A falta de regulamentação e fiscalização e a omissão das autoridades competentes para coibir a extração ilegal de madeira e diamantes em terras indígenas levaram um procurador da República a autorizar a derrubada de árvores em seus territórios, mesmo sem haver previsão legal para tanto, para “quitar débitos” com madeireiros e outros atravessadores. Foi o que denunciaram dois técnicos indigenistas da Fundação Nacional do Índio (Funai) que participaram de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), nesta terça-feira (5).

O caso denunciado reforça, de acordo com os senadores participantes da reunião, a necessidade de se aprovar uma lei que permita a exploração legal, regularizada e sustentável, com pagamento de todos os tributos e taxas previstos e com a destinação correta de recursos para promover o bem estar e o desenvolvimento das populações indígenas.

– Não podemos mais fazer vistas grossas a esta questão. A exploração de recursos naturais dentro das reservas é uma realidade, e muitas vezes com consequências trágicas. A meu ver, isto acontece principalmente por falta de leis claras que determinem o que pode e o que não pode ser explorado – disse o presidente da comissão, senador Blairo Maggi (PR-MT).

Valdir Gonçalves e José Nazareno de Morais apresentaram documentos, memorandos e fitas de vídeo para comprovar a autorização ilegal concedida pelo procurador da República Reginaldo Trindade, que segundo eles, promoveu mais devastação da floresta amazônica e instigou outras etnias a pleitear o mesmo tratamento, como os zoró e os cinta-larga. Os suruís, de Rondônia, foram os primeiros beneficiados. O descaso das autoridades competentes por fiscalizar e reprimir a atividade contribuiu mais ainda para o crescimento da destruição, disseram.

Diamantes

Outro caso mencionado pelos técnicos indigenistas diz respeito à exploração ilegal de diamantes nas terras dos índios cinta-larga, no garimpo Roosevelt. Segundo contaram, as pedras apreendidas em operações policiais podem até mesmo ter sido trocadas por outras rochas de menor valor. Eles pediram ajuda da comissão para apurar as responsabilidades dos que se omitiram ou permitiram as irregularidades mencionadas. Também pediram auxílio aos indígenas, para que não mais se submetam a ilegalidades ao buscar meios para sobreviver além das cestas básicas doadas pelo governo.

– Tem que ser por via dessa comissão o desencadeamento do dispositivo legal que falta para os índios saírem da marginalidade e pararem de conviver com a miséria – pediu Valdir.

Eles também disseram esperar pressões pelas denúncias que fizeram.

– Tenho certeza que daqui mais uns dias a represália vai vir sobre nossas cabeças, mas estamos prontos para responder em todas as instancias necessárias – destacou José Nazareno.

Estatuto

O coordenador geral de gestão ambiental da Funai, Jaime Siqueira, afirmou que a instituição não é contrária à exploração sustentável de recursos naturais das terras indígenas e cobrou do Congresso Nacional a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, que traz essa previsão e foi diretamente negociado com várias etnias.

– Não há uma visão romântica nem radical no sentido de que não devemos aproveitar os recursos dentro de terra indígena, desde que seja regulamentado e devidamente discutido com os indígenas. No estatuto, existe certo consenso em relação a essas questões – lembrou.

Siqueira também concordou que deveria haver mais presença do Estado nas terras indígenas e que os ilícitos ocorrem por absoluta ausência das autoridades nesses locais. Segundo afirmou, a Funai não tem dado conta sozinha do recado com o efetivo que tem hoje. Só neste ano, 30% dos servidores irão se aposentar, sem previsão de novos concursados assumirem, informou.

Ele também depositou esperanças na recém-criada Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), para promover e garantir a proteção, recuperação, conservação e o uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas.

– Precisamos de uma ação articulada de governo, sociedade civil e do apoio do Legislativo para fazer valer o que está na PNGATI – declarou.

Reações

Vários senadores participantes da reunião se disseram estarrecidos com as denúncias. Cícero Lucena (PSDB-PB) chegou a questionar se não seria o caso de instalar uma comissão parlamentar de inquérito e sugeriu a convocação da presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, e do procurador Reginaldo Trindade para esclarecimentos. Já Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor do requerimento de audiência, afirmou que a Funai é conivente por não impedir as ações ilegais.

Ivo Cassol (PP-RO) citou que o problema ocorreu durante sua gestão à frente do governo de Rondônia, e afirmou que a responsabilidade pela extração ilegal, permitida pela ausência de fiscalização das esferas federais, acaba recaindo sobre as costas dos governadores. Segundo afirmou, o potencial mineral com o diamante na área dos cinta-larga é tão grande que, se for explorado legalmente, com certeza a economia de alguns países dependentes do diamante como lastro “vai balançar”.

FONTE : Agência Senado