O geógrafo Mario Mantovani trabalha há cerca de dez anos como uma espécie de “lobista da natureza” no Congresso Nacional. Diretor de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ele tenta influenciar os projetos relacionados ao tema e coordena informalmente a chamada Frente Parlamentar Ambientalista, fórum com adesão de 187 dos atuais congressistas para debater assuntos da área em reuniões semanais.
Militante da causa desde 1973, conhecido como um dos mais ativos ambientalistas do país, Mantovani não parece medir palavras para expor suas opiniões.
Diz, por exemplo, que a presidente Dilma Rousseff faz o “pior governo da história” para o meio ambiente. Que a aliada Marina Silva não deveria ter ido para o PSB. Ou que o melhor parceiro dos ambientalistas em Brasília é o deputado Zequinha Sarney, filho do ex-presidente que ostenta alta rejeição fora do Maranhão.
Nesta entrevista ele discorre sobre alguns dos principais problemas ambientais do país e conta que, a exemplo do que já fizeram os fazendeiros, os ambientalistas também irão sentar com todos os candidatos à presidência para listar suas reivindicações. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi o primeiro deles.
Folha – O ex-ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) disse o assédio dos candidatos à turma do agronegócio nunca foi tão forte e antecipado. O que achou?
Mario Mantovani – É verdade. Acho que o Roberto tem toda a razão quando fala do volume econômico. A situação do Brasil não é boa, a indústria está ruim. Hoje, o que está bombando são as obras públicas, Copa do Mundo e esses eventos, e a indústria da construção. Mas é coisa que circula aqui dentro, o Brasil não faz caixa. E o que a gente viu agora foi que esse dinheiro do agronegócio realmente cresceu muito também. O Brasil está cada vez melhor no agronegócio. E é muito bom isso. Onde está o problema? É que isso é uma commodity. A decisão não é aqui. O valor da commodity é decidido na Bolsa de Chicago, em Nova York. Eles já ficam com o radar ligado, olhando o clima, tudo. E isso cria impacto para todo lugar.
Mas e a política?
Quem está fazendo política em Brasília, como eu faço, vê que não é assim. Esse setor [agrícola] é o que mais tem voto de cabresto ainda. É o que vive especificamente de seus currais eleitorais. É o político de Ribeirão Preto que mantém lá todo um grupo ligado a ele, as cooperativas, tudo isso. Esse pessoal sempre esteve ligado à política partidária. Mas antes era cada feudo para o seu lado. Dessa vez o governo está vendo [o agronegócio] como uma grande força. Vem da luta em torno das mudanças do Código Florestal. Eles [os fazendeiros] se mostraram muito mais eficientes para fazer política do que se mostravam antigamente.
Como foi essa virada?
Os ruralistas acharam um governo que aceitou a chantagem. Até então, essa chantagem se repetia: “Se vocês não fizerem tal coisa, não vai ter comida”, diziam. “Se não fizerem isso, o Brasil vai ficar nos rincões”. Mas o governo não entrava nisso. O governo dizia: “pare de encher o saco, quem está bancando vocês sou eu.”
Com crédito?
Com crédito agrícola. Que nunca foi tão alto como agora. R$ 150 bilhões hoje.
E quando mudou?
Quando o governo precisou refazer essa base eleitoral. Nós tivemos uma baita crise com a base, que foi o mensalão. Qual é o setor mais suscetível e que mais precisa do governo para funcionar? É o setor agrícola. Se não tiver o crédito, não vai para frente. Eles têm direito a isso [ao crédito]. Só que no Brasil não funciona assim, com direitos. Funciona com quem é mais próximo do poder, aí tem menos burocracia. Como o mensalão quebrou as pernas do governo –repare que na base do mensalão não tinha ninguém do meio agrícola, era tudo gente das regiões metropolitanas–, o governo, para refazer a base, buscou os ruralistas. Até então eles não tinham expressão nenhuma. A gente entrou com esses caras em muitas brigas, inclusive sobre o Código Florestal, e eles nunca levaram. Fizemos o Mais Ambiente (programa de cadastro rural), a Lei da Mata Atlântica, a Lei dos Crimes Ambientais, a Lei das Águas e outras. Com alguns deles votando com a gente, inclusive. Mas com a crise do mensalão, quando o governo buscou uma nova frente de apoio, aí começaram as negociações. E aí eles descobriram que poderiam ir avançando.
