Riscos à segurança alimentar do País e maior produtividade agrícola e pecuária foram discutidas por cientistas renomados.
Estabelecida como um fórum de discussões ambientais imprescindíveis ao amadurecimento de consciências, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES-SP) promoveu, no último dia 25 de setembro, seminário gratuito sobre as “Alterações do Código Florestal e os Desafios do Desenvolvimento Sustentável”, no Instituto de Engenharia, em São Paulo.Cerca de 80 pessoas tiveram a oportunidade de assistir palestras e debates com especialistas e formadores de opinião. O jornalista Washington Novaes, pioneiro na cobertura de temas ambientais e colunista do jornal “O Estado de São Paulo”, bem como José Goldemberg, físico brasileiro mundialmente reconhecido e professor colaborador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (IEE/USP) estiveram presentes.
Na abertura dos trabalhos, Dante Ragazzi Pauli, presidente da ABES Nacional e ex titular da Seção São Paulo, reforçou a importância de ampliar o diálogo sobre o Código Florestal. “Apesar da repercussão obtida, noto que é um tema pouco debatido na sociedade. Precisamos retomar discussões com esta amplitude e trazer os jovens, efetivamente, ao setor ambiental”, disse.
A primeira palestra, ministrada por Samuel Ribeiro Giordano, pesquisador sênior do Pensa, centro avançado dedicado à gestão e coordenação de Agronegócios, falou das justificativas técnicas às alterações do novo Código Florestal. “Pela primeira vez na história do Brasil temos debates na sociedade em relação a este tema. Isso se deve ao amadurecimento da democracia no País”, ponderou.
De acordo com o pesquisador, há uma questão política que divide e cristaliza grupos entre conservacionistas e produtores rurais, criando um antagonismo pouco produtivo entre as duas partes. “Os pecuaristas estão sendo demonizados de maneira absolutamente equivocada”, disse.
Para ele, o novo Código Florestal se prende a questões métricas desnecessárias de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e às Reservas Legais (RL), quando deveria se preocupar em discutir conceitos. “Ter um instrumento legal não é garantia de que haja preservação. É preciso realizar estudos científicos para estabelecer os tamanhos das APPs e RL de acordo com a especificidade de cada bioma”, expôs. Em seguida, sugeriu que medidas restritivas poderiam ameaçar a segurança alimentar do País. “O Brasil possui cerca de cinco milhões de fazendas e 32% delas são responsáveis por 76% da produção bruta do País. Antes, o brasileiro gastava cerca de 60% de sua renda com alimentação. Hoje, gasta apenas 18%”, contou. Conforme ele, limitações na produção encareceriam este balanço.
Eficiência produtiva – A segunda apresentação ficou a cargo de Sergius Gandolfi, biólogo do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP) e abordou o tripé “Novo Código Florestal, Aquecimento Global e Desenvolvimento Sustentável”. Segundo ele, não há problemas na coexistência de áreas de produção e espaços de vegetação nativa. “Mas, para isso, é necessário aumentar a produtividade com tecnologia e conhecimento”, considerou.
A palestra se firmou no argumento científico de que áreas sem cobertura vegetal são alvos de erosão, o que infertiliza o solo, já que a camada mais profunda da terra fica exposta e não possui nutrientes necessários ao plantio. “Sem mata ciliar, a erosão se aproxima do rio e o assoreia”, explicou.
De acordo com ele, o Código Florestal, instituído em 1965, nunca foi, de fato, implementado. “Mas em 2008, quando o governo federal sinalizou que as diretrizes seriam cobradas, iniciou-se um movimento ruralista para alterá-lo”, afirmou. “Com isso, quiseram diminuir áreas de reserva legal, de preservação permanente, extinguir as multas e a necessidade de recuperação de mata”.
Para Gandolfi, anistiar é esquecer dos danos ambientais e do assoreamento dos rios que foram herdados pela sociedade através da produção de lucro indiscriminada de atividades nocivas por parte dos grandes ruralistas. “O direito de propriedade não é absoluto e universal. Proprietários de terras devem ser produtivos, mas não se pode desrespeitar critérios de preservação e conservação ambiental”, sinalizou. “A pecuária e agricultura intensivas, com maior produtividade e menor uso do solo são soluções práticas e viáveis”, concluiu.
