Dobradinha questão ambiental e desenvolvimento sustentável da Rio+20 se repetirá na ONU
A relevância da questão ambiental e do desenvolvimento sustentável para o Brasil pesou na escolha da presidenta Dilma Rousseff ao indicar Luiz Alberto Figueiredo Machado, de 57 anos, e André Aranha Corrêa do Lago, de 52 anos, como os novos representantes brasileiros na Organização das Nações Unidas (ONU). Eles substituem Maria Luiza Viotti e Regina Dunlop.
Figueiredo e Corrêa do Lago se destacaram nas últimas décadas nas negociações ambientais e de energia, mas foi na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho no Rio de Janeiro, que ambos demonstraram habilidade, paciência e espírito conciliador ao promover o consenso de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Trabalhando em parceria, os dois embaixadores se dividiram em várias frentes de atuação durante a conferência. Ambos buscaram soluções para os impasses, com diálogo e equilíbrio. Os desafios eram adequar as cobranças dos países em desenvolvimento, que queriam mais empenho financeiro e a fixação de metas dos mais desenvolvidos.
As nações desenvolvidas, por sua vez, resistiam em assumir compromissos principalmente financeiros, alegando os efeitos da crise econômica internacional. Figueiredo e Corrêa do Lago coordenaram as reuniões técnicas em busca de consenso e acabaram obtendo o aval dos participantes para elaborar a declaração comum.
O documento conjunto divulgado ao final da Rio+20 englobou posições de mais de 190 nações. Para a delegação brasileira, o texto é um avanço, embora as organizações não governamentais digam que faltou ousadia.
Na Rio+20, Figueiredo e Corrêa do Lago conseguiram multiplicar as horas do dia participando das principais mesas de discussões, concedendo entrevistas coletivas e ainda apaziguando as divergências. Bem-humorados, eles respondiam às perguntas embaraçosas sem provocar mal-estar ou incômodo.
Na ONU, ambos terão vários desafios a enfrentar. Principal órgão internacional de negociações multilaterais, a ONU também obriga que os representantes das delegações firmem acordos bilaterais e específicos. Assuntos como paz, segurança e meio ambiente são apenas alguns dos vários que estão em debate constantemente no órgão.
A sede em Nova York engloba a presidência, a secretaria-geral do órgão e o Conselho de Segurança. Porém, ainda há espaços de discussão e definições em Viena (Áustria), Genebra (Suíça), Nairóbi (Quênia) e Haia (Países Baixos).
A diplomacia brasileira costuma ser elogiada por se caracterizar pela construção de consensos, pelo fim das polarizações e pela manutenção constante de diálogos e acordos. Nos últimos anos, as questões relativas à defesa de direitos humanos ganharam mais força para a delegação brasileira, que ressalta a importância de preservação, manutenção e defesa desses princípios.
Conferência englobou desenvolvimento econômico e sustentável com inclusão social
Por nove dias, o mundo se voltou para o Rio de Janeiro durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho. Chefes de Estado e de Governo, negociadores, representantes da sociedade civil de mais de 190 países se reuniram para fechar o documento final, contendo 49 páginas, denominado O Futuro que Queremos.
Ao final da conferência, foram incluídos aspectos que tentam garantir o desenvolvimento sustentável com erradicação da pobreza, mas movimentos sociais e alguns líderes estrangeiros condenaram a falta de ousadia do texto.
Para parte da sociedade civil, faltou ousadia das autoridades na exigência de definições claras sobre responsabilidades específicas, como repasses financeiros, demarcação de prazos para a adoção de medidas e ampliação de poderes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
No Riocentro, local das discussões políticas, os protestos foram mais discretos do que os que dominaram as ruas do Rio de Janeiro. As negociações e discussões mostraram ainda que as divergências econômicas estão presentes também nos debates políticos e ambientais.
Os negociadores dos países desenvolvidos e em desenvolvimento entraram em vários conflitos, principalmente os que envolviam recursos. A União Africana (formada por 54 países) foi uma das que mais reagiu às restrições impostas pelos países desenvolvidos.
