Alex Lacerda e Paulo Maués dirigem uma picape prata até uma serraria instalada em galpão perto dos limites da floresta amazônica. Carregando espingardas de calibre 12, eles avançam e se aproximam de um barracão, batem e entram com cautela. São agentes da polícia florestal.  

Um homem atarracado se identifica como João Pereira, o proprietário. Os agentes lhe pedem dois documentos: a licença para operar a serraria e um certificado de origem da madeira empilhada do lado de fora. “Eu tenho a licença”, diz Pereira. “Meu contador tem o outro.”

Resposta errada. As toras do lado de fora não possuem as etiquetas de identificação requeridas para a madeira cortada legalmente. E Pereira, como todos os donos de serrarias, deveria manter as licenças no local do trabalho, segundo prevê a lei.

“Ele está enrolando”, diz Lacerda. “Não há nenhuma razão para não ter os documentos — ou você está operando dentro da lei ou não está.”

A serraria de Pereira é uma das centenas similares que se espremem nos arredores da maior floresta tropical do mundo. Serrarias sem licença são parte de uma economia nebulosa que passou a definir o desenvolvimento da Amazônia.

A atividade na região abrange tudo, de madeiras valiosas e minerais extraídos ilegalmente à terra nua deixada para trás, a qual é uma commodity para fazendeiros e posseiros que especulam com seu valor futuro.

No fim de setembro, a Reuters acompanhou agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no início de uma operação de um mês contra pessoas que estão devastando a floresta. Encarregados de fazer valer as leis ambientais do país, os agentes do Ibama se deparam em primeira mão com a destruição.

Muitas pessoas que vivem na região consideram a derrubada da mata um direito local. Como a floresta serve de filtro para os gases do efeito estufa, ambientalistas e cientistas dizem que a atividade dos madeireiros atrapalha a luta contra as mudanças climáticas.

Durante a operação, o Ibama fechou oito serrarias e destruiu outras nove, demolindo instalações sem licença cujos responsáveis haviam fugido — uma tática comum quando o Ibama está por perto. Os agentes aplicaram mais de 3,7 milhões de reais em multas, apreenderam maquinário e confiscaram cerca de 4 milhões de reais em madeira.

A maior parte dessa madeira veio de uma reserva indígena nas imediações, um pedaço de floresta virgem que, como boa parte das matas protegidas do país, está sob cerco cada vez maior.

Depois de uma década de recuo, o desmatamento está novamente em alta na Amazônia.

As pessoas que lucram com a devastação estão animadas com mudanças na legislação ambiental, projetos de infraestrutura na Amazônia bancados pelo governo e preços mundiais elevados para a soja, carne e outros produtos provenientes das terras desmatadas.

E os métodos que nos últimos anos limitaram a destruição, culminando em uma queda recorde na devastação em 2012, perderam um pouco da força.

Agora que os satélites podem detectar extensas clareiras na floresta, os madeireiros cortam áreas menores. Um licenciamento rigoroso organiza agora o mercado da madeira serrada, mas os madeireiros e serralheiros contornam as normas e forjam documentos. Os fazendeiros, à espera da regulamentação plena de novas leis ambientais, aproveitam a incerteza para limpar a terra.

GUARDA BAIXA

“O Brasil reduziu sua vigilância”, diz Paulo Barreto, um engenheiro florestal do Imazon, instituto de pesquisa que estuda a devastação a partir de Belém, a capital do Pará, onde o Ibama realizou as investidas. “Há um estímulo crescente para limpar a terra, e o governo não está dando conta.”

O resultado: um pico de desmatamento. Usando satélites, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou ao longo do ano passado novas clareiras totalizando 5.843 quilômetros quadrados, quase 30 por cento acima de 2012. Isso é mais do que sete vezes a área da cidade de Nova York.

Autoridades do país, incluindo a presidente Dilma Rousseff, propagam o sucesso de políticas que reduziram o desmatamento –mesmo depois do recente aumento — para menos de um quinto da área perdida em 2004. Voltando para aquele período, perdeu-se mata equivalente ao tamanho da Bélgica.

Em setembro, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, voou para Nova York e recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU) por “reverter o desmatamento”.

O governo e seus aliados dizem que o aumento do desmatamento sugere que se chegou a um equilíbrio no combate à derrubada da floresta — um nível mínimo de destruição além do qual qualquer progresso futuro viria lentamente.