Considerações – O jornalista Washington Novaes, a quem coube mediar uma mesa de debates, destacou que as discussões sobre as alterações no Código Florestal passam à margem da questão central: a finitude de recursos. “O Brasil sofre ofensivas externas de países em busca de recursos. Afinal, possuímos de 15% a 20% da biodiversidade terrestre e 13% das águas superficiais do mundo se encontram em solo nacional”, enumerou.
Segundo ele, diante de tanta diversidade, é inviável possuir um único código aplicável a todos os biomas. “Outro ponto pouco falado se refere às emissões de metano pelo gado, que hoje alcançam 58 kg por cabeça. Multiplicado por todo o gado existente no Brasil, as emissões se equiparam às da indústria e do transporte juntas, de acordo com um estudo da Embrapa”, explicou, em referência aos 205,292 milhões de bovinos, contabilizados em 2009, pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Novaes também inquiriu a plateia a pensar na seguinte questão: qual seria o valor dos serviços prestados pela natureza se eles tivessem de ser executados pela ação humana? E a resposta: cerca de três vezes o valor do Produto Interno Mundial, ou seja, aproximadamente US$ 200 trilhões.
Para o jornalista, o Código Florestal vigente a partir de 1965, que era mais rígido do que as estimativas mais otimistas propostas por ecologistas no novo código, não impediu a devastação ambiental. “O novo código, independente de afrouxar medidas ou não, também não impedirá a destruição, porque o orçamento do Ministério do Meio Ambiente é irrisório se comparado aos demais. Assim, não tem como fiscalizar os infratores”, concluiu.
Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor titular da ESALQ/USP, teve o “Novo Código Florestal Brasileiro e suas implicações no desenvolvimento sustentável”, como tema de sua palestra. De início, falou do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, que tem como objetivo articular instituições públicas e privadas, governos, empresas e proprietários para integrar seus esforços e recursos à geração de resultados em conservação da biodiversidade.
De acordo com Rodrigues, todas as propriedades agrícolas já nascem ambientalmente erradas. “Atualmente, temos um terço da produção agrícola ocupada por plantações de alimentos, com soja, café e cana, principalmente, e dois terços são preenchidas com uma pecuária de baixíssima produtividade”, contou.
Segundo ele, apenas uma ligeira mudança de uma cabeça de gado ocupada por hectare por uma cabeça e meia já seria benéfico. “Oitenta milhões de hectares de terra seriam poupados com essa pequena modificação. Isso se chama tecnificar a pecuária. Alcança-se qualidade produtiva deste modo”, salientou. Em complemento, falou do projeto, coordenado por ele, de plantação de árvores nativas em antigas áreas de pastagem, com técnicas de manejo florestal para potencializar o papel de conservação da biodiversidade de fragmentos da Mata Atlântica.
Esclarecimento científico – O físico José Goldemberg, por sua vez, lembrou que as razões científicas e técnicas para não se devastar matas nativas nunca foram apontadas com a devida clareza. Aos olhos dele, um exemplo de polemização desnecessária é a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. “Esta obra inundará cerca de 500 mil hectares de áreas verdes, mas apenas uma vez. A usina será útil à segurança energética do País. A mesma quantidade de devastação é causada todos os anos na Amazônia e ninguém faz tanto alarde”, disse.
Rodrigues, da ESALQ, completou a frase de Goldemberg ao lembrar que o Código Florestal começou a ser delineado em 1935, foi instaurado em 1965 e se tornou lei em 1989. “Mas, infelizmente, a comunidade científica nunca se prontificou a embasar, corrigir ou negar os princípios de metragens de áreas de preservação permanente ou de reservas legais. Trabalhamos com dados marginais e a ciência não chega ao campo porque não há política que permita”, destacou.
Para Novaes, mediador da mesa, o que impera atualmente é o que ele chama de “retórica da indignação”. “A sociedade fica indignada com grande parte das coisas, mas não se articula para fazer mudanças, não traça estratégias e não se aproxima de órgãos e institutos que possam liderar discussões”, apontou.
Entretanto, Goldemberg lembrou que a internet, através das redes sociais, pode cumprir este papel. “O Facebook e o Twitter foram usados como instrumento de pressão às alterações do Código Florestal. É necessário, porém, ter poder de convicção, embasamento científico e constância, mas são iniciativas válidas. A lei da Ficha Limpa, por exemplo, nasceu deste modo”, finalizou.
FONTE : Ascom da ABES-SP – http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=84413
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