Índios de aldeias no sul do Amazonas informaram ao Exército que vão reabrir em 1.º de fevereiro os pedágios na Transamazônica (BR-320), em Humaitá, a 675 km de Manaus. As lideranças decidiram retomar a cobrança apesar da ameaça de um novo ataque dos moradores da cidade que, em 26 de dezembro, atearam fogo aos postos instalados na reserva Terra Indígena Tenharim Marmelos. O conflito ocorreu após o desaparecimento de três homens na reserva, em 16 de dezembro.
A decisão de reabrir os pedágios – ponto de conflito com a população local – foi anunciada anteontem por lideranças indígenas na aldeia dos tenharins ao comandante militar da Amazônia, Eduardo Villas Bôas. O general havia pedido o fim do pedágio em nome da paz na região.
Além de terem se negado a atender ao apelo, os caciques prometeram explodir as pontes e isolar a reserva caso haja outro ataque dos moradores. Eles foram informados de que estaria sendo preparada uma nova ação para a próxima terça-feira.
“O povo tenharim já decretou que o pedágio vai continuar, independentemente dos protestos de algumas pessoas. Demos um intervalo para não atrapalhar a força-tarefa (que atua na busca dos três homens desaparecidos)”, anunciou o cacique Aurélio Tenharim, depois de expor que o pedágio é uma compensação pela construção da Transamazônica na terra indígena. Segundo ele, a construção da rodovia teria causado mortes de índios. “Esperamos quatro anos para negociar e nenhum governo apareceu.”
Villas Bôas, acompanhado do general Ubiratan Poty, comandante da 17.ª Brigada de Porto Velho, do corregedor do Ministério Público Estadual José Roque Marques e dos comandos da Força Nacional de Segurança e Polícia Rodoviária Federal, argumentou que a cobrança era ilegal e acirrava os ânimos.
Os indígenas disseram que ilegal era a atividade dos “flanelinhas” nas cidades e que o pedágio é a principal fonte de renda das aldeias. “Não podemos caçar, plantar, nem cortar pau para fazer artesanato, pois o Ibama não deixa”, afirmou Zelito Tenharim. Ele questionou a ausência de representantes do governo. “O general está aqui, mas cadê o Executivo? A construção de uma usina vai inundar parte da reserva, mas o projeto não foi discutido com os povos. Nós vamos cobrar por isso.”
Os caciques das etnias tenharim e jiajoy prometeram colaborar com as investigações sobre o desaparecimento de três homens, no trecho da Transamazônica que corta a reserva. O episódio causou uma onda de revolta em Humaitá, no Natal, em que uma multidão incendiou a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e outras bases indígenas na cidade, além de veículos e um barco usados no atendimento aos indígenas. As famílias acusam os índios, que permanecem isolados na reserva, mas eles negam.
Em documento entregue aos militares, os oito líderes pediram segurança do Exército nos limites da reserva e aos índios que estudam e trabalham na cidade. Pediram ainda um plano emergencial para atendimento na saúde, alimentos e uma reunião com o governo em Brasília.
Ontem, o general se reuniu com o prefeito de Humaitá, José Cidinei Lobo do Nascimento (PMDB), e lideranças locais para discutir a crise na região. Do bispo d. Francisco Merkel ouviu um alerta: “Outros corpos podem surgir e a questão não pode ser resolvida ao nível local. Brasília tem de acordar”.
“Temos certeza de que nossos maridos foram mortos e queremos acabar com essa angústia. Tenho vergonha de ser brasileira porque, em outro país, um crime desses é cadeira elétrica”, disse Erisneia Azevedo, mulher do professor Stef Pinheiro de Souza, um dos desaparecidos – os outros são o comerciante Luciano Ferreira Freire e o técnico Aldeney Ribeiro Salvador.
‘Tragédia anunciada’
O general disse que as investigações da Polícia Federal estão no final e a conclusão deve ser anunciada nos próximos dias. Segundo ele, as provas devem esclarecer o desaparecimento e, se houve crime, os culpados serão punidos. Alertado pelo advogado das famílias, Carlos Terrinha, de que a cobrança do pedágio será uma “tragédia anunciada com derramamento de sangue”, ele disse que a Força Nacional, a Polícia Rodoviária Federal e a Funai vão tentar demover os índios da cobrança.
As forças permanecem na região até o fim do conflito.
Por: Artur Rodrigues e Bruno Paes Manso
Fonte: O Estado de S. Paulo
VER MAIS EM: amazonia.org.br (disponível em: janeiro 2014)
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