“Nós temos de prever algumas flutuações anuais”, diz o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Tine Sundtoft, país que em 2008 se comprometeu a prover 1 bilhão de dólares (cerca de 2,3 bilhões de reais) para ajudar o Brasil a combater o desmatamento até 2015.

Autoridades brasileiras afirmam que a continuidade do progresso depende de maior consciência, educação e dissuasão. “A sociedade tem de mudar”, diz o diretor de Políticas de Combate ao Desmatamento no Ministério do Meio Ambiente, Francisco Oliveira. “Todos na Amazônia têm de compreender que há consequências reais se não cumprirem a lei.”

Para transmitir essa mensagem o Brasil está redobrando a fiscalização. Isso significa um crescente número de operações do Ibama.

O instituto está numa fase de mudanças desde que uma lei de 2011 deu mais poder de fiscalização ambiental a autoridades municipais. O Ibama fechou a maior parte de seus escritórios mais isolados. Seus 1.200 agentes estão cada vez mais se voltando para atividades de reconhecimento, inteligência e análise de dados — material usado depois para definir o envio de equipes a locais mais problemáticos.

“Não podemos estar em toda a parte”, diz o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Evaristo. “Temos de ser mais espertos e mais ágeis para combater o desmatamento onde for mais intenso.”

Seu registro de multas e confiscos está em alta. Nos 12 meses entre agosto de 2012 e julho de 2013, o Ibama aplicou multas de cerca de 1,9 bilhão de reais e apreendeu quase 86.000 metros cúbicos de madeira serrada na Amazônia. No ano anterior, os totais foram de 1,6 bilhão de reais e 54.000 metros cúbicos de madeira.

MISSÃO: SERRARIAS

No comando das operações estão funcionários como Lacerda e Maués. Eles são os dois principais inspetores do Ibama no Pará, um Estado maior do que o Texas e a Califórnia juntos. Conhecido pelas localidades avançadas na mata, e sem lei, o Pará respondeu por quase metade da devastação no ano passado.

Às 4h, no primeiro dia de sua missão, Maués está numa delegacia de polícia na periferia de Belém, dando instruções a 16 agentes do Ibama e a uma equipe de dez agentes da polícia estadual que o acompanharão para reforço da segurança. Até então, ninguém, a não ser os agentes mais graduados, conhecia seu destino — um trajeto de cinco horas a leste da capital do Estado, em um dos cantos mais desgovernados do Brasil.

Maués alerta a equipe sobre os perigos de uma área tomada por confrontos entre madeireiros, mineiros, tribos de índios e agentes da lei. Em 2008, depois de receber ameaças de morte por causa das inspeções que estava realizando, Maués fugiu de um posto que o Ibama operava nas proximidades. Logo depois os madeireiros queimaram o local.

A operação, planejada com mais de seis meses de antecedência, vai concentrar-se nos arredores de Nova Esperança do Piriá – o Piriá é um entre dezenas de rios que cruzam o Pará. Estabelecida nos anos 1970, Nova Esperança, com 20.000 habitantes, é uma cidade de fronteira com um centro dilapidado e uma mata esparsamente povoada.

Quando no ano passado os satélites mostraram um número crescente de clareiras nas proximidades, os agentes do Ibama examinaram os registros concedidos para madeireiras. Inspetores à paisana vasculharam a região e o Ibama começou a fazer contatos com a polícia estadual e o Exército.

Em abril, o Exército enviou uma unidade de selva a Nova Esperança para uma breve missão “social e cívica”, disse o tenente-coronel Jucenílio Evangelista da Silva, comandante da unidade. Enquanto dentistas, médicos e barbeiros extraíam dentes, faziam exames e cortavam cabelos, as tropas faziam o reconhecimento da área.

Agora, enquanto Maués dá as orientações antes do nascer do dia, 104 dos soldados de Evangelista estão de volta, armando um acampamento improvisado, cozinha e centro de comunicações. Autoridades locais, gratas pela visita de abril, deram ao coronel permissão para usar uma escola inacabada para “uma operação”.

Evangelista não tinha especificado o alvo: as serrarias, o único setor privado em uma cidade onde 98 por cento do orçamento municipal é financiado por verbas federais. “Aquilo precisava ser uma surpresa”, diz ele.

Há espaço para extração legal de madeira na Amazônia, 80 por cento da floresta original ainda está de pé, cobrindo uma região do tamanho da Europa Ocidental. E existem conhecimento e leis para fomentar uma atividade florestal sustentável. Concessões legais determinam que tipo de árvore pode ser extraída e com qual densidade a floresta tem de ser mantida após os cortes.

