O Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR) ajuizou ação civil pública requerendo o indeferimento de todos os requerimentos de autorização de pesquisa mineral, permissão de lavra garimpeira e concessão de lavra mineral dentro de terras indígenas que estejam em trâmite no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A antecipação de tutela foi negada pela Justiça Federal em Roraima, mas o MPF já ingressou na semana passada com recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.


Apesar de não haver regulamentação que permita qualquer tipo de atividade minerária dentro dos limites territoriais indígenas já homologados pelo Governo Federal, foram identificados em todo o Brasil diversos requerimentos pendentes de julgamento ou mesmo títulos de pesquisa mineral e concessão de lavra mineral já outorgados em terras indígenas.

Conforme o procurador da República Fernando Machiavelli Pacheco, este não é o caso de Roraima. Entretanto, há mais de 1.200 títulos minerários requeridos, sem qualquer manifestação sobre seu deferimento ou indeferimento, em trâmite na unidade local do DNPM.

Além de gerar “apreensão nas comunidades indígenas, decorrente da insegurança jurídica proveniente da ausência de solução dos procedimentos administrativos de concessão de títulos de mineração nas áreas”, o procurador destaca que a pendência de análise dos pedidos poderá beneficiar os que já requereram títulos minerários em caso de regularização futura da atividade de exploração em terras indígenas.

“A situação é ilegal e, com a eventual regularização, pode trazer benefícios para aqueles que já registraram. A fila já está formada, só que não tem o que ser entregue no final dela. Não se pode cogitar a lavra atualmente por que falta toda uma caminhada normativa e de participação social [para aprovação]”, destacou Machiavelli.

A ação visa efeitos nacionais de retirada em todo o Brasil dos pedidos de lavra em terra indígena por serem “absolutamente ilegais, ilegítimos e imorais”, conforme o procurador da República.

Para o MPF, não há base legal para tramitação de requerimentos

O procurador da República Fernando Machiavelli Pacheco explicou que para ter base legal nos pedidos registrados junto ao DNPM a Constituição exige que se tenha uma lei geral regulamentando a atividade de mineração nas áreas indígenas.

Machiavelli lembrou que esse é o foco do projeto de lei que tramita atualmente na Câmara Federal e tem ganhado repercussão na mídia por supostamente existirem interesses privados na regulamentação da exploração de minérios em terra indígena.

Além disso, o procurador destacou que não existe autorização do Congresso Nacional previsto na Constituição que tem que ser específica para cada hipótese de autorização da lavra. “Não temos a consulta prévia, livre e informada dos indígenas que tem que ter caráter resolutivo. Logo, eles podem dizer que não vai ser feita a lavra, o que se funda no artigo 6º da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 169”, informou.

Há de também se estabelecer para a concessão de títulos minerários pelo DNPM a forma, onde houver a autorização pelos indígenas, de como se dará a divisão do produto da lavra que deve beneficiar a comunidade atingida por tal atividade de exploração.

“Então tem todas essas pendências, mas o DNPM insiste em manter registros que, no Código Minerário, dão direito de preferência para aqueles que registraram. Se eu tenho um pedido pendente a ser analisado que é absolutamente descabido pelo ordenamento atual, tenho o dever legal de anular. Não se pode deixar pendente. Sobretudo por que isso gera um direito de preferência desses particulares”, frisou Machiavelli.

Procurador teme etnocídio na reserva Yanomami

Consta na Ação Civil Pública, que o Plano Nacional de Mineração 2030, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia, prevê a exploração da mineração em terras indígenas. Entretanto, o assunto é visto de forma preocupante pelo MPF, sobretudo com relação a Terra Indígena Yanomami.

Fernando Machiavelli salientou que os prejuízos causados pela garimpagem ilegal em terras indígenas de forma desorganizada tem efeitos drásticos de destruição cultural, física e ambiental dos yanomami.

“Sendo feito isso de forma organizada e em grandes proporções nós vamos ter um etnocídio [termo utilizado para descrever a destruição da cultura de um povo]”, destacou.

Somente na TI Yanomami, a maior do país, são quase 20 mil indígenas yanomami e ye’kuana. Destes, entre 60% a 70%, não tem quase nenhum contato com a sociedade envolvente.

“É uma cultura não monetarizada, não falam a língua da sociedade envolvente. Mesmo a lavra sendo feita de forma organizada, há a supressão dessa riqueza que é a cultura yanomami/ye’kuana. Isso se chama etnocídio por que na verdade mata-se uma etnia, uma cultura, uma manifestação única no mundo todo”, comentou Machiavelli.

FONTE  : Folha de Boa Vista – http://www.folhabv.com.br/