Dê um exemplo desse avanço. Como é na prática?
Ocorreu no Código Florestal. Eu participei de cada detalhe da tramitação. Então cada vez eles colocavam um bode na sala. “Nós queremos que acabe com a função social da terra”. Não dava, o PT não poderia trair assim. “Então exigimos meia função social da terra”, diziam. Aí o PT foi fazendo, fazendo, cedendo. E teve o papel do neocomunista Aldo Rebelo (deputado do PC do B-SP), que foi presidente da Câmara, sabia como funcionava a Casa. Eles já tinham conquistado uma coisa que o governo comeu a maior bola, que foi uma comissão especial para tratar do Código. Com isso, não passaria mais por outras comissões. A Força da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) era muito violenta também, a CNA estava bancando todos os eventos do governo. Então eles avançaram muito.
As disputas não ficaram só sobre o Código, certo?
Eles perceberam a força que tinham no episódio do Código. E aí continuaram as pressões: “queremos mais dinheiro para o crédito”, “queremos agora estrada para levar a produção”. Então, além de estarmos bancando R$ 150 bilhões de crédito agrícola, você tem dinheiro do governo hoje para fazer infraestrutura, para fazer mais cidades e até algumas insanidades. Exemplo é o caso dos motoristas de caminhão que tinham que descansar de duas em duas horas. Os caras derrubaram isso, porque agora o caminhão de soja tem de sair de Rondônia e bater em Paranaguá (PR) o mais rápido possível. E tem o dinheiro que começa a financiar caminhão, também fora do crédito agrícola. Uma estrutura nova do Brasil.
Mas muito disso é legítimo, não? Qual é o grande problema?
A grande sacanagem é ver tudo isso avançando em cima de área pública. E avançando numa frente na floresta. E conforme avança, uma área fica para trás, vazia. Essa área fica para especulação.
Como isso ocorre?
Vamos pegar na Mata Atlântica. Dos 90% que foram abetos, só 40% tem alguma atividade econômica em cima. O resto é especulação: região metropolitana, expansão das cidades. E muita área abandonada. Qual é o jeito de abandonar? Põe pasto.
Quem conduz isso hoje?
Não são as mesmas oligarquias de antes, as velhas oligarquias. Isso mudou. São as novas oligarquias do crédito. Tem os melhores, como o próprio Blairo [Maggi, produtor de soja e ex-governador do Mato Grosso], que se diz ambientalista. Ele já desafiou os caras: “eu cumpro a lei e faço mais”.
Mas é bravata ou é real?
É real. Ele está além da conta. Na reserva legal [parte preservada da mata que toda fazenda precisa ter], ele está acima. E muitas empresas acabaram fazendo isso. Também porque colocaram como ativo: “eu protejo”, “eu sou o cara que mais protege”. Isso funciona como marketing.
E isso não racha o setor?
Ainda não. Mas vai rachar. E não é uma questão de estar ou não estar do lado dos ambientalistas. É uma tendência, não tem jeito, não volta mais.
Quais são as contas que vocês fazem?
É assim: Dos 860 milhões de quilômetros quadrados que tem o Brasil, há 5,5 milhões de propriedades que dizem que são donas de 560 milhões de hectares. Só que em 60 milhões de hectares é onde está a agricultura. Dentro disso você tem uns 25 ou 30 milhões de soja, 10 de cana, 7 de celulose e vai indo até a abobrinha. E tem 200 milhões de hectares para pasto. Para 200 milhões de bois. Bom, então toda a atividade econômica da agricultura está concentrada aqui: 260 milhões de hectares, somando a plantação e o pasto. Já não é um bom negócio, pois nessa conta dá um boi por hectare. Hoje, para ser uma pecuária boa, você precisa de três bois por hectare. Mas a questão é outra. Se eles têm 560 milhões de hectares e usam 260 milhões, onde está o resto? Cadê os 300 milhões de hectares restantes?
