A demora do Congresso Nacional em ratificar o Protocolo de Nagoya, o acordo internacional que dá as regras para o acesso e a repartição de benefícios do uso dos recursos genéticos da biodiversidade, pode prejudicar o Brasil.
“A pior situação possível para o Brasil, o lugar com mais biodiversidade do mundo, é chegar à próxima conferência internacional, em 2014, com 50 países tendo ratificado o protocolo, e o Brasil, não”, alerta o pesquisador Carlos Joly, coordenador do programa Biota, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em 2010, delegações de quase 200 países chegaram a acordo sobre o protocolo, em conferência no Japão. Quase cem países assinaram o acordo e 18 o ratificaram internamente. Quando tiver sido ratificado por 50 países, o protocolo entrará em vigor. Se essa for a situação em outubro de 2014, na Coreia do Sul, quando está marcado outro encontro internacional, os 50 países começam a definir os detalhes do acordo. “Só quem tiver ratificado o protocolo vai poder discutir, e o Brasil corre o risco de ficar de fora.”
O governo encaminhou o assunto ao Congresso em maio de 2012. A Câmara dos Deputados precisa criar uma comissão especial para discutir o tema, mas ainda não criou. Até agora, 18 países ratificaram o protocolo. “Há uma visão equivocada do assunto”, diz Joly. “O governo não consegue ver o valor estratégico que a legislação de acesso aos recursos genéticos tem, do ponto de vista produtivo, para o país”, afirma o pesquisador. “O Brasil só tem a ganhar com o Protocolo de Nagoya.”
A visão equivocada passa pela interpretação de alguns representantes do agronegócio, segundo os quais o Brasil terá, por exemplo, que pagar pelo milho andino. “O protocolo não é retroativo”, disse Zakri Abdul Hamid, presidente do IPBES, sigla em inglês para Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas. É algo como o IPCC – o braço científico da ONU para mudança climática -, mas para biodiversidade.
Zakri está no Brasil para participar de um encontro regional da América Latina promovido pelo Biota-Fapesp e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). A reunião, que acontece esta semana em São Paulo, discute um plano para que os cientistas que trabalham com biodiversidade produzam diagnósticos regionais. O objetivo é um grande relatório, que irá mostrar o estado da biodiversidade no mundo e será lançado em 2018. “A biodiversidade é elemento crucial para a sobrevivência da humanidade”, disse Zakri.
A antropóloga Maria Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago, falou sobre a contribuição dos conhecimentos de comunidades tradicionais para o tema. Lembrou o perigo que existe em se restringir a diversidade de culturas. Citou a fome na Irlanda, que matou 1 milhão de pessoas entre 1845 e 1849. Embora existissem mais de 400 variedades de batatas nos Andes, só duas foram levadas para a Irlanda. Houve uma praga e os irlandeses morreram de fome. “A variedade genética é fundamental”, disse. No Rio Negro, na Amazônia, há mais de cem variedades de mandioca, porque as mulheres, que a cultivam, fazem experiências com as variedades e as trocam entre si.
Fonte: Valor Econômico
Deixe um comentário