Em reunião realizada com a presidente da República na tarde dessa quarta-feira, lideranças e organizações indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e distintos povos do Brasil reivindicaram do governo, a construção de uma agenda positiva, com compromissos e metas concretas para atender as demandas dos povos indígenas. 

Na carta entregue à presidente da República, a APIB fala do “rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional brasileiro”. Os indígenas repudiam “quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores do governo, principalmente a Casa Civil e Advocacia Geral da União”.

Eis a carta.

Estimada Presidenta:

Nós lideranças indígenas de distintos povos e organizações indígenas das diferentes regiões do Brasil, reunidos nesta histórica ocasião com a vossa excelência no Palácio de Governo, mesmo em número reduzido, mas o suficientemente informados e profundamente conhecedores, mais do que ninguém, dos problemas, sofrimentos, necessidades e aspirações dos nossos povos e comunidades, viemos por este meio manifestar, depois de tão longa espera, as seguintes considerações e reivindicações, que esperamos sejam atendidas pelo seu governo como início da superação da dívida social do Estado brasileiro para conosco, após séculos de interminável colonização, marcados por políticas e práticas de violência, extermínio, esbulho, racismo, preconceitos e discriminações.

Estamos aqui, uma pequena mas expressiva manifestação da diversidade étnica e cultural do país, conformada por 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas distintas com uma população aproximada de 900 mil habitantes conforme dados do IBGE. E em nome desses povos que:

– Reiteramos o nosso rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável, inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram guardiães natos. Contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e integridade territorial e a soberania do nosso país.

– Repudiamos toda a série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos antecederam, durante o período da constituinte.

– Somos totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores de seu governo, principalmente a Casa Civil e Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros.

– Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas que poderão condenar os nossos povos a situações de indesejável miséria, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já se verifica em todas as regiões do país, principalmente nos estados do Sul e no Estado de Mato Grosso do Sul.

– Rechaçamos a forma como o governo quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado, implantando a qualquer custo, nos nossos territórios, obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando a nossa visão de mundo, a nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe Natureza, os nossos direitos originários e fundamentais, assegurados pela Carta Magna, a Convenção 169 e a Declaração da ONU.

Reivindicações

Diante deste manifesto, expressamos as seguintes reivindicações:

1. A incidência do governo junto a sua base para o arquivamento das Propostas de Emendas à Constituição (PEC) 038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e Congresso Nacional respectivamente a competência de demarcar as terras indígenas, usurpando uma prerrogativa constitucional do Poder Executivo.

2. Reivindicamos o mesmo procedimento para a PEC 237/13 que visa legalizar o arrendamento das nossas terras, do PL 1610/96 de Mineração em Terras Indígenas, do PL 227/12 que modifica a demarcação de terras indígenas, entre outras tantas iniciativas que pretendem reverter os nossos direitos constitucionais.

3. O Governo deve fortalecer e dar todas as condições necessárias para que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) cumpra devidamente o seu papel na Demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas, cujo passivo ainda é imenso em todas as regiões do país, mesmo na Amazônia onde supostamente o problema já teria sido resolvido. Não admitimos que a FUNAI seja desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da Agricultura e outros órgãos, desconhecedores da questão indígena, venham a avaliar e supostamente contribuir nos estudos antropológicos realizados pelo órgão, só para atender interesses políticos e econômicos, como fizera o último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.

4. Para a demarcação de terras indígenas propomos a criação de um Grupo de Trabalho, com participação dos povos e organizações indígenas no âmbito do Ministério da Justiça e da Funai para fazer um mapeamento, definição de prioridades e metas concretas de demarcação.

5. Não aceitamos a proposta de criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prejudicando o papel diferenciado de cada órgão.

6. Exigimos a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades:

6. 1. Portaria 303, de 17 de julho de 2012, iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU) que estende equivocadamente a aplicação para todas as terras a aplicabilidade das condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388/RR), que ainda não transitou em julgado.

6. 2. Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, sendo que o Decreto 1.775/96 já estabelece o direito do contraditório.

6. 3. Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas.

6. 4. Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

7. Reivindicamos também do Governo Brasileiro políticas públicas especificas, efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas.

– Na saúde, efetivação da Secretaria Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para a superação dos distintos problemas de gestão, falta de profissionais, de concurso específico para indígenas, plano de cargos e salários, de assistência básica nas aldeias, entre outros.

– Na Educação, que a legislação que garante a educação específica e diferenciada seja respeitada e implementada, com recursos suficientes para tal e que seja aplicada imediatamente da Lei 11.645, que trata da obrigatoriedade do ensino da diversidade nas escolas.

– Na área da sustentabilidade, instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros programas específico para os nossos povos, com orçamento próprio.

– Para a normatização, articulação, fiscalização e implementação de outras políticas que nos afetam, criação imediata do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), cujo Projeto de Lei (3571/08) não foi até hoje aprovado na Câmara dos Deputados.

8. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), relacionados com a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso Nacional.

9. Considerando que esta reunião com a Vossa Excelência acontece no contexto de muitos outros protestos pelo país inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a outras lutas e causas sociais e populares que almejam como nós um país diferente, plural e realmente justo e democrático. Pela também regularização e proteção das terras quilombolas, territórios pesqueiros e de outras comunidades tradicionais, e pela não urgência do PL do novo marco regulatório da mineração, para assegurar a participação da sociedade civil na discussão deste tema tão estratégico e delicado para a nação brasileira.

10. Reafirmamos por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição para o diálogo aberto, franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da Mãe Natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um Plano de Governo para os povos indígenas, com prioridades s e metas concretas consensuadas conosco.

11. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, lideranças, povos e organizações, e aliados de todas as partes, para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.

Brasília-DF, 10 de julho de 2013.

APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Fonte: CIMI

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