Procuradores da República que atuam na área ambiental em toda a Amazônia se reuniram nos dias 17 e 18 de outubro, em Belém, para planejar e definir diretrizes para a atuação na região nos próximos meses. Ligados à 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), eles ouviram exposições de pesquisadores, representantes da cadeia produtiva da pecuária e do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes de Guedes. “É a primeira vez que nos reunimos apenas para discutir questões amazônicas e pensar estratégias para atuar sobre os problemas da região”, disse o subprocurador-geral da República Mário José Gisi, coordenador da 4ª Câmara.  

O pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon) expôs aos procuradores sobre os desafios no controle do desmatamento na região. Nos últimos quatro anos houve uma redução de mais de 40% dos índices em razão dos acordos que o MPF assinou com os frigoríficos, garantindo maior controle sobre a atividade pecuária – o maior vetor de desmatamento até então.

Barreto observou aos procuradores que a fiscalização agora tem novos desafios, com a mudança no Código Florestal e até no perfil dos desmatadores. O desperdício de áreas desmatadas – os chamados pastos sujos, em que há derrubada mas nenhuma atividade econômica, apenas especulação fundiária – foi apontado pelo pesquisador como um problema chave para avançar no controle.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), são 10 milhões de hectares de pastos sujos só no Pará, que permanece como um dos maiores desmatadores da região amazônica. Oitenta por cento dessas áreas, destinadas à grilagem, estão concentradas em 13 municípios paraenses.

Para o pesquisador, um maior controle fundiário é fundamental para evitar o desperdício de terras, aumentar a produtividade da atividade pecuária e, consequentemente, reduzir o desmatamento. Para Barreto, a grilagem e a especulação fundiária são vetores importantes para o desmatamento, em conexão com os grandes empreendimentos governamentais que atraem especuladores justamente onde estão hoje os maiores eixos de desmatamento na Amazônia, na região da BR-163 e das usinas hidrelétricas projetadas para o rio Tapajós, no oeste do Pará.

A grilagem se tornou vetor de desmatamento nessas zonas não só por causa dos grandes empreendimentos governamentais como também pelos sinais que o governo federal emitiu aos grileiros, criando expectativa de direito em especuladores fundiários ao reduzir por decreto unidades de conservação que atrapalhavam os projetos de hidrelétricas. Para o Justiniano Neto, secretário estadual do programa Municípios Verdes, que faz controle do desmatamento em áreas estaduais, o sinal que vem de Brasília para os grileiros é de que vale a pena investir em desmatamento e invasão de áreas públicas. A admissão, por parte do governo federal, de que a Floresta Nacional do Jamanxim pode ser reduzida, é apontada como uma causa importante para os altos índices de desmatamento em Novo Progresso, hoje um dos municípios que mais desmata no país.

O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Torres, também reforçou o papel do descontrole fundiário como fator de pressão tanto sobre a floresta como sobre as populações tradicionais que são as principais responsáveis pela preservação do bioma amazônico. Os índices de desmatamento em assentamentos de reforma agrária, para o pesquisador, não podem ser atribuídos aos assentados, mas sim à reconcentração fundiária – compra de lotes de reforma agrária para formar fazendas maiores – e à expulsão dos assentados.

Para Torres, a definição de população tradicional é arbitrária e sempre controversa. O pesquisador prefere falar em pobres. São as pessoas que vivem na região há séculos – como indígenas – ou que migraram de outras regiões do país – quilombolas, ribeirinhos, agricultores, assentados, mas manejam os recursos amazônicos para subsistência com baixíssimo impacto e por isso tem um papel fundamental na sobrevivência dos ecossistemas amazônicos.

Torres citou os vários conflitos que existem na região entre essas populações tradicionais e os considerados produtores de riqueza, desde os moradores de unidades de conservação que enfrentam o roubo de madeira de seus territórios, até os garimpeiros tradicionais que são perseguidos pelo Estado brasileiro, mas causam danos infinitamente menores do que grandes mineradoras que recebem grandes incentivos governamentais para se instalar na região. Além dos incentivos financeiros e do novo Código de Mineração que está em discussão no Congresso Nacional, para Torres as usinas hidrelétricas projetadas evidenciam a política estatal de incentivar a mineração em áreas protegidas da Amazônia, expulsando essas populações.

As usinas projetadas para a região – em todas os países amazônicos são 153 hidrelétricas planejadas, quase todas com a participação de empreiteiras brasileiras e financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – se tornaram uma das maiores tarefas de fiscalização do MPF na Amazônia. Um desafio que obrigou a instituição a repensar sua atuação. Entre as resoluções do Encontro, os procuradores da área ambiental decidiram se dividir por bacia hidrográfica para conseguir atuar contra as inúmeras irregularidades desses empreendimentos. A partir de agora, um núcleo de procuradores de todos os estados amazônicos atuará em conjunto para apoiar a fiscalização sobre os projetos barrageiros.

Carne Legal
– O controle do desmatamento através dos acordos com frigoríficos permanece como uma das principais atuações do MPF na área ambiental na Amazônia. Representantes dos maiores frigoríficos (JBS-Friboi e Marfrig), assim como as maiores cadeias de varejo do país (Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart), estiveram presentes no encontro apresentando suas soluções para o controle e monitoramento dos fornecedores de produtos bovinos. De acordo com Márcio Nippo, do frigorífico JBS, dos 70 mil fornecedores (fazendas) de carne do grupo, 35 mil estão na região Norte. Desde que assinaram o termo de ajuste de conduta com o MPF em 2009, os frigoríficos estão obrigados a fazer controle rigoroso de seus fornecedores.

No encontro, tanto varejistas quanto frigoríficos apresentaram os sistemas que desenvolveram para cumprir o acordo. São sistemas de informação online que permitem aos compradores de produtos bovinos dessas empresas verificarem a situação de cada propriedade pecuarista antes da compra. Para citar um exemplo, até a semana passada o JBS (maior frigorífico do mundo) tinha 2.640 propriedades embargadas por motivos ambientais, trabalho escravo ou por invasão de terras indígenas e unidades de conservação. Uma vez bloqueadas, as fazendas ficam excluídas do mercado até comprovarem a regularização das atividades.

Assentamentos Verdes – Recentemente o MPF passou a atacar as taxas de desmatamento também em assentamentos de reforma agrária. Em setembro passado, o Incra, processado pela ausência de licenciamento e pelo alto desmatamento nos assentamentos da Amazônia, assinou um acordo que prevê a regularização ambiental dessas áreas. Uma das próximas etapas desse trabalho será a seleção dos primeiros 600 assentamentos que serão regularizados, um trabalho que será feito em parceria entre o Incra e o MPF. O presidente do Incra, Carlos Guedes de Guedes, esteve presente no encontro dos procuradores e reafirmou o compromisso de regularizar os assentamentos. Além disso, pediu ao MPF colaboração para que, na criação de novas áreas de reforma agrária, a preocupação ambiental esteja presente desde o início.
 
Veja aqui a íntegra da Carta de Belém, com as resoluções do encontro.
 
 FONTE  :  Assessoria de Comunicação  /   Ministério Público Federal no Pará