Ao menos sete lideranças indígenas estão presas em caráter temporário, suspeitas de participação em crimes como assassinatos ou porte ilegal de armas. Mais cinco índios com destacada atuação em suas comunidades passaram dois meses detidos em Faxinalzinho (RS), suspeitos de envolvimento na morte de dois irmãos agricultores, no final de abril. Em apenas dois de quatro casos pesquisados pela Agência Brasil, os suspeitos foram denunciados à Justiça. Para lideranças indígenas e entidades indigenistas, as prisões e investigações fazem parte de uma estratégia de criminalizar e deslegitimar as principais reivindicações das comunidades indígenas, como a demarcação de novas reservas.

“Há uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos indígenas”, afirmou Lindomar Terena ao participar, como representante dos povos indígenas, da 13ª sessão do Fórum Permanente da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Nova York, em meados de maio. “Ao contrário do que o governo brasileiro divulga em espaços internacionais, temos certeza de que a situação dos povos indígenas no Brasil hoje é a mais grave desde a democratização do país”, acrescentou a liderança terena.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, eximiu a Polícia Federal (PF) e o Poder Executivo de agir à revelia da lei com intuito de deslegitimar o movimento indígena e suas lideranças. “Decisões judiciais têm que ser cumpridas. Foi o que a PF fez. As várias prisões foram em cumprimento a ordens judiciais”, disse o ministro à Agência Brasil, sem comentar a tese de criminalização do movimento indígena.

Em seu relatório anual sobre a violência contra os povos indígenas, divulgado no último dia 17, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta que o Estado brasileiro intensificou a repressão e a criminalização às lideranças indígenas para desencorajar as comunidades a lutarem pela efetivação de seus direitos constitucionais. Para a antropóloga Lúcia Helena Rangel, uma das coordenadoras do relatório, isso contribui para que os índios sejam discriminados, ameaçados e perseguidos. “Ninguém mais tem vergonha de manifestar seu racismo contra os povos indígenas”, diz Lúcia, citando casos de comentários ofensivos publicados por internautas em sites de notícia.

Arcelino Damasceno, delegado federal responsável por investigar um dos casos de prisão de indígenas, não acredita que o Poder Judiciário, o Ministério Público e as forças policiais conduziram ações conjuntas para deslegitimar a luta indígena. “Seria impossível fazer algo assim sem apresentar provas suficientes [para justificar as prisões e denúncias]”, comentou o delegado.

Dos quatro casos recentes que o movimento indígena trata como perseguição política, o de maior repercussão nacional ocorreu em dezembro de 2013, na Terra Indígena Tenharim Marmelo, em Humaitá (AM). O representante comercial Luciano Ferreira Freire, o professor Stef Pinheiro de Souza e o funcionário da Eletrobras Aldeney Ribeiro Salvador desapareceram após serem vistos na Rodovia Transamazônica, de carro, pouco antes de ingressarem na reserva indígena.

À época, moradores e sites de notícias da região acusaram habitantes da reserva Tenharim do sequestro. Para eles, os indígenas queriam vingar a morte de seu cacique, Ivan Tenharim, ocorrida dias antes. Ivan morreu no dia 2 de dezembro.

Para as autoridades policiais, o episódio da morte do cacique se resume a um acidente de trânsito: ele pilotava sua moto quando, por algum motivo, perdeu o equilíbrio e caiu. Para o Cimi, entretanto, há razões para desconfiar de assassinato, já que a moto, o capacete e a bagagem do cacique foram encontrados intactos. O cacique era conhecido por denunciar a ação ilegal de madeireiros na região. Em 2011, os Tenharim ajudaram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a apreender máquinas, caminhões, motosserras e madeira cortada ilegalmente.

O desaparecimento de Freire, Souza e Salvador se tornou notícia quando a população de Humaitá ateou fogo na sede local da Fundação Nacional do Índio (Funai), em carros e em postos de pedágios improvisados pelos próprios indígenas na Rodovia Transamazônica e depredaram o prédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Índios que normalmente circulavam pela cidade passaram a ser ameaçados e a comunidade buscou refúgio no 54º Batalhão de Infantaria da Selva.

Suspeitos de envolvimento com os desaparecimentos, cinco índios tenharim foram presos em 30 de janeiro. Além de Gilson e de Gilvan Tenharim, filhos do cacique morto um mês antes, também foram detidos temporariamente Valdinar Tenharim, Simeão Tenharim e Domiceno Tenharim. Três dias depois, a PF localizou, no interior da terra indígena, os corpos dos três não índios. Só três meses depois, ou seja, em 30 de abril, o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas denunciou por triplo homicídio duplamente qualificado os cinco índios já presos e mais um tenharim. No próximo dia 30, as prisões temporárias completarão seis meses e os cinco acusados continuam à espera do julgamento em uma cadeia pública estadual de Porto Velho (RO).

Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, André Augusto Salvador Bezerra considera que as críticas do movimento indígena aponta para duas questões: a dificuldade do Poder Judiciário em lidar com os movimentos sociais e a banalização das prisões temporárias. “A prisão preventiva, algo excepcional, está se tornando regra. A democracia tem como pressuposto a presunção de inocência. Acho que é necessário maior parcimônia na concessão desses mandados de prisão preventiva. Além do mais, é necessário levar em conta as críticas das lideranças sociais ao Poder Judiciário e verificar se, de fato, como afirmam, ele está servindo de instrumento a determinados setores.”

Na última quinta-feira (24), em entrevista à Agência Brasil, o delegado federal Arcelino Damasceno disse que os indígenas presos negam envolvimento no crime e que os corpos das vítimas foram encontrados graças ao cruzamento de diferentes fontes de informação, como o depoimento de outros índios e as buscas policiais. O delegado reconheceu que a questão indígena é “sensível”, já que envolve aspectos políticos que extrapolam o escopo do trabalho policial, mas defendeu a consistência das investigações conduzidas por ele.

“Cada caso é um caso e tem que ser analisado individualmente. Sobre Humaitá, posso garantir que há provas robustas de que os índios cometeram esse crime. Nesse caso específico, não há como dizer que se trata de perseguição aos povos indígenas”, comentou Damasceno, sem entrar em detalhes, já que o inquérito é sigiloso.

Outros dois casos que resultaram nas prisões de líderes indígenas envolvem os assassinatos de dois irmãos de pequenos agricultores, em Faxinalzinho (RS), e de um agricultor, no sul da Bahia.

O quarto e mais recente episódio resultou na prisão, por policiais militares alagoanos, do agente de saúde e líder da Terra Indígena Xukuru-Kariri, José Carlos Araújo Ferreira, o Carlinhos, detido no interior da reserva indígena localizada em Palmeira dos Índios (AL). Os militares dizem que apuravam uma denúncia de assalto quando flagraram Carlinhos portando um revólver com numeração adulterada. Tanto os parentes quanto o advogado do agente de saúde confirmam que ele tem uma arma para se proteger, pois vinha recebendo ameaças de morte. Essas mesmas ameaças motivaram a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República a incluir o indígena no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos em 2013.

FONTE : AGÊNCIA BRASIL – EBC

Alex Rodrigues – Repórter Agência Brasil Edição: Lílian Beraldo