Onde está?
Na mão de especulação. Terras devolutas, Unidades de Conservação, Terras Indígenas. E tem outras coisas que eles não falam. Você tem 30 milhões de hectares para a soja. Se o cara de Chicago descobre que agora vai ter dois bois por hectare e, portanto, vai sobrar 100 milhões de hectares, isso não quer dizer que vai dobrar a produção de soja. Porque se fizer isso, o preço cai. Esse número [30 milhões de hectares para a soja] é contadinho, não vai crescer. As próprias produtoras de semente param de vender. Não vão arriscar. Então, na realidade estamos fazendo a conta mais imbecil. O Brasil fica falando de “uma agricultura que vai produzir alimento para o mundo, nós queremos expandir…” Não vai expandir. Está no limite. Celulose está no limite, cana no limite, soja no limite. Só não está a abobrinha. E desses R$ 150 bilhões do crédito, não chegam R$ 15 bilhões para a agricultura familiar. E mais uma coisa: 80% dos proprietários têm menos de 20% das terras. E 20% têm 80% da terra. Então é essa desigualdade toda. E é essa a bancada que partiu para a chantagem com o governo. E o governo aceitou.
E o dinheiro?
Para ver como funciona eu fui agora lá no Agrishow comprar equipamento. Em 2012, fui com o balão “Veta Dilma” [sobre o Código Florestal] e fizemos um barulho (risos). Agora eu fui comprar. Apareci lá falando que estava precisando comprar colheitadeira de cana, todo o equipamento, caçamba, tudo aquilo. Aí falei: “Como é que assina esse financiamento aí? Minha propriedade tem todos os problemas ambientais, como eu faço?”. Sabe qual foi a resposta? “Seus problemas acabaram!” (risos). Disseram: “Você vai receber sua máquina em um ano, vai pagar tanto, esquece o problema [ambiental], Código Florestal… E se você precisar de uma [picape] Amarok aí, para ir quebrando o galho, pode pôr na mesma conta, vai receber na hora”. E assim era com Toyota Hilux, tudo. Era uma grande farra do dinheiro. Eu fui de agroboy lá, bota, aquele fivelão no cinto (risos). Os caras não perguntavam quem eu era, nem nada. Tem CPF, faz negócio.
Difícil imaginar que o Brasil deixará de ser fornecedor de produto básico. O que deveria ser feito?
Nós não vamos mudar, deixar de ser um país de commodity. Vai continuar assim, como já era desde 1500. O ciclo do ouro, o ciclo da borracha, o ciclo do café, depois o da cana. Agora tem o da soja. A nossa visão é que agregue nessa commodity a questão ambiental. Então se você comprar uma tonelada de soja do Brasil, você estará levando biodiversidade, porque tem corredor de biodiversidade formado pela APP (Área de Preservação Permanente), tem reserva legal de 20%, está protegendo floresta, tudo isso.
Mas o chinês está preocupado com isso? Vai pagar?
Você tem um mercado maior que o chinês. Para ele tanto faz comprar da Argentina ou o excedente dos Estados Unidos. E a tonelada de soja no Brasil pode custar a mesma coisa. A soja brasileira tem de ser conhecida no mundo. Como foi com o café. O café do Brasil era uma marca, todo mundo sabia que era o melhor por isso ou aquilo. O Brasil precisa pôr uma marca no mundo dizendo “somos produtores de alimento, o celeiro do mundo, mas o celeiro que protege a natureza”. O que tem hoje? O que há é uma diplomacia reativa. Como é que o Brasil não leva isso para uma conferência? Poderia dizer “olha o que temos de reserva indígena, olha o que temos de parque”.
O que o Brasil fala?
O que a diplomacia fica falando? Fica dizendo assim: “O Brasil não destrói índio”. É reativo, percebe? Poderia fazer assim: “Compre tudo o que é feito no Xingu que é para proteger o Xingu. Todos os proprietários lá fizeram a reserva legal e estão fazendo a proteção dos rios com mata, tudo legal”. É isso que o Brasil tem. Como eu achei que iria acontecer com o etanol, mas não aconteceu. A Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) fez um trabalho maravilhoso, projetou, foi com escritório lá fora e tudo. O que aconteceu? Murchou. Aqui dentro não teve suporte.
