Em uma eleição ainda pautada pela demarcação da Raposa Serra do Sol, concluída em 2009, os três principais candidatos ao governo de Roraima apresentam projetos diferentes para o desenvolvimento das terras indígenas, principalmente sobre a possibilidade de mineração nas áreas demarcadas, atualmente proibida pela Constituição Federal.

Enquanto o governador Chico Rodrigues (PSB) e o ex-governador Neudo Campos (PP) defendem a exploração dos recursos minerais com pagamento de royalties para as tribos, a senadora Ângela Portela (PT) diz que vai ouvir a posição dos índios, que há dois meses lançaram campanha contra proposta de emenda constitucional (PEC) do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que permite a mineração em terras indígenas.

O tema é um dos mais sensíveis da campanha eleitoral. Os índios representam cerca de 10% dos eleitores do Estado, mas a maioria não vive nas reservas, que ocupam 46% do território. Mas defender as causas indígenas pode retirar apoio dos produtores rurais que vivem em constante disputa, só agravada pela demarcação das terras.

Ex-governador do Estado e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Jucá, cujo irmão e filha são proprietários de mineradoras, diz que nada vai ser feito sem o consentimento dos índios e fiscalização da Funai. A PEC foi apresentada em 1995 e aprovada por unanimidade no Senado Federal já no ano seguinte, mas desde então tramita vagarosamente na Câmara dos Deputados, onde enfrenta resistência do governo federal.

Em nota divulgada em maio, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) reforçou a oposição à PEC: “Os nossos direitos indígenas e nossa vida não estão à venda, muito menos são objetos de compensação por royalties e objeto de disputa milionária.”

Com base em levantamento do Instituto Socioambiental, o CIR argumenta que os índios poderiam ser expulsos de 15 das 32 terras demarcadas em Roraima se o projeto fosse aprovado. O estudo mostra que há mais de mil pedidos para mineração nas reservas e pelo menos metade dos requerimentos é para explorar quase a totalidade da área onde vivem as tribos.

O governador Chico Rodrigues diz, porém, ver na mineração uma forma de promover o desenvolvimento das comunidades indígenas e reduzir a dependência do Estado de recursos do governo federal. “Somos uma província eminentemente mineral, com riquezas incomensuráveis. Os brasileiros precisam usufruir destas riquezas, desde que de forma extremamente ordenada para não prejudicar o ambiente.”

Para Neudo Campos, a falta de regulação estimula a garimpagem clandestina. A regularização permitiria aumentar o controle sobre a produção e beneficiar os índios. “Um erro em que temos incorrido nesses cinco séculos é viver em cima da riqueza mineral e não saber aproveitar isso. Temos as maiores reservas de nióbio, manganês, plutônio, mas as comunidades indígenas vivem em uma pobreza de dar pena”.

Na opinião do ex-governador, o país deveria se inspirar no modelo australiano. “Lá foi permitida a mineração com controle severo, com nota fiscal de tudo que é produzido, pagamento de impostos e de royalties para os índios.”

Já Ângela Portela se diz crítica à PEC de Jucá. “Da forma como esse projeto está, não acho que seja bom para Roraima nem para os indígenas. Não posso concordar que os índios, que são os donos da terra, sejam atropelados no processo sem serem ouvidos”, afirma.

Não é desprezível, contudo, a influência das mineradoras nas campanhas eleitorais. Embora a maioria das contribuições tenha sido intermediada pelo partido ou comitê financeiro, o que impede de identificar o real doador, as empresas do setor deram pelo menos R$ 500 mil para a campanha de políticos de Roraima na eleição de 2010, segundo as prestações de contas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A Votorantim doou R$ 80 mil para Ângela Portela. Ex-mulher de Jucá, Teresa Surita (PMDB) recebeu para sua candidatura a deputada federal R$ 200 mil da Companhia Metalúrgica Prada, subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que ainda deu R$ 50 mil para o deputado estadual Rodrigo Jucá (PMDB), filho do casal. O ex-governador José de Anchieta (PSDB) obteve R$ 90 mil da Minerpav.

Se têm divergido publicamente sobre a mineração, os candidatos concordam que as disputas em torno da Raposa Serra do Sol devem ser deixadas no passado. A demarcação da terra em área contínua levou à expulsão dos seis arrozeiros que produziam na região o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) de Roraima na época. Os índios não continuaram a produção.
Segundo Chico Rodrigues, a maioria dos agricultores continua no Estado, produzindo em terras doadas pela União para compensar a expulsão da área demarcada.

Um dos articuladores da candidatura de Neudo Campos, o deputado estadual Brito Bezerra (PP), afirma que o grupo vai trabalhar pela aprovação da PEC 215, que prevê a revisão das terras indígenas demarcadas. Neudo Campos afirma, contudo, que não vê viabilidade de desfazer a demarcação e que é preciso alterar a legislação para permitir uma coexistência entre agricultores e os indígenas. “O que foi feito não tem volta, temos que olhar para frente. Tem muita terra produtiva na Raposa que não é utilizada e poderíamos flexibilizar a lei para que os índios possam arrendá-la.”

Ângela Portela diz que também não pretende apoiar a revisão das terras demarcadas e que vai discutir com os índios um projeto de desenvolvimento para cada região.

Sem nunca ter conseguido eleger o governador pelo voto direto, a família Jucá se movimenta nesta eleição para tentar ampliar sua influência em Roraima. O grupo, que comanda a prefeitura da capital Boa Vista pela quarta vez, emplacou como vice do atual governador que disputará a reeleição o deputado estadual Rodrigo Jucá (PMDB). A estratégia é “Jucazinho” assumir o governo em 2018, quando o governador Chico Rodrigues (PSB) teria que se desincompatibilizar para disputar outro cargo.

