Nem mesmo a posse de documentação que comprova a origem indígena impediu que uma família macuxi fosse intimada a deixar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). A notificação extraoficial, expedida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), determina que os notificados se retirem da área em um prazo de 30 dias.
O documento, expedido no dia 18 de novembro, afirma que a indígena Regina Pereira Lima e o filho, Janegildo Lima Barros, estão impedidos de permanecer na reserva indígena sob a justificativa de que eles teriam dado à fazenda Lago da Veada “caráter produtivo contrário ao postulado pelas demais comunidades circunvizinhas, que possuem caráter produtivo comunitário, e não privado, como praticado pela família ora notificada”.
A propriedade fica na comunidade de Patativa, a cerca de 20 quilômetros da sede do município de Normandia e possui cerca de 1.800 hectares, onde a família vive desde 1992. Segundo a notificação, caso não se retire até o dia 18 de novembro, os proprietários estarão sujeitos a outras medidas, judiciais ou extrajudiciais, para que deixem área.
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, de que somente os indígenas deveriam permanecer na TI, a família conseguiu um Termo de Permanência na área junto à Justiça Federal. O documento foi assinado pelo desembargador Jirair Meguerian, então responsável pelo acompanhamento do processo de desintrusão, por representantes da Polícia Federal, Funai e da liderança da comunidade à época.
O documento deixa claro que ao permanecerem na TIRSS, a família não teria direito a qualquer valor indenizatório pelas benfeitorias na fazenda. No entanto, a família afirma ter entrado na Justiça para garantir o direito de receber a indenização pelas benfeitorias, algo em torno de R$ 180 mil, e ainda assim permanecer na área. “Temos direito porque fizemos benfeitorias, e com a demarcação, as terras passam a ser da União”, disse Heliton Lopes dos Santos, familiar do proprietário da fazenda.
Ao rechaçar a afirmação de que a propriedade estaria vivendo em uma cultura individual, Santos afirmou que o imóvel possui cerca de 700 cabeças de gado, das quais partes vão para benefício da comunidade. Segundo ele, parte do gado é cedida para que a comunidade usufrua do estrume, leite, e da sorte do gado (a cada quatro bezerros nascidos, um passa a ser da comunidade).
Ele explicou ainda que em agosto deste ano, a própria Funai declarou Janegildo Lima Barros como 2º tuxaua da comunidade Patativa, o que, segundo ele, demonstra que a família vinha sendo plenamente aceita pela comunidade. “A mesma pessoa da Funai que assinou a declaração do meu cunhado como 2º tuxaua, agora assina documento em que diz que ele não vive como índio!”, indignou-se.
Santos acredita que a decisão da Funai tenha sido baseada em pressões do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que segundo ele, sempre foi manifestadamente contra a presença deles no local. “Eles ingressaram inclusive na justiça, pedindo para cassar o nosso Rani [Registro Administrativo Indígena] e já nos ameaçaram várias vezes para que a gente deixe a área”, relatou.
O coordenador do CIR, Mário Nicácio, confirmou que a entidade tem interesse que a família saia da reserva. Segundo ele, o motivo seria o fato de eles terem recebido a indenização e ainda assim, terem permanecido na área. “Além disso, eles estão indo contra as regras ao arrendarem a fazenda para gado de terceiros. Esse foi um dos motivos que nos levou a pedir o cancelamento do Rani deles”, explicou.
A reportagem tentou contato com o coordenador regional da Funai, André Vasconcelos, mas ele não foi localizado para comentar o assunto.
FONTE : Jornal Folha de Boa Vista – http://www.folhabv.com.br/Noticia_Impressa.php?id=160503
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