A Secretaria-Geral da Presidência da República promoveu ontem (1), em Brasília, um encontro com representantes de várias organizações sociais. Além de retomar o debate sobre a regulamentação da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o evento serviu para que o governo estendesse a outras organizações civis de defesa dos direitos sociais, além das diretamente envolvidas com a questão indígena ou quilombola, a possibilidade de participar do processo de regulamentação.
Representantes de ao menos 20 das mais de 30 organizações convidadas compareceram ao encontro, que reuniu membros da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Instituto Socioambiental (ISA), Justiça Global e Fundação Ford, entre outras. As entidades indigenistas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), recusaram o convite.
O Cimi informou, por meio da assessoria, que seria um contrassenso participar de um encontro que as principais organizações indígenas, mesmo não tendo sido convidadas a participar, repudiaram. A entidade avalia que o governo age contraditoriamente, divulgando querer promover um processo transparente, enquanto adota ou apoia iniciativas contrárias aos interesses indígenas, como a proposta de modificar os processos de criação de reservas, consultando outros órgãos além da Fundação Nacional do Índio (Funai). A Comissão Pró-Índio declarou não se sentir à vontade para participar de uma conversa para a qual os principais interessados, índios, quilombolas e comunidades tradicionais, não foram convidados.
A Convenção 169 foi aprovada pelo Congresso Nacional em junho de 2002 e sancionada pela Presidência da República em abril de 2004. Entre outras coisas, ela estabelece que os povos indígenas e os regidos por seus próprios costumes e tradições ou por legislação especial sejam consultados sempre que seus interesses forem afetados por medidas legislativas ou administrativas.
Pela norma, a consulta deve ser feita “mediante procedimentos apropriados” e por meio de instituições representativas, “com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”. A falta de regulamentação da convenção tem servido de justificativa para protestos contra grandes empreendimentos, como nas sucessivas ocupações dos canteiros de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará.
Durante o encontro, representantes da Secretaria-Geral da Presidência detalharam a evolução dos trabalhos do grupo responsável por conduzir o processo de regulamentação com a participação social. Criado em janeiro de 2012, o grupo de trabalho é coordenado pela secretaria e pelo Ministério das Relações Exteriores. Reúne representantes de 24 ministérios e autarquias e conta com a participação de integrantes de organizações sociais e da sociedade civil organizada. Segundo a Secretaria-Geral, o grupo já promoveu cinco reuniões informativas com comunidades quilombolas de Novo Airão e de Goiânia, em Goiás, Registro (SP), Montes Claros (MG), Porto Alegre (RS) e Teresina (PI) e Tabatinga (AM), além de uma com povos indígenas, em Tabatinga (AM).
O movimento indigenista, contudo, questiona o processo. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por exemplo, divulgou nota na qual diz que, “mesmo com a realização de algumas reuniões isoladas e informais com alguns povos e comunidades, o apregoado processo participativo não tem acontecido”. A entidade, que reúne organizações indígenas de várias partes do país, destacou que o movimento não admite que a regulamentação consulta prévia seja apressada em função da urgência do governo federal de viabilizar grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2) ou para responder às exigências da OIT e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo a secretária adjunta de Articulação Social da Secretaria-Geral, Juliana Gomes Miranda, além de convidar outras organizações de defesa dos direitos humanos a se envolverem no processo, o grupo de trabalho decidiu endossar a reivindicação dos movimentos sociais quanto à necessidade de o governo aceitar discutir a sugestão de revogar a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU). Com seus efeitos temporariamente suspensos, a portaria é repudiada por movimentos sociais por estender para todos os processos demarcatórios de terras indígenas as 19 condicionantes determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para aprovar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
“As entidades se posicionaram, fizeram suas críticas e uma análise da conjuntura que reconhecemos que nem sempre é favorável aos sujeitos dos direitos [previstos] na convenção. Não temos como fechar os ouvidos às manifestações sociais e não é nossa proposta substituir os sujeitos de direitos pelas entidades da sociedade civil. Desde o início, nós temos priorizado o diálogo direto com o público-alvo da convenção”, disse Juliana, destacando a complexidade do tema, que vai além da consulta prévia.
“Estamos entendendo a mensagem da sociedade, assim como já tínhamos entendido a mensagem que os índios vinham apresentando. Mas, também, precisamos colocar a nossa mensagem. Isso é o diálogo. Todos têm que procurar ser flexíveis. Hoje, nosso objetivo era avaliar a situação com a sociedade civil, mas já estamos fazendo isso com os quilombolas e gostaríamos de também estar fazendo com os indígenas. Evitar o diálogo não é uma forma de lutar”, disse Juliana.
Fonte: Agência Brasil – EBC / Por: Alex Rodrigues / Edição: Aécio Amado
Deixe um comentário