Há dois anos, o procurador federal Wilson Précoma, responsável pela Seção de Indígenas da Advocacia-Geral da União (AGU), percebeu um sério problema que ocorria com índios de Roraima, principalmente aqueles que necessitavam de atendimento médico ou jurídico. Como não havia na cédula de Identidade especificação da etnia ou sobrenome indígena, eles então, em sua maioria, deixavam de receber a devida assistência prevista pela Constituição Brasileira. Mas a situação mudou. Desde dezembro passado, os índios roraimenses já podem inserir o perfil étnico na Identidade. É que o Instituto de Identificação Odílio Cruz homologou em definitivo a inclusão da procedência étnica na cédula de Identidade deles.

“Percebemos alguns problemas com índios presos, mas que não tinham identificação indígena. E como não havia estrutura para mandar confeccionar uma indentidade indígena, fizemos então uma tratativa com o Instituto de Identificação, que recentemente lançou o projeto piloto já viabilizado. Agora, querendo, o indígena pode incluir sua etnia na Identidade”, explicou.

Segundo o procurador, a inclusão da etnia não traz benefícios sociais aos índios, mas apenas lhes assegura a prerrogativa da indianidade, tornando-a explícita na sua documentação. “Com a mudança, o portador agora pode ser atendido pelas coordenações indígenas dos hospitais, por exemplo, o que antes não acontecia justamente pela falta da etnia da Identidade”.

Não há burocracia alguma, segundo o procurador, para tirar o documento. O índio pode ir à Advocacia-Geral da União (AGU) ou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e retirar o Registro Administrativo de Nascimento de Índio (Rani). Précoma disse que, após a solicitação, oito horas depois o cartório emite o documento, que já vem com a etnia do indígena. “Então, ele pode ir ao Instituto retirar a Identidade, querendo, com a devida etnia”.

Para o índio que já tirou a Identidade, o procurador informa que o procedimento também é simples. Basta o interessado solicitar a segunda via do documento no Instituto, solicitando a inclusão da referida etnia indígena. “Não tenho notícia desta decisão em outros estados brasileiros. Então, pode abrir precedente. Mas é bom frisar que a decisão simplesmente tem como base os direitos indígenas constitucionais”, salientou.

Funai diz que mudança assegura direitos indígenas

Mariana Lima, da Coordenação Técnica de Promoção dos Direitos Sociais, da Fundação Nacional do Índio (Funai/RR), explicou que a homologação da tratativa entre Advocacia Geral da União (AGU) e Instituto de Identificação veio para regulamentar a situação não só de Roraima, mas de todo o País, e também para assegurar os direitos sociais dos índios na manutenção dos nomes próprios.“Antes, os cartórios não aceitavam nem os nomes diferentes nas certidões, com letras indígenas não reconhecidas pela ortografia da Língua Portuguesa, mas agora os índígenas podem incluir os nomes com suas respectivas grafias. Então, registrado em certidão, ele pode incluir na Identidade, a etnia e até a comunidade onde nasceu”.

A técnica avisa aos indígenas interessados a incluírem a etnia no sobrenome, que agora já podem fazê-lo sem maiores problemas. Basta a informação está registrada na certidão de nascimento assinalada em cartório. “E com o registro na certidão, as informações já podem ser repassadas à carteira de Identidade”, frisou.

A técnica também explicou o processo para que o índio obtenha a carteira de Identidade. Segundo ela, com a certidão de nascimento, ele pode ir direto ao Instituto de Identificação e dar entrada ao processo, como ocorre com os demais. Mas se o indígena não falar a língua Portuguesa, ele poderá recorrer à Funai, que prestará o apoio necessário, inclusive disponibilizando um tradutor.

Sobre as dificuldades dos índios na hora de tirar os documentos, a técnica disse que a maioria os retira nas próprias comunidades, onde a Justiça Itinerante, cumprindo calendário anual, realiza visitas. “Isso acontece com mais frequência com os indígenas de comunidades mais distantes dos centros urbanos”.

Números – Em Roraima são mais de 42 mil índios apenas na área Leste – Macuxi, Tarepang, Wai-wai, Wapixana e outros – vivendo em suas comunidades, somados a mais de 20 mil Yanomamis e Yecuanas. No último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 817 mil brasileiros se classificaram como indígenas, embora milhões tenham ascendência ameríndia. (AJ)

 
Entidades indígenas divergem sobre mudançaO coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mário Nicácio, acredita que a inclusão da etnia na carteira de Identidade civil vai dar mais visibilidade para os povos indígenas roraimenses. “Mais garantia de direitos humanos, mais visibilidade cultural”, frisou.

Nicácio informou ainda que os sócios do CIR já dispõem da carteira indígena emitida pela entidade, também reconhecida, segundo ele, em todo terrirório nacional e regiões de fronteira de Roraima. “Além disso, o Conselho presta assistência social a todos os povos indígenas do Estado, atendendo todos os públicos, seja criança, jovem, idoso ou mulher, com tratamento de acordo com o que prevê a lei”.

Já o secretário-geral da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Soudiur), Rondinele Abel, criticou a mudança proposta pela AGU na identidade do índio. “Tínhamos que ser avisados, consultados sobre a mudança, mas não fomos. O índio não precisa de anotação de etnia na identidade, pois já possui os traços físicos e culturais. E isso, por si só, já o identifica como índio”, justificou.

Abel foi mais além. Disse que os índios de Roraima já foram separados devido a batalha judicial pelas terras da Raposa Serra do Sol e agora novamente estão sendo separados pela identidade. “É mais uma manobra”, comentou o secretário, sem se referir a quê.

 
Por : AMILCAR JÚNIOR
FONTE : Folha de Boa Vista