O resultado da expedição realizada mês passado na fronteira da Terra Indígena Yanomami, na região do Ajarani, foi discutido durante reunião realizada na comunidade Serrinha, município de Caracaraí, junto às lideranças do Limite Leste. O garimpo e a ocupação de fazendeiros continuam sendo os maiores problemas enfrentados pelos indígenas da localidade.
A expedição foi realizada de forma integrada pela Hutukara Associação Yanomami, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Socioambiental (ISA). A equipe percorreu 280 quilômetros no leste da terra indígena durante 15 dias.
Dados para um diagnóstico da área entre os rios Ajarani e Apiaú, onde há invasões não indígenas, foram colhidos. Além disso, picadas marcando os limites da TI Yanomami foram abertas.
A situação detectada foi debatida durante a reunião, que teve início na quarta-feira, 21, e foi encerrada ontem, com a presença do presidente da Hutukara, Davi Kopenawa. Ações de monitoramento e fiscalização também foram discutidas.
“Os brancos sempre ficam invadindo nossa terra. É um problema que não tem remédio. Homem branco sempre quer terra, quer a riqueza, o subsolo, a madeira. Essa terra está demarcada pelo Governo Federal, mas mesmo assim os fazendeiros nunca saíram daqui. Eles estão aqui porque estão protegidos pelo Governo de Roraima. Mas vai chegar a nossa hora para eles saírem. Nós temos paciência”, disse Kopenawa.
A presença de fazendeiros dentro do limite da TI Yanomami na região do Ajarani vem desde a época da demarcação da área, que em 2012 completou 20 anos de homologação. Os indígenas criticam o fato de a Funai ainda não ter terminado a desintrusão da área.
O vice-diretor da Hutukara, Maurício Yekuana, informou que foram detectados ainda a presença de pescadores e garimpeiros, especialmente na região do Apiaú, no município de Mucajaí.
“A Funai realizou operação de retirada de mais de 40 garimpeiros da área. Os indígenas apoiaram. A situação nos preocupa mais a cada dia, ainda mais que tem novas pessoas no garimpo. Durante a reunião, os indígenas disseram que quando pegaram uma panela para colocar água apareceu a poluição. Isso já é resultado dos garimpeiros”, comentou.
Mas conforme o antropólogo do ISA, Moreno Saraiva, apesar dos problemas constatados, foi possível verificar que ainda há no Limite Leste da TI Yanomami regiões preservadas, sem o contato do homem, que possui rios e matas preservadas e onde a caça continua.
Da reunião com as lideranças, um documento com todos os pontos discutidos e um relatório da expedição serão produzidos para serem encaminhados às autoridades competentes para adoção de medidas cabíveis.
Colonos avançam sobre a reserva, afirmam indígenas
Invasões e pressão vindas do entorno da TI Yanomami na região do Ajarani foram diagnosticadas durante a expedição. Em uma reunião ocorrida nesta semana, entidades e lideranças indígenas discutiram com a Associação dos Produtores do Projeto de Assentamento Massaranduba sobre uma possível invasão na área indígena que vinha sendo organizada.
Segundo o antropólogo do ISA, Moreno Saraiva, foi constatado o avanço da frente colonizadora em direção a terra indígena, sendo o caso do Massaranduba um dos mais sérios.
“Mais de 200 pessoas entraram na terra indígena para começar a tirar lote. Tivemos sorte porque chegamos lá uma semana depois que isso começou a acontecer. Então o desmatamento estava bem pouco ainda. A Funai convocou a Polícia Federal e conseguimos conter a tempo a invasão”, informou.
A irregularidade no ato dos colonos foi tema da reunião ocorrida com os moradores. Imagens captadas via satélite pelo ISA provando a invasão da terra indígena foram apresentadas.
“Não queremos brigar. Só pedimos que eles entendessem que é terra indígena da União. Não pode ser invadida. Mostramos o mapa. Agora o diálogo tem que ser com o Iteraima que é quem está assentando esse pessoal nessas áreas”, disse Maurício Yekuana, ao informar que no próximo dia 3, uma reunião com o presidente do órgão estadual está marcada.
O antropólogo do ISA destacou que as invasões são reflexos da política de organização fundiária do Estado que não é efetiva. “O Estado não tem nenhum monitoramento do que acontece na terra”, ressaltou.
O avanço das ocupações que ficam no entorno da TI Yanomami é uma das preocupações. “Começamos a sentir, vendo essas invasões e demais problemas no entorno, que problemas muito grandes poderão existir se a ocupação continuar desenfreada do jeito que está. A gente vem debatendo isso para ver como é que podemos adotar ações efetivas para aumentar a proteção da terra indígena”, comentou Saraiva.
Ele lembrou ainda que a TI Yanomami é uma área do Governo Federal e a entrada de não indígenas é proibida, a não ser com a autorização da presidência da Funai.
Indígenas serão treinados pela Funai para monitorar invasão na região
O vice-diretor da Hutukara, Maurício Kopenawa, informou que foi constatada a falta de preparo dos próprios indígenas para evitar as invasões na Terra Indígena Yanomami.
“A preocupação agora é que o pessoal daqui não está olhando para os invasores. Estão achando que é bom ficar dependendo deles. Nós temos que mostrar que somos caçadores, pescadores e não temos essa dependência. Temos que mostrar essa força para voltar a resgatar a cultura e os nossos costumes”, salientou.
Ele informou que ainda neste final de semana a Funai promoverá um curso de capacitação em monitoramento territorial para indígenas e servidores da própria instituição federal.
Inicialmente cerca de 50 indígenas foram selecionados para participação no treinamento, que deverá se estender por 15 dias. “Aos poucos vamos conseguir atingir nossa meta, que é ver a terra indígena livre dos invasores. Assim que os fazendeiros forem retirados a intenção da Hutukara nessa região do Ajarani é construir a sede da entidade”, disse Kopenawa.
Rodovia Perimetral Norte dá acesso à região do Ajarani
Conforme o Instituto Socioambiental (ISA), a região do Ajarani foi a porta de entrada para os contatos dos Yanomami com os não indígenas. Os primeiros contatos datam do final do século XIX, mas sua intensificação ocorreu no início da década de 1970, com a implantação, pelo governo militar, da rodovia Perimetral Norte, que até hoje é utilizada para o acesso às comunidades indígenas.
“A região foi onde nasceu um dos trabalhos mais fortes com os Yanomami justamente por causa da abertura da estrada. O grande impacto que isso teve e as consequências que trouxe para o povo tornou essa uma das regiões mais difíceis e vulneráveis da terra Yanomami”, disse o antropólogo do ISA, Moreno Saraiva.
A construção da estrada, que ligaria o Amapá ao extremo noroeste amazônico, parou em 1974 com 200 km dentro do território Yanomami, na época ainda não demarcado.
“Em 1971 estima-se que existiam mais ou menos 300 pessoas nesse local que hoje tem 90. Mais de 70% da população morreu na década de 70 e na década de 80 também quando não tinha assistência diferenciada à saúde”, contou o antropólogo.
Na década de 90 teve início um crescimento demográfico, mas segundo Saraiva a terra indígena na região continuou sendo muito frágil devido à presença dos fazendeiros e da proximidade com não indígenas.
FONTE : Folha de Boa Vista
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