O ex-presidente Lula tratava como prioridade. Pelo menos no discurso, não?
O Lula dava suporte, mas esse governo não deu. Esse governo foi atrás do [petróleo da camada] pré-sal, fez uma aposta que até agora não aconteceu e está aí hoje a conta para ser paga. O que fez a celulose? Perguntaram: “O que é que tem no mundo aí que é bom? É o FSC (Forest Stweardship Council), a certificação florestal? Hoje todo mundo é FSC no Brasil. Falaram assim: “Tem alguma coisa mais para cima que FSC no mundo? Não? Então é isso, somos isso”.
As empresas mudaram?
Pegue a Veracel [empresa de celulose], que foi minha inimiga mortal 20 anos atrás, lá no sul da Bahia. Eu fui em audiência lá em que o pessoal dizia “lincha”. Hoje a Veracel tem 120 mil hectares protegidos e 90 mil plantados. É muito mais que o necessário. Eles têm o FSC, que o melhor do mundo, e estão além da lei [na proteção]. Aí você pega Parque Nacional Monte Pascoal, Parque Nacional do Descobrimento e Parque Nacional do Pau Brasil. Esses três parques não somam 80 mil hectares. Estão abandonados, sem gente. Por que uma empresa mantém 120 mil hectares, não pega fogo, ninguém invade? São 120 mil de mata nativa, mata de primeiríssima qualidade. E os parques do governo, na mesma região, estão cheios de problemas. Por que o governo não consegue proteger? Aí está a prova. O Estado é a coisa mais fácil de detonar. Estão lá os políticos fazendo média, botando família para invadir, movimento de sem terra resolve brigar com o governo e invade, índio resolve brigar e invade o parque. E o governo não tem gente para cuidar.
Fale mais dessa história da Veracel.
Eles tinham fama de terem sido detonadores. Foram. Foi provado. A SOS [Mata Atlântica] pegou os caras lá, abrimos uma ação contra eles. Então o que eles fizeram? “Bom, vamos mudar a imagem”. E o governo também teve um papel nisso. Quem financiou? Quem é que falava para os caras que o licenciamento era picareta? O ACM (Antônio Carlos Magalhães, ex-senador e ex-governador da Bahia) dizia assim: “Pode meter o trabalho, vai, faz, aqui quem manda sou eu”. Os caras foram nessa, se ferraram. Hoje é da Votorantim. Fibria, como chamam. É nota dez. Eu prefiro trabalhar com a Fibria em qualquer circunstância. Tudo top. Na celulose, todos têm reserva legal, como exigem, todos têm APP. E ajudam nós nas brigas. Tanto que não entraram no debate do Código Florestal com os ruralistas. Claro que não. Se entrar nisso, não certifica. E quem dá o certificado não é o governo, é entidade internacional. Disseram o seguinte para os parceiros deles: “Por que vocês não querem fazer, se nós fizemos?” Aí o pessoal respondeu: “então vocês não entram na briga [pela mudança do Código], porque nós vamos brigar”.
Depois de vários anos em queda, o desmatamento voltou a crescer. Qual é a explicação?
É a prova da má gestão. Eu estou há 35 anos em ONG. Não estou em partido nenhum, nunca tive nenhum vínculo. O que eu vejo que aconteceu? Eu digo: para o meio ambiente, este é o pior governo da história. Porque o Lula pelo menos incorporou, colocou a Marina Silva [no ministério do Meio Ambiente], fez avanços. A lei da Mata Atlântica, por exemplo, foi com o Lula. A Dilma simplesmente passou o trator em cima de tudo. Não tinha o desmatamento na Amazônia porque tinha o controle muito maior, toda a fiscalização. Com o desmonte da Dilma nesses anos, mudou. E a projeção de desmatamento é muito maior daqui para a frente. Ela abriu todos os controles. O desastre que a Dilma causou vai ser uma coisa para os próximos 10, 20 anos.