O documento final foi fechado em 49 páginas, mas o texto chegou a ter 200 páginas. O documento está dividido em seis capítulos e 283 itens. Os capítulos mais relevantes são os que tratam de financiamentos e meios de implementação (relacionados às metas e compromissos que devem ser cumpridos).
Rio+20 é marco para a nova agenda mundial e críticas são naturais, diz embaixador
Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho no Rio de Janeiro, o Brasil passou a ocupar um papel de destaque no cenário internacional na busca pela associação da inclusão social com os avanços econômicos e a preservação ambiental. A avaliação foi feita à Agência Brasil pelo embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores e coordenador-geral da Rio+20.
“A Rio+20 é o marco de toda a nova agenda na Organização das Nações Unidas (ONU)”, destacou Figueiredo, que disse ter reagido com “naturalidade” às críticas de parte da sociedade civil sobre aspectos do documento final da conferência. “Cada um está fazendo o seu papel e o papel da sociedade civil é criticar e buscar o avanço. O nosso papel é tentar avançar”, ressaltou .
A seguir, os principais trechos da entrevista do embaixador à Agência Brasil.
Agência Brasil (ABr) – Seis meses depois da Rio+20, o que o senhor diz que não pôde ser feito pelas mais distintas razões e que resultados imediatos podem ser apontados?
Luiz Alberto Figueiredo Machado – Eu não vejo como algo que foi impedido. Vejo como uma construção. A Rio+20 marca uma construção e um início de processo novo. Recupera-se tudo o que foi feito em 1992, reafirma-se a validade não só teórica, mas em todos os processos que foram lançados depois e são lançados novos processos. A atualização de uma série de coisas dá concretude a certos fundamentos de 1992 que, até então, não estavam tão costurados como deveriam.
ABr – Por exemplo, o que estava negociado, mas não saía do papel?
Figueiredo – Por exemplo, a centralidade do tema do desenvolvimento sustentável com sinergia entre o econômico, o social e o ambiental. Todo mundo tinha acordado isso em 1992, mas a prática, desde então, estava um pouco menos sólida. Hoje sabe-se que não se pode cuidar do social, do econômico e do ambiental separadamente, porque uma coisa afeta a outra de maneira decisiva.
ABr – O Brasil, que coordenou a Rio+20, consegue dar exemplos para o mundo?
Figueiredo – Acho que o governo brasileiro tem sido exemplar no sentido de buscar sempre a sinergia dessas três dimensões do desenvolvimento sustentável. Temos vários exemplos. Posso citar o Programa Minha Casa, Minha Vida [que se destina a conceder facilidades aos trabalhadores com renda até R$ 5 mil para a compra da casa própria], que tem usado painéis solares para a geração de energia das habitações. Isso mostra sinergia clara entre preocupação social, econômica e ambiental. O Brasil é um dos raros países que apresentou progressos muito claros e equilibrados nas três dimensões.
ABr – Nas numerosas reuniões multilaterais das quais o senhor participa, qual é o peso desse papel do Brasil nas negociações?
Figueiredo – É fundamental, pois [há uma compreensão de que] existe todo um país e uma população que se comporta de certa maneira e tem como objetivo comum o desenvolvimento sustentável. Desenvolvimento, sim. Essa conferência [a Rio+20] foi sobre um modelo de desenvolvimento que informará as decisões do mundo inteiro que esperamos daqui para frente. Os problemas que vimos hoje em dia, muito graves, como as mudanças de clima, só se resolvem pelo desenvolvimento sustentável. Enquanto houver padrões insustentáveis de desenvolvimento, vamos ter dificuldades nas áreas de clima, perda de biodiversidade no mundo inteiro.
ABr – Durante a Rio+20, as negociações iam até de madrugada, várias vezes foram anunciados adiamentos. O que foi mais tenso?
