Quase um ano após a realização no país da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+20, o Brasil ainda busca finalizar a revisão de seu Plano Nacional de Mudanças Climáticas, sobretudo no que diz respeito ao estabelecimento de regras e mecanismos de incentivo e compensação às ações de preservação de nossas florestas.

Parte importante das diretrizes internacionais de combate ao aquecimento global, o chamado mercado de carbono jamais se desenvolveu plenamente no país, mas isso não impede que governo, parlamento e sociedade civil discutam a possibilidade de implementação de ferramentas de incentivo econômico de segunda geração, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) ou o sistema de REDD, que prevê compensações financeiras por desmatamento evitado.

Uma medida estudada pelo governo é a regulamentação do artigo 41 do Código Florestal, que autoriza o Executivo a criar um programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente. Na prática, além de beneficiar a agricultura familiar, que passaria a ser remunerada também pelos serviços de conservação ambiental prestados, essa regulamentação permitiria a instituição de um Sistema Nacional de REDD, como recomendado pela ONU.

“O efeito prático desses novos instrumentos que, por meio da lei, podem instituir um sistema nacional de REDD ou também projetos de lei de PSA é justamente criar um incentivo positivo. Quer dizer, é você poder oferecer um estímulo um pouco diferente para aqueles agentes e atores que podem trabalhar em prol da conservação. Daí ocorrerá o envolvimento a partir de uma lógica distinta, que é não só ter o controle da lei, mas atuar também com benefícios e pagamentos”, diz Natalie Unterstell, gerente de Mudanças do Clima e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Natalie ressalta que a eventual adoção de novos mecanismos se daria “no contexto legal e institucional que o Brasil já desenvolveu ao longo de vários anos”. Segundo ela, o país tem hoje vários marcos relevantes, como o Código Florestal e suas atualizações, a Lei de Gestão de Florestas Públicas e a Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas. “Há um conjunto de marcos que são absolutamente relevantes para a conservação e para o uso sustentável das florestas. O que a gente está buscando agora – também como sociedade e não só como governo – é trabalhar com instrumentos econômicos novos que possam complementar as abordagens que já existem de comando e controle”, diz.

Para que se estabeleça um novo marco legal, a gerente do MMA sugere que ocorra uma unificação das principais propostas. “Tem várias coisas sendo discutidas, e elas vão ter que se complementar. Tem a regulamentação de artigos do Código Florestal, projetos de lei para PSA e projetos de lei específicos para REDD. Provavelmente, mais pra frente, a gente vai ter uma coisa só. Em algum momento vamos ter que integrar essas várias ferramentas”, aposta Natalie.

A unificação de propostas e esforços também é defendida, no Congresso Nacional, pelo relator da Comissão Mista de Mudanças Climáticas, deputado Sarney Filho (PV-MA). “É preciso haver harmonia e articulação política tanto entre os esforços do governo federal e dos estados quanto na aplicação dos mecanismos do Código Florestal e do Plano Nacional de Mudanças Climáticas”, diz. Sarney Filho pede mais determinação ao Palácio do Planalto: “As maiores dificuldades em aplicar esses projetos reside na falta de consenso dentro do governo, sobretudo na área econômica.”

Ambientalistas

Entre as entidades do movimento socioambiental que acompanham de perto a discussão sobre incentivos econômicos à preservação ambiental, a expectativa é de que a adoção desses mecanismos traga benefícios aos brasileiros: “O estabelecimento de um marco legal para o incentivo à preservação ambiental no Brasil servirá não apenas para reduzir o desmatamento e a degradação florestal, mas, principalmente, para garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais que vivem na floresta”, diz Rubens Gomes, o Rubão, coordenador do Grupo de Trabalho Amazônico, rede que engloba mais de 600 organizações socioambientalistas da região.

Rubão afirma que o pagamento por serviços ambientais é também uma questão de justiça social. “É justa uma compensação que permita o atendimento à saúde e à educação, dentre outros benefícios que viabilizem a qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais. De maneira prática, são esses os atores que cuidam da floresta, e que, consequentemente, auxiliam na manutenção dos estoques de carbono florestal”, diz.

Coordenador-executivo do Instituto Vitae Civilis, Marcelo Cardoso afirma que, “se for bem feito”, um programa de incentivos e compensações pode representar “um ganho para a preservação ambiental” e, ao mesmo tempo, “uma oportunidade para os agricultores familiares” que seriam beneficiados. “A grande oportunidade é justamente esse ganho de você compensar as famílias da agricultura familiar brasileira. Incentivar de alguma maneira a agricultura familiar a conservar, a preservar o meio ambiente”, diz.

Cardoso observa que a regulamentação do artigo 41 do Código Florestal seria uma iniciativa pertinente, já que “em um momento de inflação do preço dos alimentos no país, as políticas do governo para incentivo à agricultura familiar têm sido muito baixas”. A questão, segundo o ambientalista, passa também por uma opção política. “Tem havido um incentivo muito maior para o agronegócio do que para a agricultura familiar, e eu vejo na regulamentação desse artigo uma possibilidade de mudar esse panorama”, diz.

Cobrança

Presidenta da Comissão Mista de Mudanças Climáticas, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), durante uma audiência pública realizada na Câmara, cobrou do governo mais clareza na divulgação das informações relativas ao Plano Nacional de Mudanças Climáticas. “Antes de qualquer revisão, é preciso ter claro o que foi implementado até agora. Muita coisa já foi alcançada, como é o caso da redução do desmatamento, mas é preciso mostrar isso. Precisamos dos balanços sobre o que já foi realizado”, disse.

O maior entrave para a finalização do processo de revisão do Plano Nacional de Mudanças Climáticas são os Planos Setoriais, documentos previstos no decreto, mas que não foram totalmente apresentados em sua versão final. Até o momento, estão disponíveis os planos de Energia, de Agricultura e de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Outros quatros planos setoriais – Indústria, Mineração, Transporte e Saúde – ainda não tiveram a versão final divulgada.

Apesar das cobranças, alguns avanços também são reconhecidos: “Temos de reconhecer que, nos últimos anos, o governo adotou uma série de iniciativas para a redução do desmatamento. Destacam-se o Plano de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), o Fundo Amazônia e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, lançado em dezembro de 2008 e que se encontra em processo de atualização. Estes são veículos importantes de apoio às iniciativas que buscam reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável na região”, diz Rubens Gomes.

Fonte: Rede Brasil Atual

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