Dê exemplos.
O orçamento do ministério. É o pior. Como é que você quer que o ministério que faz licenciamento trabalhe se você não tem um técnico para análise? Acabou com as Unidades de Conservação, não fez mais nenhuma. A PEC 215 (Proposta de Emenda à Constituição que transfere a competência da União na demarcação das terras indígenas para o Congresso), por exemplo, nasceu dentro do governo. É um baita desgaste. Belo Monte, do jeito que foi encaminhado, é uma bola dividida.
Mas era bom antes? Restrição orçamentária tem em todo lugar.
Sim, mas nunca chegou no nível que tem hoje. E nunca teve tanta demanda como tem hoje. Desde a criação o ministério vinha crescendo, vinha incorporando áreas, passa a cuidar de parques, cresce, faz o Instituto Chico Mendes. O que a Dilma fez foi o inverso. Ela acabou desmontando. Antes traziam recursos, fizeram o controle de satélite que não tinha. A Dilma realmente desmontou. O setor que mais teve contingenciamento foi esse.
E a ministra (Izabella Teixeira)?
É uma técnica. Muito competente como técnica, mas não tem influência política. O Zequinha [Sarney, ex-ministro] sabia negociar. Mesmo o [ex-ministro] José Carlos Carvalho tinha algum suporte. A Marina fazia uma baita representação. Ela peitava, ia para cima, tanto que peitou a própria Dilma. O que vimos é que essa ministra [Izabella] ajudou a fechar a porta, foi botando panos quentes.
Vocês estiveram recentemente com o Aécio, né? Como foi a conversa?
Estivemos. Vamos marcar com o [Eduardo] Campos e também com esse governo. A conversa foi muito boa. Falamos de todas essas dificuldades e outras coisas. O ativo que o PSDB tem é grande. A legislação ambiental brasileira foi quase toda feita pelo [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso, uns 90% foram feitos naquele governo. Dissemos. “Vocês vão rasgar tudo isso por causa desse momento?”
Como ele reagiu?
Reagiu com preocupação. E aí depois nós metralhamos. O governo de Minas Gerais é o campeão da devastação no caso da Mata Atlântica. E por quatro anos seguidos.
O que ocorre por lá?
Carvão, a pior coisa do mundo. E o que é pior: com famílias trabalhando nos fornos. No Jequitinhonha [norte do Estado], que é um dos lugares mais pobres, para uso na siderurgia. Eles usam a mata, transformam em carvão e colocam a família trabalhando sem nenhum registro. É a coisa mais medieval que tem. O cara fala que vai fazer um programa ambiental e vem de um Estado que está liderando na devastação? Aí ele ficou preocupado, disse que iria ver o que estava acontecendo. E não é só lá. O Pará também é do PSDB. Também é problemático, com desmatamento.
E no Congresso, como está o meio ambiente hoje?
Em geral, dá para dizer que o meio ambiente vem tendo cada vez mais adeptos. Esse ano que passou talvez não tanto na questão da biodiversidade, mas na questão dos animais. Pet, essas coisas. Se você pegar nas redes sociais, é um fenômeno. Tem mais pet shop no Brasil hoje do que farmácia. Então tem mais gente ligada à questão de animais. O pessoal do pet em Brasília foi o que mais cresceu. É uma coisa impressionante.
A bancada do cão? (risos)
(risos). É a bancada do pet, acho. No nosso café da manhã semanal da frente ambientalista é a turma que mais tem atividade. É o que mais tem atraído gente.
Como é essa frente ambientalista? Um levantamento recente do jornal “O Estado de S. Paulo” mostrou que muitos deputados aparecem na frente, mas também são da bancada ruralista.
São quase 300 pessoas que já assinaram na frente ambientalista. E não é uma frente ideológica. É uma frente de formação. Então se o parlamentar não está comigo hoje na questão do Código Florestal, ele está na discussão sobre resíduos sólidos. Se o outro não está num tema tal, pode estar na discussão sobre pagamento de serviços ambientais. A questão é saber com quem você pode contar em cada questão. Então temos os grupos de trabalho: o das águas, o dos serviços ambientais, o dos animais, que é hoje o mais animado. E tem muitos no do Código Florestal também, agora acompanhando a implementação.
