O governo tem tentado, mas até agora não conseguiu reverter o posicionamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) quanto ao licenciamento ambiental da hidrelétrica de São Manoel, um projeto de 700 megawatts de potência estimado em R$ 2,2 bilhões, que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) pretende licitar em leilão marcado para 13 de dezembro.
Nesta semana, apurou o Valor, São Manoel foi tema de reunião fechada no Ministério de Minas e Energia. Técnicos da EPE reuniram-se com representantes da Funai, na tentativa de tentar dar um fim ao impasse. Não houve acordo. A fundação manteve seu posicionamento contrário aos estudos apresentados sobre a usina, prevista para ser construída no rio Teles Pires, que divide os Estado do Mato Grosso e Pará.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Valor obteve o ofício que a Funai encaminhou ao Ibama, após analisar os estudos do componente indígena da usina. No documento, afirma que o levantamento da EPE contabilizou 28 impactos sobre os povos indígenas, dos quais 27 são negativos e apenas um pode ser classificado como adverso e benéfico. “Desses, cinco foram considerados irreversíveis pela própria EPE. Do ponto de vista da Funai, outros três foram considerados também irreversíveis, totalizando oito impactos irreversíveis”, diz o documento.
A Funai afirma que não tem informação suficiente para firmar um posicionamento técnico seguro sobre temas como o impacto aos peixes, apesar de ter cobrado levantamentos mais precisos. “Os estudos realizados não responderam suficientemente ao requerido pela Funai, nem foram apresentadas medidas de comprovada eficácia para mitigar impactos, sendo proposto um programa de monitoramento”, afirma a fundação, que é vinculada ao Ministério da Justiça.
A Funai menciona o caso de licenciamento de outra hidrelétrica em construção na mesma região, a usina Teles Pires, onde foi estabelecida uma série de condicionantes na etapa de licenciamento prévio, “as quais não foram cumpridas, sendo uma delas o monitoramento da ictiofauna [conjunto das espécies de peixes] por três anos”.
A falta de dados, segundo a Funai, também compromete a avaliação do componente sociocultural. Cita o caso do povo Munduruku, que sequer permitiu a realização de estudos em suas aldeias, “o que leva à ausência de estudos primários de impacto a esse povo”.
Em suas considerações finais, a fundação afirma que não possui “elementos conclusivos para manifestação positiva em relação à continuidade do processo de licenciamento”. A consequência disso é que o Ibama fica praticamente de mãos atadas para liberar a licença da usina, porque não tem o aval da Funai. Sem essa autorização prévia, o projeto hidrelétrico não pode ir à leilão.
Em resposta encaminhada ao Valor, a EPE questiona os dados da Funai. Segundo a autarquia, são apenas dois os impactos irreversíveis do empreendimento, e não oito, como afirma a fundação. “No ofício da Funai há contagem dupla e até tripla de um mesmo impacto que se prolonga por várias fases do projeto (planejamento, construção e operação)”, rebate a EPE. “Importante observar que impacto irreversível não significa necessariamente inviabilidade de um empreendimento. O tratamento de todos os impactos identificados está contemplado nos programas e medidas ambientais propostos pelos estudos.”
Em relação à inconsistência dos estudos sobre impactos nos peixes, a autarquia afirma que “o Ibama, a quem compete opinar sobre o tema, sinalizou que os estudos da EPE são satisfatórios”.
A EPE afirma que fez consultas públicas aos indígenas e diz que uma audiência sobre o projeto, realizada em setembro, contou com a presença de quase 70 membros das etnias Kaiabi e Munduruku, que teriam manifestado “claro interesse em participar do detalhamento” dos programas. “Além disso, representantes de todas as comunidades indígenas estiveram presentes nas três audiências públicas realizadas.”
Apesar do cronograma apertado, a EPE ainda acredita na possibilidade de conseguir autorização para o projeto ir ao leilão de dezembro. Segundo a estatal, o estudo do componente indígena de São Manoel propõe mais de 40 programas ambientais, que asseguram que o projeto é viável do ponto de vista técnico, econômico e socioambiental.
Por André Borges Fonte: Valor Econômico
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