Figueiredo – A tensão de uma negociação desse tipo é normal. [Uma negociação] multilateral tem dia e hora para terminar. Você está sempre de olho no relógio e isso leva as negociações a um alto grau de objetividade. Temos que resolver isto até tal hora e por isso se vira a noite. Tínhamos estabelecido um prazo para concluirmos as negociações do documento antes da chegada dos chefes de Estado porque não seria adequado atrapalhar a cúpula, que tinha sua agenda própria, com a continuação das negociações. Havia a pressão do relógio, que era uma pressão normal.
ABr – Houve quem levantasse dúvidas sobre a conclusão do documento final.
Figueiredo – Muitos achavam que seria impossível concluir em dois dias o que não tinha sido possível fazer no trabalho preparatório. Quando, no Rio de Janeiro, encerrou-se o comitê preparatório, 70% do texto ainda estavam em aberto, não acordados. Quando o Brasil recebeu a incumbência de concluir as negociações, tínhamos pouco tempo para fechar o texto. Com muito esforço, foi possível chegar a um bom termo nas negociações.
ABr – Integrantes da sociedade civil criticaram bastante o resultado final da Rio+20. Como o senhor reage?
Figueiredo – Reajo com naturalidade porque faz parte da função da sociedade civil buscar sempre o melhor resultado, buscar sempre estimular os governos a conseguir mais. Daí vêm as críticas, a insatisfação. Encaro isso com naturalidade. Cada um está fazendo o seu papel e o papel da sociedade civil é criticar e buscar o avanço. O nosso papel é tentar avançar.
ABr – O senhor vislumbra dias de maior evolução ou mais tensão no ar?
Figueiredo – A Rio+20 é o marco de toda a nova agenda na ONU [Organização das Nações Unidas]. O secretário-geral [da ONU, Ban Ki-moon] tem dito isso, que é a retomada da agenda de desenvolvimento nas Nações Unidas, agora sob o prisma da sustentabilidade econômica, social e ambiental. Essa integração é algo que dará frutos sim, não só em termos dos trabalhos da ONU e do dia a dia da ONU, mas principalmente dos países.
ABr – O senhor acredita que as metas e os objetivos definidos na Rio+20 levarão à realização de uma sociedade sustentável como se imagina?
Figueiredo – A integração e a sinergia [nos campos econômico, social e ambiental] leva a um resultado sustentável e sustentado ao longo do tempo, que se manterá e que efetivamente vai gerar um progresso harmônico. Esse é um sonho, acho que de todos, de que os países cresçam economicamente, cada vez mais, aperfeiçoando a inclusão social e [buscando] a erradicação da pobreza e que, ao mesmo tempo, protejam o meio ambiente. Essas três orientações irmanadas são o futuro do desenvolvimento.
ABr – A partir de 2013 o senhor assume como o representante do Brasil nas Nações Unidas, é muito diferente o trabalho na ONU?
Figueiredo – O trabalho nas Nações Unidas é muito desafiador e muito rico. Não é muito diferente do exercício multilateral de uma conferência, como a Rio+20, que é uma conferência das Nações Unidas e, portanto, é um trabalho de diplomacia multilateral típico. O trabalho na ONU é desse tipo, mas é muito mais vasto porque a agenda cobre toda uma gama de interesses dos países, vai desde o interesse dos países e dos seres humanos.
ABr – É um mundo sendo discutido ali por representantes de mais de 190 países.
Figueiredo – Na ONU, cada representação busca não só a defesa dos interesses do seu país, mas também avançar como comunidade internacional, um todo, aperfeiçoando práticas e avançando em áreas, como a busca pela paz e a segurança internacional, pelos direitos humanos, pelo desenvolvimento, pela erradicação da pobreza e por toda uma vasta gama de agendas que se complementam e que são a agenda da humanidade.
FONTE : Agência Brasil
Renata Giraldi e Carolina Gonçalves – Repórteres da Agência Brasil
Edição: Tereza Barbosa
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