Os ambientalistas fizeram campanha contra a mudança do Código Florestal e perderam. Se era ruim, por que agora querem a implementação rápida?
Mas tinha coisa boa nele. Nós queremos o CAR (Cadastro Ambiental Rural). Isso vai mostrar quem é quem. Foi a coisa que a CNA foi mais contra. Olha, acho que só teve um momento em que a concentração de terra foi mais desigual que hoje, só na época da capitania hereditária. O maior problema ambiental brasileiro é fundiário. Começa aqui mesmo, em São Paulo, na [represa de] Guarapiranga, em Santo André, na [represa] Billings. Se você pegar aqui, na zona sul [de São Paulo], eu te garanto: 80% das pessoas que moram lá não tem nem documento em cartório, o título. Uma insanidade. O Brasil é completamente irregular. E 90% dessas ocupações foram feitas por políticos. Você sabe, os políticos que fizeram a ocupação em Santo Amaro [bairro da zona sul] são os que mandam aqui em São Paulo hoje, junto com o [prefeito Fernando] Haddad. O maior problema é o fundiário. Então vamos fazer cumprir o Código naquilo que os ruralistas têm maior pavor, que é o controle.
Mas o que se sabe hoje?
Nada.
Como nada? Você sabe quem são os grandes. Você mesmo citou o Blairo Maggi, por exemplo.
Ah, você tem dois ou três. Mas não se sabe os grupos que estão atrás, não sabemos o quem é quem nessas propriedades. E tem um monte de laranja nisso. Então se você tiver o CAR de todas as propriedades, vai saber quem está aonde, como é que está a reserva legal, os limites exatos da propriedade, tudo georreferenciado. Aí você vai saber o tamanho desse Brasil. Como era antes? Tinha a lei que dizia que tinha que tinha que ter reserva legal, mas você não sabia onde nem como. Tinha a lei que dizia que tinha que ter APP, mas não se sabia onde nem como. Agora vamos saber. Quantos proprietários foram beneficiados com a anistia ampla, geral e irrestrita [para desmatamentos feitos antes de 2008] que colocaram no Código? Vamos saber. Quem são eles? Vamos saber. E esses desmatamentos anistiados estão aonde? Vamos saber. Então são elementos para você conhecer e depois entrar na Justiça.
Meio ambiente dá voto?
Nunca deu.
Não é um paradoxo?
O tema nunca esteve tão na moda. O apelo está por toda parte, virou marketing das grandes corporações, mesmo as que poluem, está nos discursos de todos os partidos, na mídia, nas escolas… É, mas ainda não dá voto. O que dá voto? Vai para o cara que faz asfalto, o que dá cesta básica. É o de sempre. A população ainda não tem essa visão sobre meio ambiente. São temas universais. É como a reciclagem: todo mundo é a favor, mas só 2% fazem. Ou saneamento. Todos sabem que cano enterrado não dá voto. Hoje o cara diz “eu fiz um posto de saúde, fiz o hospital regional”. Aí você pergunta quantos dos internados nesse novo hospital são por doenças de origem hídrica. Dá 70%. Agora, se fizer um metro de cano, tira sete internações. Mas aí ninguém vê. E é tudo muito recente. Muitos desses ruralistas têm razão quando falam. Eles dizem: “30 anos atrás foi o governo que mandou derrubar [a mata], mandou colonizar”. Na cidade também é recente. Trinta anos atrás você não tinha uma lei de uso de solo como tem hoje. Agora tem de ter recuo de frente, de lado, calçada, tudo. Não existia antes. Essas coisas serão cada vez mais exigidas, pois estamos vendo que a cidade fica inviável. Então é muito pouco tempo. Qual é a história do Brasil? Depreda, depreda, depreda. A natureza era uma coisa a ser conquistada, a ser incorporada, nunca teve custo. Esgotou a terra? Abre outra, vai abrindo.