Família Jucá tenta ampliar influência

“O governador Chico é o instrumento para concretização da oligarquia. É uma forma de a família chegar ao governo do Estado”, afirma a senadora Ângela Portela (PT), candidata de oposição ao governador. “Nos Estados onde se criou uma oligarquia familiar, a população saiu prejudicada, com queda nos indicadores sociais e maior concentração de renda nas mãos de poucos.”

A capital Boa Vista é administrada por Teresa Surita (PMDB), ex-esposa do senador Romero Jucá (PMDB), que se notabilizou no Congresso por ter sido líder dos diferentes governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). Rodrigo, 32 anos, é filho do casal e integra a nova geração de políticos do PMDB que está ganhando espaço nesta eleição no lugar dos tradicionais indicados dos chefes de seu clã.

Embora influente na política nacional, a família Jucá não comanda o Estado de Roraima há mais de 24 anos. Só governaram o Estado uma vez, de 1988 a 1990, quando Romero foi indicado pelo então presidente José Sarney (PMDB) como administrador do território federal de Roraima. Quando a área virou um Estado, em 1990, Jucá tentou se eleger, mas perdeu a disputa.

A família ainda teve duas outras derrotas para o governo roraimense: Jucá perdeu em 2006 e Teresa foi batida pelo ex-governador Neudo Campos em 1998.

A concentração de poder nas mãos dos Jucá foi posta pela oposição como tema central da campanha para atrelar a imagem do atual governador a esse grupo. Chico Rodrigues foi vice do ex-governador José de Anchieta Júnior (PSDB) por dois mandatos, até que o tucano renunciou em abril para concorrer ao Senado e ele assumiu.

Em dezembro, pesquisa Ibope apontou Anchieta como um dos governadores mais mal avaliados do país, com a gestão aprovada por 26% dos roraimenses, contra 35% que consideravam o governo péssimo ou ruim.

Logo ao sentar na cadeira de governador, Chico Rodrigues promoveu um distanciamento estratégico do tucano, fez mudanças no governo e decretou estado de emergência em educação e saúde. “O vice-governador não tinha absolutamente nenhuma participação na administração do Estado. Na caneta do vice não tinha nem tinta”, diz Rodrigues. As prioridades de Anchieta eram outras, afirma, citando investimentos em infraestrutura, asfaltamento de estradas e construção de torres de transmissão de energia que deixaram uma dívida de quase R$ 1 bilhão em financiamentos.

Anchieta, que depende do apoio do governador para se eleger ao Senado, diz que as críticas à educação e saúde do Estado não vão afetar sua campanha. “Ele [Chico Rodrigues] me disse que o estado de emergência foi só para facilitar a captação de recursos.”

O estado de emergência, por falsas razões ou não, rendeu problemas ao governador com o Ministério Público (MP). Rodrigues tem investido pesado em publicidade na televisão para mudar a percepção dos eleitores sobre o governo. Dias depois de anunciar a situação de calamidade na saúde, uma propaganda divulgava o atendimento “digno e humano” dos hospitais do Estado. O MP ordenou a retirada do anúncio sob o argumento de que era dissociado da realidade.

Para o governador, seus principais adversários têm fichas bem mais desabonadoras que a sua. Ambos enfrentam desgaste por causa da operação Gafanhotos, deflagrada pela Polícia Federal em 2003, que acusou o grupo político que governava Roraima de desviar R$ 230 milhões (em valores da época) ao ficar com parte do salário dos funcionários comissionados do governo. O dinheiro serviria para comprar apoio de autoridades do Estado.

Segundo a PF, o esquema teria começado na gestão do ex-governador Neudo Campos (PP) em 1998 e durado até 2003. Ele registrou candidatura ao governo, mas admite que está inelegível por condenações no Tribunal de Contas da União (TCU) e Tribunal Regional Federal (TRF). Mas nega, ter cometido irregularidades e acusa o juiz Helder Girão Barreto de condená-lo para beneficiar o grupo do senador Romero Jucá. “A eleição vai ser uma batalha judicial, mas há precedentes e tenho certeza que vou ficar elegível”, afirma Neudo, que nos discursos tem apostado em obras de seus dois governos e no desgaste da atual gestão para se promover.

Helder Barreto nega ter direcionado os julgamentos. “Nunca tive, não tenho e não terei vinculação política com nenhum grupo em Roraima ou em qualquer outro lugar’, afirmou ao Valor. Jucá foi procurado por meio de sua assessoria, mas não respondeu.

O escândalo também afeta a candidatura da senadora Ângela, mulher do ex-governador Flamarion Portela (PTC), que foi cassado em 2004 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por compra de votos e que também é réu no caso dos Gafanhotos. A parlamentar evita defender o marido. Diz que ele já foi julgado pela população. “Não temo ficar atrelada a esses escândalos. A população me conhece, conhece minha trajetória e também a do meu marido, sempre soube separar. Tenho minha própria história”, diz Ângela.

Apesar do desgaste do PT no Estado, sua candidatura se apoia em programas do governo federal, os quais têm os números na ponta da língua: “Há 138 profissionais do Mais Médicos em Roraima; em 2015 vão ser entregues 7 mil unidades do Minha Casa, Minha Vida; 30 mil pessoas saíram da miséria com o Bolsa Família; o linhão do Tucuruí “vai ligar o Estado ao sistema elétrico do país”.

Fonte: Valor Econômicohttp://amazonia.org.br/2014/07/minera%c3%a7%c3%a3o-em-terras-ind%c3%adgenas-divide-candidatos/