O Ibama constatou, porém, que a madeira vinda de Nova Esperança era de espécies que existem somente dentro da Reserva Indígena do Alto Rio Guamá, uma área de 2.600 quilômetros quadrados que abriga a tribo tembé. As madeiras de espécies como jatobá, maçaranduba, e andiroba são valorizadas para uso em pisos, móveis e na construção civil. Podem ser legais se forem extraídas de áreas de manejo florestal.

Mas a reserva dos tembés é protegida, uma das poucas áreas de floresta primária ainda intacta no leste da Amazônia. Menos de 160 quilômetros ao sul estão florestas onde vive a tribo awá, incluindo alguns grupos que estão entre os últimos índios do Brasil não contatados.

“Há um mosaico de floresta que tem de ser preservado para que as pessoas, os animais e as plantas não se aglutinem em áreas insustentáveis”, diz Lacerda, formado em biologia.

Maués conclui suas instruções: os agentes e funcionários se juntam em seis picapes prata com cabines. Com o sol nascente, o comboio deixa a movimentada rodovia de quatro pistas nos arredores de Belém e envereda por vias rurais esburacadas até a estrada de terra vermelha que vai dar em Nova Esperança.

Por volta de meio-dia eles chegam, trafegando ao longo de ruas empoeiradas onde as lojas vendem motosserras e equipamentos para madeireiros. Uma casa ali perto utiliza lâminas compridas, já inúteis, como cerca, com os dentes voltados para cima. Os caminhões viram na direção de uma estrada na extremidade da cidade. Lá, sete serrarias em sequência estavam, ou estiveram, cortando árvores.

Os agentes descem e empurram o portão da primeira delas: a madeireira Maranata. Ninguém está no local. Uma mesa e gabinetes estão vazios. Um galpão onde é feito o trabalho de serraria está sem nada. Um outro está vazio e um buraco recente no chão marca o local de onde uma grande máquina foi arrancada.

“Eles sabiam que nós viríamos”, diz Maués.

Do lado de fora moradores admitem isso: os trabalhadores, vendo que o Exército chegara, passaram a noite desmontando algumas das serrarias e escondendo a madeira, maquinário e documentos na mata.

Os pica-paus, o grau mais baixo na atividade, também se esconderam. Esses cortadores de madeira conseguem apenas 40 reais por metro cúbico de madeira extraída, mas a já serrada, quando acabada, é vendida por pelo menos 30 vezes isso, e frequentemente muitos múltiplos mais.

SUSTENTO AMEAÇADO

Ao lado, na madeireira Piriá, um casal de meia-idade permaneceu no local. Maulés e Lacerda se aproximam, ficam pequenos diante das pilhas de madeira. O casal segue sentado tranquilamente.

Como as toras na serraria de João Pereira, nenhum dos troncos daqui tem etiquetas de identificação. Assim como Pereira, os proprietários dizem possuir os documentos legais, mas afirmam que eles estão atualmente com seu advogado, que fica em Belém.

“Tem que ligar para ele”, diz Lacerda.

A mulher, Rosa Maria da Silva Santos, obedece.

Mas agora, dezenas de moradores se aglomeram ao longo da cerca. Muitos gritam com os agentes, alguns choram.

“As pessoas daqui vivem disso”, diz Alves Borges de Nascimento, de 35 anos, que trabalha em serrarias. “Como o governo tem dinheiro para vir aqui nos fechar, mas não nos dá soluções?”

Nessa noite, soldados distribuíram feijão e arroz na escola. Soldados montaram guarda do lado de fora, com metralhadoras.

O advogado de Rosa Maria e um consultor em madeira chegam. Eles têm a licença de operação e alguns documentos para a madeira. Mas os papéis não estão compatíveis com os cerca de 840 metros cúbicos de madeira no pátio da serraria.

As etiquetas que deveriam estar nos troncos, diz o consultor, “podem ter caído”.

“Isso poderia acontecer com uma ou duas das toras”, diz Maués, “mas não com todas”.

Na manhã seguinte, os agentes se encaminham para a mata.

Eles dirigem cruzando fazendas e passam por gado nelore pastando em terras de clareiras abertas anos atrás. Parte delas antes era da União, sob proteção. Mas a demarcação falha, as escrituras forjadas e a fiscalização negligente fazem com que os direitos dos posseiros prevaleçam.

