo, mas foram coletadas informações na aldeia Simpatia e observado o registro desse grupo. O que acontece é que temos visto que, até por este crescimento populacional, nesse período de estiagem há a saída desses grupos isolados que se dirigem para esses locais onde eles encontram facão, machado, panelas. Eles vão buscar essas ferramentas que, óbvio, eles já encorporaram ao cotidiano deles e, não tem outra forma deles adquirir, a não ser nessas comunidades vizinhas. Essas aquisições, obiviamente, deixam as popuações dos Ashaninka, dos Kaxinawá bem inseguros.
Para evitar a insegurança dos povos Ashaninka e eventuais conflitos que medidas a Funai vai tomar?
O que a gente tem que fazer dentro da política do não contato é a proteção territorial. Essa proteção territorial se dá com servidores extremamente e minimarmente estruturados para realizar o trabalho em campo, seja de garimpeiros, incursão em campo, seja de narcotráfico na região.
Uma outra ação é fazer um trabalho no entorno, que é você ver como esses grupos isolados estão impactando a ocupação territorial desses grupos já estabelecidos como os Ashaninka. Temos um trabalho de avaliar esses impactos para tentar compensar os problemas, mitigar essas relações, mas também muito trabalho de sensibilizar esses grupos para os ajudar na proteção dos índios isolados. A outra coisa na proteção desse índios isolados é a situação de saúde. Esses grupos podem sofrer decréscimo populacional por doenças que eles não adquiriram ainda. Então nessa ação que estamos fazendo agora, tem uma equipe da Sesai acompanhando a equipe da Funai para fazer o diagnóstico do atendiemnto de saúde, que é muito precário na aldeia Ashaninka. Uma vez que estamos fazendo a ação e o atendimento dos Ashaninka, estamos de alguma forma protegendo os índios isolados.
O governo do Acre tratou os índios isolados como “saqueadores”. Como a Funai trata os índios isolados na situação com os Ashaninka?
Temos uma equipe da Funai lá, inclusive, com uma pessoa do Governo do Acre, que é o sertanista Meireles, que foi coordenador da Frente por muito tempo, para qualificar esse grupo. Se esse grupo é um dos três que já monitoramos ou se é outro grupo, ou é um grupo vindo do Peru, é um grupo vulneravel. Eles estão fugindo de uma situação extrema, e a gente não vai colocar eles como uma situação de ilegal. A gente não tem nem a confirmação de quem é esse grupo. Então a gente vai se esforçar para fazer a qualificação para fazer alguma tipo de afirmação.
Essa situação entre índios isolados e Ashaninka é a mais crítica que se tem notícia?
A situaçao do Acre que já era assim. Toda situação que acompanhamos com os índios isolados é sempre muito vulnerável. Em relação ao Acre a gente tem sempre uma preocupação justamente por ser áreas que têm a presença de outros grupos da região. É esse receio de haver um embate. A situação é crítica porque a gente continua trabalhando sem o aporte necessário para essa atribuição. O servidor precisa ficar muito tempo em campo e com o material suficente para ter seguraça. E temos históricos da Funai de dificuldades tanto com recursos humanos e orçamentários.
Nessa região do rio Envira e rio Xinane tínhamos duas bases de proteção. Hoje nós não coseguimos manter uma frente por causa dessas questão de recursos humanos e orçamentários. A outra base que era na aldeia Simpatia deixou de existir em 2011. Tivemos que abandonar a base em função da presença de naricotraficantes na região peruana.
Então, além da dificuldade da ocupação interna da Funai de recursos humanos e orçamentários, temos outras ações que independem da ação da Funai que é o controle de acesso, que é muito além das atribuições da Funai, estão ligadas aos orgãos de segurança do Estado Brasileiro.
Qual o orçamento da Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatos para 2014?
A previsão para 2014 era de um orçamento de R$ 2.661.435,00 e tivemos um contigenciamento de R$ 738 mil, o que está fazendo a gente trabalhar esse ano com um recurso de R$ 1.863.005,00. A estimativa que tínhamos para trabalhar nas 12 Frentes de Proteção Etnoambiental e 36 equipes desde a reestrução ao material permanente é de até R$ 18 milhões, sem incluir os recursos humanos. Seria um recurso para mantermos as bases, fazer as expedições em regiões que ainda não temos a confirmação da presença dos índios isolados. Então você vê o quanto estamos desfalcados nesse atendimento das frentes. Isso revela bem a fragilidade da qualidade do nosso trabalho.
Por: Kátia Brasil
Fonte: Amazônia Real
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