A Câmara dos Deputados instalou, ontem à noite, a comissão especial que vai analisar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do governo federal para o Congresso a atribuição de aprovar a demarcação de Terras Indígenas (TIs) e a criação de Unidades de Conservação (UCs). Se aprovado, na prática o projeto deverá paralisar os processos de formalização de áreas protegidas.
A comissão foi instalada pelos próprios ruralistas, em clima tenso e sob protestos de índios dentro do Congresso. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), autorizou o funcionamento do colegiado mesmo sem a indicação formal de um presidente, de um relator e dos representantes do PT, PV e PSB. A articulação política do Planalto fez vista grossa da manobra.
Alves tomou a decisão depois de uma reunião com os ruralistas, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Mesmo depois de Cardozo reafirmar que a PEC é inconstitucional, o Planalto não acionou sua base parlamentar para barrar a ação do presidente da Câmara e dos ruralistas.
“O governo está completamente desarticulado e conivente”, criticou o deputado Padre Ton (PT-RO), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas. Ele sugere que Cardozo também não fez nenhuma articulação para tentar se contrapor à bancada da agropecuária. “O PT tem toda a força, 89 deputados. Se ele quisesse, poderíamos colocar o presidente contra a parede”, afirma Padre Ton.
A reunião para a eleição do presidente e do relator da comissão foi convocada para hoje à tarde. Padre Ton defende que o PT não indique seus representantes para tentar impedir o início dos trabalhos. Há divergências dentro do partido sobre a melhor a estratégia a seguir, mas a tendência é que a legenda aceite indicar seus representantes e o presidente. O nome cotado para assumir o cargo é o do deputado Afonso Florence (PT-BA). O provável relator seria Osmar Serraglio (PMDB-PR), que já produziu um parecer favorável à proposta na Comissão de Constituição e Justiça.
A perspectiva é de aprovação da PEC 215. Dos 22 titulares do colegiado, a estimativa é que não mais do que seis seriam contra a proposta. Se referendado na comissão, o projeto segue ao plenário da Câmara, onde precisar ser aprovada em dois turnos, e depois vai ao Senado.
A instalação da comissão é um compromisso de campanha fechado por Alves com os ruralistas. O presidente da Câmara chegou a defender, durante o dia, o adiamento da instalação do colegiado diante das divergências sobre o assunto. Os ruralistas não tomaram conhecimento da posição e instalaram a comissão por volta das 21h.
“É a terceira vez que Henrique Alves declara guerra aos índios para chantagear o governo a favor dos ruralistas. Está acirrando o conflito para o ano da Copa e das eleições”, afirma Márcio Santilli, sócio fundador do ISA.
Em abril deste ano, Alves firmou um acordo para adiar a instalação da comissão depois que um grupo de índios ocupou o plenário da Câmara. Ele criou um grupo de trabalho formado por líderes indígenas, ruralistas e defensores dos direitos indígenas. Os ruralistas recusaram-se a participar do trabalho e o grupo elaborou um parecer contrário à PEC 215. Mesmo assim, Alves concordou em criar a comissão especial (saiba mais).
Durante a Mobilização Nacional Indígena, que ocorreu na primeira semana de outubro, a presidenta Dilma Rousseff chegou a divulgar que orientaria sua base parlamentar para votar contra a PEC 215.
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