Embora algumas vezes os fazendeiros preservem a mata, muitos estão agora cortando enquanto o Brasil se apressa a estabelecer um mapeamento digitalizado de seus mais de 5 milhões de propriedades rurais. O cadastro vai ajudar a definir o que é público, o que é privado, e se novas áreas desmatadas estão dentro da lei, diz o governo. Enquanto isso, os proprietários estão correndo para se adiantarem ao mapeamento, que deve levar anos.

Por volta do meio-dia, os agentes se dirigem à reserva dos tembés.

“PODERIAM TER ME MATADO”

Dois anos atrás, um grupo de 35 tembés entrou em confronto com madeireiros que cortavam árvores da reserva. Os tembés, com machados e espingardas, forçaram-os a deixar a terra e queimaram dois tratores com toras.

Em novembro de 2012, agentes do Ibama se uniram a Valdeci Tembé, o cacique da tribo, para investigar uma outra incursão. Dessa vez, os madeireiros estavam armados para confrontá-los. O impasse terminou pacificamente, mas Valdeci ficou tão abalado que correu para a floresta e ficou vagando por alguns dias, sozinho.

“Eles poderiam ter me matado”, diz ele.

Nessa tarde, os agentes desembarcam na serraria de João Pereira. A polícia revistou os empregados de Pereira e as instalações em busca de armas.

“Vocês não vão achar nada”, diz Pereira, 58 anos. “Nunca consegui nada com uma arma.”

Lacerda ordena que peça ao contador os documentos relativos aos 404 metros cúbicos de madeira no local. Enquanto isso, Maués autoriza um comprador com um caminhão carregado com madeira tuari recém-serrada, com valor de 16 mil reais, a transportá-la a um depósito. O comprador pode pulverizar a madeira para proteção contra fungos, mas não poderá vendê-la enquanto o Ibama não esclarecer sua origem.

No caminho de volta ao acampamento, os agentes se deparam com três trabalhadores erguendo um galpão para uma serraria. Eles já tinham preparado as instalações que conduzem as toras até as lâminas das serras. Essas serrarias rudimentares podem ser construídas com equipamentos de apenas 25 mil reais. Há centenas na Amazônia e milhares por todo o Brasil, dizem os funcionários do Ibama.

“Vocês têm licença para isto?”, pergunta o agente Gunther Barbosa.

“Não sei”, responde um deles, olhando nervoso para a arma de Barbosa.

“Diga a quem quer que tenha te mandado construir isto que você vai ter de parar”, diz Barbosa. “Se nós voltarmos e isto ainda estiver aqui, nós vamos ter de passar motosserras nisso.”

Nos dias e semanas seguintes, os agentes começam a demolir serrarias sem permissão de operação, incluindo a que estava sendo erguida perto da de Pereira. Eles multam Rosa Maria e o marido em 664,2 mil reais por documentos irregulares e posse ilegal de madeira. Multam Pereira em 341,4 mil reais pelas mesmas violações e ordenam o fechamento das duas serrarias até que os documentos estejam legais.

Alguns dos moradores ausentes no início da operação aparecem, incluindo Dejair Nunes, proprietário da Maranata, a serraria que estava vazia no primeiro dia da investida do Ibama. Os agentes encontram seu equipamento, apreendem-no e multam Nunes em 2,13 milhões de reais por não ter licença e estocar madeira ilegal.

Bebendo um refrigerante na casa da namorada, Nunes, 31 anos, faz pouco caso das acusações.

Seu desdém ilustra uma desvantagem do Ibama: em geral não pode cobrar as multas. Muitos apelam ou as ignoram completamente. Em comparação com os 1,9 bilhão de reais em multas aplicadas na Amazônia, o Ibama informou em 2012 que sua arrecadação com as penalidades aplicadas em todo o país em 2012 foi de apenas cerca de 77 milhões de reais.

O órgão pode visar os bens das pessoas multadas e bloquear seu crédito, mas muitos encontram meios de continuar com as serrarias. Eles usam novos nomes, se mudam ou simplesmente recomeçam assim que o Ibama parte.

“O que eu faço pode ser ilegal”, diz Nunes. “Mas não é imoral.”

Fonte: Reuters  –  http://amazonia.org.br/2014/01/investidas-contra-a-floresta-desafiam-guardi%c3%b5es-da-amaz%c3%b4nia/