Eleito presidente do Conselho Mundial de Água em dezembro, o brasileiro Benedito Braga inicia sua gestão em 2013, escolhido pela ONU como o Ano Internacional da Cooperação pela Água. Professor da Escola Politécnica da USP e ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Braga critica a lentidão nas políticas públicas de gestão hídrica no País e prevê crise semelhante à enfrentada pelo setor elétrico, caso o quadro atual seja mantido.
A ONU elegeu a água como tema em 2013. O que significa?
Há 271 bacias hidrográficas com rios compartilhados por mais de um país no mundo. Em algumas situações esse tema incita até questões de segurança política, como no caso do Rio Nilo, que é compartilhado por nove países. A ONU pretende com esse tema incentivar o lado bom disso, que é a cooperação. A ideia é trazer à baila essas oportunidades que aparecem quando se compartilham as águas e não os conflitos.
Como atua o conselho?
Temos como membros o Ministério de Recursos Hídricos da China, o Ministério de Relação Exteriores da Finlândia, ONGs como a WWF, prefeituras, estados e agências estaduais de diversos países. O conselho vai além do nível das Nações Unidas, em que a discussão se dá nos níveis de governos nacionais e de chefes de Estado. Com múltiplos atores, tem grande legitimidade porque vai a diferentes níveis da sociedade e com isso ganhou ao longo do tempo a confiança dos governos. Recentemente, o Ministério de Recursos Hídricos do Egito considerou chamar o conselho para uma discussão sobre a gestão das águas do Rio Nilo, por exemplo.
Como a gestão hídrica deve ser feita frente a mudanças no clima?
Quando estamos preocupados com as mudanças do clima, estamos preocupados com a água: com as enchentes que serão mais frequentes, com secas mais longas e severas. Hoje, apenas com a variabilidade atual do clima, já temos situação gravíssima. Fazemos grande esforço contra as futuras mudanças climáticas para que as economias mudem, para não emitir gás carbono, mas estamos falando em algo que tem um horizonte de impacto de séculos. Então, é preciso mudar o foco para buscar mecanismos de adaptação atuais, com mais financiamento e infraestrutura hidráulica em países pobres. Políticos não pensam cem anos à frente.
A quem cabe a decisão sobre a melhor forma de gerir os
recursos hídricos locais?
A longo prazo, tem de envolver a sociedade neste processo, para que todos sejam cumplices. As decisões são técnicas e políticas. Para tomar uma decisão politica, é preciso ter alternativas técnicas. A água corre para baixo, então não adianta investir milhões para fazê-la subir. Antigamente era mais fácil, escolhia-se a melhor relação entre benefício e retorno econômico. Hoje não existe mais isso, o processo é muito mais complexo e possui varias nuances. Na Agências Nacional das Águas (ANA), propusemos ao Ministério de Minas e Energia fazer o licenciamento de bacias hidrográficas com estudos mais abrangentes. Um reservatório está ligado no outro, então tem que ver a bacia no seu conjunto. Não só para eletricidade, como para a navegação, irrigação e o abastecimento doméstico, por exemplo. Atualmente, no entanto, cada obra é uma obra e exige um estudo específico.
Como o País cuida da água?
Apesar dos problemas nas políticas de gestão hídrica, o Brasil tem um arcabouço legal e institucional muito benfeito. Os comitês de bacia permitem à sociedade e aos usuários tomarem parte nas decisões. Temos exemplos muitos bons como na bacia do Rio Piracicaba, em Extrema (MG). A cobrança pelo uso da água, erroneamente, foi vista por alguns como mais um imposto, o que não tem nada a ver. Esse dinheiro paga fazendeiros que usam técnicas de conservação do solo. Então, é um sistema em que todos ganham: os usuários pagam, mas ganham em qualidade, porque financiam aqueles que estão promovendo o serviço ambiental. E o melhor é que o dinheiro não vai para o governo. Passa por ele, mas com a garantia de que o recurso será destinado.
No Rio Guandu (RJ), por exemplo, são pagos até R$ 60 por hectare/ano. O valor oferecido por serviços ambientais é suficiente?
Claro que não. Foi inventado um determinado valor quando este sistema foi implantado na bacia do Rio Paraíba do Sul, que foi a primeira a fazer a cobrança, e todo mudo seguiu. Mas isso já faz mais de dez anos e ninguém parou para rever. Mas é uma quantia absurdamente irrisória.
É possível usar o modelo em grandes cidades, seguindo exemplos como o de Nova York?
Este modelo tem de ser visto com o devido cuidado, pois não é solução barata. Em Nova York, a área que compraram para proteger à beira das nascentes é muito cara, por exemplo. As nascentes do Guandu, que abastecem o Rio de Janeiro, eram maravilhosas quando a Light construiu o reservatório, mas veja como está aquilo hoje: totalmente ocupado, uma situação insustentável. Não tem como reverter, pois é um problema social. Então, para transportar o modelo para cá é preciso pensar bastante, pois tem todo o preço de desapropriar e manter a área para evitar invasões. Cada caso é um caso, talvez pelo interior do País pode ser mais conveniente. Mas é preciso haver recursos suficientes. Sem dúvida, porém, é um modelo muito mais interessante do que sujar a água e depois ter de limpá-la na parte baixa do rio.
Você tem alertado para a possibilidade de que, em dez anos, cidades brasileiras tenham problemas de abastecimento. O que tem travado ações de prevenção?Vou me atrever a dizer que é questão cultural. A gente trabalha muito com processos reativos. Hoje, por exemplo, temos situação complicada no setor elétrico. O que está ocorrendo com a água, eu acho, é a mesma coisa. Estão esperando uma ameaça de rodízio de água. Só em situação complicada vamos fazer tudo a toque de caixa, e aí não tem relatório de impacto ambiental ou outros obstáculos, vira problema de segurança nacional. Só com a sociedade toda motivada é que vamos fazer. Na questão das inundações ocorre a mesma coisa. Quando há deslizamento de terra e as pessoas morrem há aquela comoção nacional, mas um mês depois acabou o assunto e ninguém mais fala disso.
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