O aparato indigenista acaba de anunciar a “unificação” das campanhas contra o aproveitamento hidrelétrico das bacias dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires, reunindo diversas etnias para pressionar o governo federal, visando suspender os projetos de usinas previstos para aquelas bacias. Em paralelo, a filial brasileira do Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil), deu a sua contribuição para a ofensiva, com a publicação de um novo estudo contra os planos de construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós.

Embora afirmem querer apenas o cumprimento das normas internacionais às quais o Brasil está submetido, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a necessidade de consulta prévia aos indígenas sobre os projetos efetuados em suas terras, na verdade, a intenção é mesmo a de obstaculizá-los e, até mesmo, interromper alguns já em andamento, como a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.

Segundo o Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), a agenda contempla impedir a construção de 14 usinas hidrelétricas, que atingem regiões situadas em reservas indígenas já demarcadas, em áreas reivindicadas ou em fase de estudos de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) (MXVPS, 21/05/2013).

O líder indígena Valdenir Munduruku deixou bem clara a motivação da articulação entre os indígenas de diversas regiões do país: “Insistimos que nossa pauta é contra as hidrelétricas. Não fomos consultados… Queremos unificar os povos do Xingu, Tapajós e Teles Pires, além de envolver toda a sociedade nessa luta.”

Os mundurukus são uma das etnias mais contrárias às novas hidrelétricas, encontrando-se entre o grupo que ocupou o principal canteiro de obras de Belo Monte, em Vitória do Xingu (PA), por oito dias, no início deste mês. Desde que saíram das instalações da usina, parte dos invasores permaneceu em Altamira (PA), a cidade mais próxima do canteiro de obras, onde estão realizando uma campanha para angariar apoio para a sua luta contra as hidrelétricas na Amazônia.

Enquanto isso, em paralelo com a mobilização indigenista, o WWF-Brasil publicou o estudo Hidrelétricas na Amazônia: é possível estabelecer um diálogo?, que pretende construir uma visão panorâmica das bacias amazônicas, de modo a apontar as áreas mais sensíveis à preservação da biodiversidade e tentar influenciar a tomada de decisões do governo, em relação aos projetos hidrelétricos e de exploração mineral. O estudo foi lançado em evento organizado pelo site Planeta Sustentável e pela Editora Abril, em Foz do Iguaçu (PR), em 16 de maio, e contou com a presença de Pedro Bara, líder da Estratégia de Infraestrutura da Iniciativa Amazônia Viva do WWF-Brasil.

Segundo Bara, “o WWF vem defendendo a tese de um planejamento integrado para a região e propondo um debate nacional qualificado sobre a Amazônia que queremos conservar no futuro, o que implica definir rios a preservar antes que o acúmulo de impactos de inúmeros projetos hidrelétricos e minerários, tratados de forma isolada, gerem um impacto socioambiental de proporções potencialmente desastrosas” (WWF, “Potencial hidrelétrico da Amazônia precisa ser debatido com a sociedade”, 16/05/2013).

O estudo destaca a previsão de construção de 42 usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós e levanta preocupações com a relevância ecológica, cênica e cultural da região. Ademais, afirma que a construção das barragens de São Luiz e Jatobá – parte do Complexo Hidrelétrico do Tapajós – irá fragmentar ecossistemas de importância ecológica, cultural e social, com impacto especial na Terra Indígena Munduruku. Com base em tais considerações, sem surpresa, o estudo conclui que toda a bacia do Tapajós deve ser preservada intocável.

É oportuno observar que o estudo do WWF foi baseado em um modelo computadorizado denominado Sistema de Apoio à Decisão na Amazônia (SAD), desenvolvido a partir de um software australiano, conhecido como Marxan. A influência do relatório do WWF junto ao governo pode ser medida por meio das declarações de Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que afirmou que o estudo “é top no mundo”.

“Estamos usando este modelo para fazer cenários e ver a combinação entre conservação da biodiversidade versus exploração do potencial hidrelétrico… Existem várias combinações de cenários possíveis. Isso auxilia a tomada de decisão”, disse Tolmasquim.

Além disso, pesquisadores do WWF-Brasil integram o Grupo Estratégico de Acompanhamento de Empreendimentos Energéticos Estruturantes, criado em 2010, pelos ministérios das Minas e Energia e do Meio Ambiente, e prestam assessoria para formar técnicos do governo para pensar a questão da preservação ambiental (Instituto Humanitas Unisinos, 16/05/2013).

Segundo Bara, o estudo do WWF-Brasil procurou observar os aspectos econômicos da preservação ambiental da Região Amazônica e considerou as obras de infraestrutura que estão no planejamento do governo – estradas, hidrelétricas, planos de mineração, expansão da fronteira agropecuária. “Queríamos descobrir quais áreas custam menos conservar. Qual a melhor relação custo-benefício na conservação, como em qualquer decisão econômica”, afirmou.

Em suas conclusões, o estudo apontou áreas prioritárias de preservação na bacia do Tapajós. “As 42 usinas dos inventários produziriam 28 gigawatts de potência, mas inundariam 1 milhão de hectares, 22 dessas hidrelétricas tocam em terras indígenas”, disse ele, que, todavia, reconheceu os limites do modelo de computador empregado como base do relatório: “Há uma enorme dificuldade de dados e estudos, não se sabe muito.”

A intimidade entre o WWF-Brasil e os órgãos de planejamento estratégico do governo federal é emblemática das dificuldades enfrentadas por quaisquer lideranças que tencione reduzir a influência do ambientalismo-indigenismo na formulação de políticas públicas setoriais no País. Até porque a ONG e a agenda que representa contam com o apoio de grande parcela das elites econômicas do Brasil. Em sua diretoria, por exemplo, encontram-se, entre outras, personalidades do calibre de: José Roberto Marinho (vice-presidente das Organizações Globo); Daniel Bleecker Parke (diretor-geral da Agência Estado e membro fundador do Conselho Consultivo da ONG The Nature Conservancy-TNC no Brasil); Álvaro Antonio Cardoso de Souza (presidente do Conselho da Gol Linhas Aéreas); Eduardo de Souza Martins (ex-presidente do Ibama e membro do Conselho Superior de Meio Ambiente da FIESP).

FONTE  :   Alerta científico e Ambiental – Vol. 20  |  nº 19| 23 de MAIO de 2013 – Alerta Científico e Ambiental é uma publicação da Capax Dei Editora Ltda.
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