A advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Joênia Wapichana, que se encontra em Brasília, conversou com o presidente do STF, Carlos Ayres Brito. O ministro afirmou para ela que o julgamento foi adiado devido ao quorum (precisa de oito ministros presentes) até a volta do ministro Joaquim Barbosa, que se encontra em tratamento de saúde. O ministro Toffoli está impedido de participar por ter participado do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol como advogado-geral da União.
As entidades indígenas do Brasil temem que a decisão dos ministros possa afetar todas as terras indígenas do Brasil, uma vez que o destino da demarcação de terras indígenas, uma das principais razões da violência no campo e do sofrimento de milhares de famílias, está nas mãos do STF. Embargos de declaração é um termo jurídico para pedidos de esclarecimentos com o objetivo de eliminar obscuridade, omissão ou contradição e dúvida em sentenças já julgadas, no caso, oito das 19 condições impostas pelo STF, durante o processo que garantiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009.
Em julho deste ano, o governo brasileiro, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) tentou estender estas condições a todas as demais terras indígenas do país, com a publicação da Portaria 303, que regulamenta a atuação de todos os advogados públicos, incluídos os procuradores federais.
O que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ministro da AGU, Luiz Inácio Adams, tentaram retratar como uma mera decisão administrativa com o intuito de evitar a judicialização futura dos processos de demarcação, pode significar não somente a paralisação, mas também a revisão de demarcações já concluídas, que não se adequaram às condicionantes do STF.
Na prática, a portaria prevê que o governo pode intervir nas terras indígenas sem a necessidade de consultas às comunidades envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio (Funai), o que na opinião das entidades indígenas desrespeita a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acordo internacional do qual o Brasil é signatário e, portanto, tem poder de lei.
Desta forma, ficaria permitido, sem qualquer consulta aos principais afetados, a instalação de unidades ou postos militares, estradas ou ferrovias, a exploração de alternativas energéticas – hidrelétricas, termelétricas, usinas nucleares, entre outros – e o resguardo das “riquezas de cunho estratégico” para o país – minerais ou vegetais, por exemplo.
Conforme as organizações indígenas, esta iniciativa do Governo Dilma Rousseff atende diretamente às demandas do setor ruralista e do agronegócio, representados por uma bancada forte e muito Influente no Congresso Nacional, cujo apoio é fundamental para a aprovação de projetos de interesse do Executivo. Há, inclusive, informações divulgadas pela imprensa de Mato Grosso do Sul sobre reuniões entre o ministro da Justiça e representantes de organizações ruralistas no final de 2011. Também foram noticiadas reuniões entre a AGU e a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) onde, supostamente, teriam sido negociados os termos da Portaria 303, meses antes da publicação.
A AGU aproveitou uma brecha jurídica, usando como justificativa a obediência a uma decisão do STF, editou a medida que flexibiliza, mesmo que inconstitucionalmente, a demarcação das terras indígenas. Na visão dos índios, a interpretação da AGU contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal.
O ministro Carlos Ayres Brito, presidente do Supremo e relator do processo da TI Raposa Serra do Sol, confirmou, em uma reunião com lideranças indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que as condicionantes se aplicam somente àquela terra indígena e não podem ser estendidas a outros territórios. O mesmo argumento é defendido por organizações indígenas e indigenistas, acadêmicos e renomados juristas, entre eles, Dalmo Dallari, um dos principais teóricos do sistema judicial brasileiro.
Logo após a divulgação junto às bases do movimento indígena e a sociedade civil sobre o real significado por trás da publicação da Portaria 303 da AGU, as mobilizações eclodiram por todo o país. De norte a sul, lideranças indígenas e ativistas ocuparam rodovias e saíram às ruas pedindo a revogação da medida.
Desde então, diversas delegações indígenas se revezaram em visitas a Brasília e reuniões com autoridades federais, acompanhadas por representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e organizações indigenistas parceiras.
A intensa pressão movida pelo movimento indígena e a opinião pública levaram o governo a suspender a Portaria 303 até o julgamento dos embargos de declaração às condicionantes de Raposa Serra do Sol, que finalmente foi marcado pelo STF para hoje. A Portaria 303 volta a vigorar um dia após a decisão judicial, ou seja, caso o STF chegue a um consenso, uma das maiores ameaças às terras indígenas pode retornar com força total nos próximos dias.
O julgamento do STF poderá esclarecer a quais terras indígenas se aplicam, modificar ou até mesmo anular algumas das condicionantes. Mas isto não é suficiente. “É necessário que se fortaleça a luta pela revogação total e irrestrita da Portaria da AGU, que viola na essência os direitos indígenas tão arduamente conquistados na Constituição Federal de 88”, afirma um manifesto divulgado pela APIB.
Um grupo de aproximadamente 30 produtores de Mato Grosso do Sul foi a Brasília na quarta-feira para acompanhar o julgamento dos embargos declaratórios da petição 3388, referente ao caso Raposa Serra do Sol, no Supremo Tribunal Federal.
Os produtores representam as regiões de maior instabilidade nos litígios de terra em Mato Grosso do Sul e se juntaram a produtores de outros estados brasileiros. Conforme eles, o Estado tem atualmente cerca de 70 áreas invadidas e vive condição de constante insegurança diante das repetidas invasões de propriedades por parte das comunidades indígenas com objetivo de ampliar territórios e formar novas aldeias.
A portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), determina que as diretrizes estabelecidas pelo supremo no caso Raposa Serra do Sol sejam respeitadas pela Administração Federal, na condução dos processos administrativos e judiciais. A entrada em vigor desta portaria ficou condicionada ao julgamento dos embargos declaratórios da petição 3388. Desta forma, a apreciação dos embargos resultará também numa mudança de postura da União nos processos relacionados à questão indígena, que não poderá mais defender teses contrárias às diretrizes do Supremo.
Das 19 condicionantes que ‘dispõem sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas’, 17 se referem à preservação da soberania nacional. Entre as garantias concedidas à União pela Portaria está a da atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas áreas indígenas, independente de consultas prévias a essas comunidades ou à Funai. Esta garantia tem relevância acentuada em Mato Grosso do Sul, Estado que faz fronteira com o Paraguai, uma condição que implica em riscos de segurança pública, em função do tráfico, e sanitários, tendo em vista os recentes focos de aftosa registrados no País vizinho.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul), Eduardo Riedel, chama a atenção para a amplitude da Portaria 303, que não se resume a uma questão territorial. “As diretrizes não trazem nenhum prejuízo aos indígenas, apenas colocam os territórios ocupados por eles dentro das mesmas normas que regem a nação”, assinalou. “A sociedade precisa estar atenta, buscar informações e avaliar de modo crítico e consciente. O julgamento do caso Raposa Serra do Sol demandou exaustivas análises e esforços por parte do STF, a mais alta corte e, portanto, a mais preparada para decidir assuntos dessa natureza”, salientou o dirigente.
O dirigente participou ontem de uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, para debater a situação dos índios Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Um grupo de indígenas desta etnia invadiu uma propriedade no município de Iguatemi e resistiu à reintegração de posse determinada pela Justiça, que foi suspensa.
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