Posseiros que protestam contra a retirada de suas famílias do distrito de Posto da Mata, em Alto Boa Vista (MT), passaram a usar táticas de guerrilha no fim da primeira semana de operações da força-tarefa do governo federal.
Ontem pela manhã, eles serraram e queimaram uma ponte de madeira na BR-158. Um caminhão ficou preso e mais de cem ficaram impedidos de seguir viagem. No início da noite de quinta-feira, os posseiros armaram uma emboscada para forças federais de segurança.
O objetivo era interceptar um caminhão que transportava móveis de uma das famílias despejadas por ocupar parte dos 165 mil hectares considerados pela Justiça como área da terra indígena Marãiwatsédé, dos xavantes.
A notícia de que o caminhão do Incra (órgão federal) fazia a mudança deixou tenso o clima no posto de gasolina que serve de quartel-general dos manifestantes.
Era o fim da tarde do quarto dia da operação de despejo, e o confronto com as forças de segurança, três dias antes, ainda exaltava ânimos no bloqueio da BR-158.
Carros começaram a deixar o QG dos posseiros por volta das 18h30 (19h30, em Brasília). A Folha seguiu os manifestantes por cerca de 60 quilômetros até uma aglomeração em volta de um homem.
“Jogou, correu 200 metros para lá”, dizia, apontando para o breu do mato. Sob a luz fraca de um poste, ele orientava cerca de 40 pessoas –homens, mulheres e idosos– com coquetéis molotov, pedras e estilingues nas mãos.
“Quem está com bomba fica desse lado. Quem não está fica desse outro”, dizia, de cima de uma caminhonete.
Era uma emboscada para os agentes de segurança. A ideia era atacá-los e depois tocar fogo ao caminhão com a mudança, em protesto.
Um produtor da região, de cerca de 60 anos, puxou conversa com os jornalistas. Em tom jocoso, questionou se o repórter não estaria disposto a “pegar umas pedras” e se juntar aos manifestantes.
Mais próximo ao local do ataque, o repórter fotográfico Juca Varella se protegia atrás de uma pilha de tijolos. Um manifestante ameaçou tomar sua câmera.
Uma moto se aproximou buzinando –era o sinal de que o caminhão estava vindo. “Está a cinco quilômetros”, comentava-se.
A tensão ia aumentando. Uns, mais preocupados, diziam: “Dessa vez não vai ser bala de borracha”. Um homem retrucou: “Mas aqui também tem [bala de verdade].” De repente, as luzes se apagaram. A escuridão era quebrada apenas pelos faróis do comboio de 20 carros de polícia que se aproximava.
Um grupo de quatro manifestantes se aproximou do primeiro carro, de onde saíram quatro soldados armados. “Nem mais um passo, senão a gente atira”, gritou um soldado da Força Nacional.
Quatro soldados do segundo carro avançaram com escudos. Deu-se uma conversa entre eles e os representantes dos manifestantes que, em seguida, dirigiram-se ao resto do grupo. O ataque foi suspenso. Não esperavam um comboio tão grande.
A luz voltou. A tropa seguiu, sem o caminhão de mudança. Todos voltaram para a concentração.
Soube-se depois que a tal mudança havia saído antes da formação do ataque.
CAMINHÃO
Apesar de lideranças terem decidido abrir o bloqueio da BR-158 no fim da tarde de sábado, os posseiros só aceitaram desbloquear a rodovia no início da manhã de ontem. A liberação, no entanto, era uma armadilha. Um caminhão carregado com 26 mil quilos de carne ficou preso em uma ponte de madeira que os manifestantes serraram e queimaram.
O barril de pólvora que se armou na região não havia explodido até a conclusão desta reportagem, mas a disposição de quem está em Posto da Mata deixava claro que pode ser apenas uma questão de tempo. “Vai morrer homem, mulher. Estou disposto a morrer pelo que tenho”, dizia Odemir Perez, 61.
FONTE : FOLHA DE SÃO PAULO
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