A ação de desocupação da gleba Suiá Missú, entre os municípios de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista, no nordeste do Mato Grosso, continua e, na próxima segunda-feira (24) entra em sua segunda semana. Mais de dez propriedades já foram desocupadas e há muitas famílias ainda sem destino, alojadas temporariamente em barracas improvisadas em beiras de estrada. 

“Natal? Dá pra imaginar como será o nosso Natal? Aqui não devia ter nada disso, não. Aqui vai ter só gente cansada, desgastada e sem destino”, disse Roberto Rodrigues da Silva, comerciante local. Papagaio, como é mais conhecido no povoado de Posto da Mata – na gleba Suiá Missú – tem relatado ao Notícias Agrícolas, desde o início da operação, como tem sido os dias na região. Ele afirma que as forças policiais continuam mobilizadas, as ações de despejo continuam sendo efetivadas e a população local ainda resiste, mesmo sem saber qual será o desfecho desta história.  

“É uma vergonha o que estão fazendo com esse povo. É desumano. Estão tratando como bandido uma gente que só está aqui para trabalhar, para sustentar suas famílias. Hoje, o Posto da Mata tem uma estrutura que foi criada pelo povo e agora querem tomar isso da gente”, lamenta Silva, com o cansaço nítido em sua voz. 

Nesta sexta-feira (21) se encerrou o ano letivo das duas escolas de Posto da Mata e Estrela Araguaia e os locais, segundo informações, deverão ser ocupados pela Força Nacional e Exército. As notícias são de que os alunos destes locais ainda não sabem como serão suas aulas no próximo ano e o clima, portanto, era de muita tristeza. 

Não só a educação, mas a comunicação local também está comprometida. Há alguns dias o Correio não chega e, por isso, as contas acabam ficando atrasadas já que os moradores não conseguem pagá-las por não tê-las. 

Ato de Apoio – Estava marcado para a semana passada, no dia 14 de dezembro, um ato cívico de todos os sindicatos rurais da região e mais a Famato (Federação de Agropecuária do Estado do Mato Grosso) em apoio aos moradores de Suiá Missú, que foi, entretanto, cancelado depois que a Polícia Federal pediu o início das investigações sobre o posicionamento e as ações da Famato.  

Segundo alguns produtores, em entrevista à nossa equipe, o cancelamento acabou esfriando o ânimo das pessoas que estão reunidas e resistindo às desocupações. 

Veja uma nota oficial sobre o cancelamento do ato: 

Senhores,
 
Em razão da determinação do Ministério Público Federal (MPF) para que a Polícia Federal inicie investigação sobre o posicionamento e as ações da Famato, a entidade resolveu cancelar o ato cívico e pacífico que faria amanhã (14/12), às 14h, no Posto da Mata.
Após análise das possíveis implicações jurídicas, tomamos esta decisão por entender que este movimento, ao contrário do que pretendíamos, complicaria ainda mais a situação na região. Para mais detalhes, confira a nota do MPF abaixo: 
MPF pede investigação de protestos contra a retirada dos não-índios
O Ministério Público Federal em Mato Grosso enviou nesta quarta-feira (12/12) ofício requisitando ao Departamento de Polícia Federal em Barra do Garças que investigue quem está incitando os protestos violentos contra a desocupação da Terra Indígena Marãiwatsédé.
A medida foi tomada, porque notícias da imprensa dão conta de que o vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato)/Araguaia, Marcos da Rosa, estaria conclamando a população de Ribeirão Cascalheira (MT) a participar de bloqueios em rodovias federais, oferecendo, inclusive, “alimentação farta” distribuída por caminhões, a fim de impedir o cumprimento de ordem do Poder Judiciário para desocupação da Terra Indígena Marãiwatsédé.
Segundo o procurador da República Otávio Balestra Neto, autor do pedido, a conduta do líder ruralista, de opor-se à execução de uma determinação judicial e incitar publicamente a prática de crime, é ilegal. As penas previstas para esses crimes são, respectivamente, reclusão de um a três anos; e detenção de três a seis meses ou multa.
Localizada no município de Alto Boa Vista (MT), Marãiwatsédé é uma Terra Indígena em processo de retirada dos não-índios. Desde 1998 a área de cerca de 217 mil hectares, onde situa-se a fazenda Suiá-Missú, é reconhecida como território tradicional dos índios xavante por decreto do presidente da República.
O que diz a legislação
Resistência
Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou
ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja
prestando auxílio:
Pena – detenção, de dois meses a dois anos.
§ 1º – Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 2º – As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das
correspondentes à violência)
Incitação ao crime
Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Área Indígena – A área onde está localizada a gleba Suiá Missú foi efetivamente considerada como área indígena pertecente à etnia Xavante no congresso Rio 92 com um decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No início de 2012, a Justiça Federal determinou a desocupação da área. 

Entretanto, representantes dos índios xavantes afirmam que nunca habitaram a área em questão e que são nativos de áreas de Cerrado, e a gleba fica em uma área de mata fechada. Desde o início de desocupação da área, mais de 200 índios estão ao lado dos produtores e moradores locais lutando pelos mesmos interesses. 

Pajés já disseram, em vários depoimentos, para vários meios de comunicação, inclusive ao Notícias Agrícolas, que desde o início das discussões estão lutando ao lado da população local e que a exigência por aquelas terras não passa de uma exigência da Funai (Fundação Nacional do Índio). 

Para o antropólogo Edward Luz, o grande problema atual é o conjunto de falhas que marca o processo de demarcação de terras no Brasil e diz ainda que a operação em São Felix do Araguaia e Alto Boa Vista fere direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros. 

O processo  falha, principalmente, ao não trazer paz para a sociedade, o que deveria ser prioridade. “Esse não é um processo que que constrói a pacificação e desconstrói o conceito de democracia e de propriedade privada que muitas pessoas ali têm”, diz Luz. 

A ação de desocupação da gleba Suiá Missú continua e ainda não há sinais de um solução que possa atender as necessidades do moradores do local. A população já começa a falar em um possível acordo, porém, exigem que sejam realocadas em condições dignas de vida e de trabalho. “Eu não sei como vão ser os próximos dias. Não sei nem se vai ser na beira da BR com uma lona na cabeça”, diz Papagaio. 

A maior indignação desse povo é de que a Justiça Federal não tem dado a atenção necessária a essas famílias ou às provas que elas têm apresentado para mostrarem que são proprietárias legítimas de suas terras, que possuem documentos, inclusive da Funai, que atestam que aquele local não é uma área indígena. Além disso, ignoram ainda a declaração dos índios de que não querem aquele pedaço de chão e que estão do lado dos “brancos”. 

O risco de novos conflitos ainda existe, a infraestrutura local já está se tornando insuficiente para tantas pessoas concentradas e nem mesmo um representante dos Direitos Humanos têm acompanhado o andamento da ação de desocupação. 

Veja alguns documentos enviados ao Notícias Agrícolas por Luiz Alfredo de Abreu, advogado da Associação dos Moradores de Suiá Missú que, segundo ele, comprovam a fraude que teria levado a essa decisão da Justiça Federal.

Fonte: Notícias Agrícolas // Carla Mendes