No meio político todo mundo se surpreendeu com a filiação da Marina Silva no PSB após o fracasso da criação da Rede a tempo de disputar em 2014. Entre os ambientalistas também houve surpresa?
Também. Eu não esperava. Eu esperava que ela seguisse firme com a história da Rede e não se entusiasmasse com essa eleição de 2014, que é uma bola dividida. Agora, o que acho que deixou a Marina contrariada é que ocorreu uma baita sacanagem, né? Eles já tinham conseguido as assinaturas [para criar o partido]. Você acha que o Partido Ecológico Nacional conseguiu as assinaturas? O Paulinho [da Força, para criação do Solidariedade]? Então acho que foi uma resposta dela a esse tipo de agressão. No meio, tem gente que gostou [da filiação ao PSB] porque acha que tem de ocupar espaço político. Outros não, como eu. E eu não acho que tem de ter um partido só de meio ambiente. Muito melhor é ter o assunto permeado em todos, PMDB, PSDB, PV, PSOL. O PT tinha um grupo muito bom, mas esvaziou. Mas eu não sei se ela terá tanto ganho quanto teve quando concorreu sozinha.
Quem é melhor parlamentar para tratar de meio ambiente em Brasília hoje?
O Zequinha (Sarney Filho, PV). É o cara mais nota dez com quem eu já trabalhei. E vai se ferrar por causa disso, viu? Porque a base eleitoral dele no Maranhão é onde está o agronegócio hoje. E os caras estão jogando pesado contra ele lá. Pesado mesmo, detonando. Ele vai ter muito problema para se reeleger. O Zequinha… Fiz todas as campanhas contra o pai dele… E é uma coisa impressionante, ele é o meu melhor parceiro lá em Brasília. Desde ministro. Antes até. É o cara mais coerente de Brasília. Eu o conheci antes da Constituição. Na Constituição ele nos apoiou, participou daquele primeiro grupo pequeno, que diziam cabia numa Kombi (risos). E foi aquele grupo que escreveu o capítulo do meio ambiente na Constituição. O cara teve uma vida pautada nesse tema. É por isso que foi ministro, já tinha história.
E no Senado?
Tem gente boa. Você tem o senador de Brasília, o [Rodrigo] Rollemberg (PSB-DF), ele é muito bom. E tinha lá o [Jorge] Viana (PT-AC), né? Mas foi uma das maiores traições que a gente teve, um terror. [Viana foi um dos relatores das mudanças do Código Florestal e, na avaliação dos ambientalistas, atuou em desacordo com os interesses do meio ambiente]
Já acertaram as contas com ele?
Ah, não. Vai ser difícil. Foi terror. Eu mesmo nunca mais falei com ele. E olha que eu converso com todo mundo. Ele traiu. Traiu a Marina até.
E a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO, presidente da CNA), que aparece como porta-voz dos fazendeiros?
Ela é a amiga da presidente, né? Aparecem de mãos dadas. A Kátia é aquela coisa… É o problema pessoal dela. É tudo complicado. Essa mulher tem interesse particular, não é nem interesse corporativo. Eu acho que a bola lá está dividida por lá. Acho que o Roberto Rodrigues, por exemplo, tem uma visão totalmente diferente da dessa mulher. É possível conversar com o Roberto. Com ela, nem pensar, é impossível. E ela tem bala, tem 20 e tantos assessores parlamentares, os melhores jornalistas estão com ela agora, cada dia produzem uma nota. E ela está bem. Bancou o Brasil no Fórum Mundial de Água. Ela tentou colocar aquela tese de que se o Brasil tem APP então todos os países tinham que ter. Nós fomos lá e demos o “Troféu Copo Vazio” para ela (risos). Aí eles ficaram bravos, “quem banca esse estande somos nós”. É desse jeito, é ridículo. Então ela está fazendo confronto, não faz diálogo. Todos os posicionamentos dela são agredindo. Muito do que foi o Aldo Rebelo no fim. Aquela conversa “as ONG internacionais”, “os que querem impedir o Brasil”. Ora, eu não sou ONG internacional.
Por: Ricardo Mendonça
Fonte: Folha de S. Paulo
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