Com o título Mudanças Climáticas 2014: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, o relatório divulgado segunda-feira (31) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sinaliza que os efeitos das mudanças do clima já estão sendo sentidos em todo o mundo. O relatório aponta que para se alcançar um aquecimento de apenas 2 graus centígrados, que seria o mínimo tolerável para que os impactos não sejam muito fortes, é preciso ter emissões zero de gases do efeito estufa, a partir de 2050.   

“O compromisso é ter emissões zero a partir de 2040 /2050, e isso significa uma mudança de todo o sistema de desenvolvimento, que envolve mudança dos combustíveis”, disse ontem (1º) o chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestr,e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), José Marengo, um dos autores do novo relatório do IPCC. Marengo apresentou o relatório na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, e destacou que alguns países interpretam isso como uma tentativa de frear o crescimento econômico. Na verdade, ele assegurou que a intenção é chegar a um valor para que o aquecimento não seja tão intenso e grave.

Com base no relatório do IPCC, Marengo comentou que o Brasil já revela um passo adiante em termos de adaptação às mudanças climáticas. “Eu acho que o Brasil já escutou a mensagem. Já está começando a preparar o plano nacional de adaptação, por meio dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovação”. Essa adaptação, acrescentou, é acompanhada de avaliações de vulnerabilidades, “e o Brasil é vulnerável às mudanças de clima”, lembrou.

A adaptação, segundo ele, atenderá a políticas governamentais, mas a comunidade científica ajudará a elaborar o plano para identificar regiões e setores considerados chave. “Porque a adaptação é uma coisa que muda de região e de setor. Você pode ter uma adaptação no setor saúde, no Nordeste, totalmente diferente do Sul. Então, essa é uma política que o governo já está começando a traçar seriamente”.

O plano prevê análises de risco em setores como agricultura, saúde, recursos hídricos, regiões costeiras, grandes cidades. Ele está começando a ser traçado como uma estratégia de governo. Como as vulnerabilidades são diferentes, o plano não pode criar uma política única para o país. Na parte da segurança alimentar, em especial, José Marengo ressaltou a importância do conhecimento indígena, principalmente para os países mais pobres.

Marengo afiançou, entretanto, que esse plano não deverá ser concluído no curto prazo. “É uma coisa que leva tempo. Esse tipo de estudo não pode ser feito em um ou dois anos. É uma coisa de longo prazo, porque vai mudando continuamente. Ou seja, é um plano dinâmico, que a cada cinco anos tem que ser reavaliado e refeito. Poucos países têm feito isso, e o Brasil está começando a elaborar esse plano agora”, manifestou.

Marengo admitiu que a adaptação às mudanças climáticas tem que ter também um viés econômico, por meio da regulação. “Quando eu falo em adaptação, é uma mistura de conhecimento científico para identificar que área é vulnerável. Mas tudo isso vem acompanhado de coisas que não são climáticas, mas sim, econômicas, como custos e investimento. Porque adaptação custa dinheiro. Quem vai pagar pela adaptação? “, indagou.

O IPCC não tem uma posição a respeito, embora Marengo mencione que os países pobres querem que os ricos paguem pela sua adaptação às mudanças do clima. O tema deverá ser abordado na próxima reunião da 20ª Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima COP-20, da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorrerá em Lima, no Peru, no final deste ano.

Entretanto, o IPCC aponta situações sobre o que está ocorrendo nas diversas partes do mundo, e o que poderia ser feito. As soluções, salientou, serão indicadas no próximo relatório do IPCC, cuja divulgação é aguardada para este mês. O relatório, segundo ele, apontará que “a solução está na mitigação”. Caso, por exemplo, da redução das emissões de gases de efeito estufa, o uso menor de combustíveis fósseis e maior uso de fontes de energia renováveis, novas opções de combustíveis, novas soluções de tecnologia, estabilização da população. “Tudo isso são coisas que podem ser consideradas”. Admitiu, porém, que são difíceis de serem alcançadas, porque alguns países estão dispostos a isso, outros não. “É uma coisa que depende de acordo mundial”.

De acordo com o relatório do IPCC, as tendências são de aumento da temperatura global, aumento e diminuição de precipitações (chuvas), degradação ambiental, risco para as áreas costeiras e a fauna marinha, mudança na produtividade agrícola, entre outras. A adaptação a essas mudanças depende do lugar e do contexto. A adaptação para um setor pode não ser aplicável a outro. As medidas visando a adaptação às mudanças climáticas devem ser tomadas pelos governos, mas também pela sociedade como um todo e pelos indivíduos, recomendam os cientistas que elaboraram o relatório.

Para o Nordeste brasileiro, por exemplo, a construção de cisternas pode ser um começo no sentido de adaptação à seca. Mas isso tem de ser uma busca permanente, destacou José Marengo. Observou que programas de reflorestamento são formas de mitigação e, em consequência, de adaptação, na medida em que reduzem as emissões e absorvem as emissões excedentes.

No Brasil, três aspectos se distinguem: segurança hídrica, segurança energética e segurança alimentar. As secas no Nordeste e as recentes enchentes no Norte têm ajudado a entender o problema da vulnerabilidade do clima, acrescentou o cientista. Disse que, de certa forma, o Brasil tem reagido para enfrentar os extremos. “Mas tem que pensar que esses extremos podem ser mais frequentes. A experiência está mostrando que alguns desses extremos devem ser pensados no longo prazo, para décadas”, salientou.

O biólogo Marcos Buckeridge, pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e membro do IPCC, lembrou que as queimadas na Amazônia, apesar de mostrarem redução nos últimos anos, ainda ocorrem com intensidade. “O Brasil é o país que mais queima floresta no mundo”, e isso leva à perda de muitas espécies animais e vegetais, trazendo, como resultado, impactos no clima.

Para a pesquisadora sênior do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas – Centro Clima da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carolina Burle Schmidt Dubeux, a economia da adaptação deve pensar o gerenciamento também do lado da demanda. Isso quer dizer que tem que englobar não só investimentos, mas também regulação econômica em que os preços reflitam a redução da oferta de bens. “Regulação econômica é muito importante para que a gente possa se adaptar [às mudanças do clima]. As políticas têm que refletir a escassez da água e da energia elétrica e controlar a demanda”, apontou.

Segundo a pesquisadora, a internalização de custos ambientais nos preços é necessária para que a população tenha maior qualidade de vida. “A questão da adaptação é um constante gerenciamento do risco das mudanças climáticas, que é desconhecido e imprevisível”, acrescentou. Carolina defendeu que para ocorrer a adaptação, deve haver uma comunicação constante entre o governo e a sociedade. “A mídia tem um papel relevante nesse processo”, disse.

Por: Alana Gandra

Fonte: Agência Brasil – EBC

Edição: Stênio Ribeiro